Sindicalismo em crise

Ainda o mais importante movimento social brasileiro, o sindicalismo encontra-se em verdadeira sinuca de bico. Parte do problema, contraditoriamente, surge com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Símbolo da luta dos trabalhadores no País, no poder o ex-metalúrgico abandonou o programa com o qual o foi eleito, ao menos no que trazia de essencial – a mudança da política econômica –, e rendeu-se às vontades da elite capitalista. A atitude, defendida como única maneira de garantir a governabilidade, deixou atônita essa parcela de sua base de apoio, que se dividiu entre o adesismo e o confronto.

O festival de denúncias que atinge o PT, parlamentares da base aliada e, inevitavelmente, o Governo só piora a situação, como ficou claro nas primeiras reações. Acompanhando o campeonato de tiros no pé, a CUT endossou a pouco convincente teoria de “golpismo das elites”. Força Sindical e CGT, no outro extremo, engrossaram o coro em defesa da Daslu, irremediavelmente flagrada em fraude, sonegação fiscal e formação de quadrilha, contra as “arbitrariedades” da Polícia Federal.
Para além da difícil relação com o Governo Lula, no entanto, o movimento sindical enfrenta uma crise ainda mais séria, nascida com o neoliberalismo dos anos 90, que mina seu poder de luta e o anula como agente de mudanças na sociedade.

Em “Encruzilhadas do Sindicalismo”, editado pelo Instituto Maurício Grabois e pela Editora Anita Garibaldi, o jornalista Altamiro Borges lança luz sobre os dilemas e mazelas que afligem as organizações dos trabalhadores e lhes propõe uma saída. Numa coletânea de artigos, parte dos quais escritos para o V Congresso do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), ele discute as razões objetivas e subjetivas da perda gradativa de importância do movimento, aponta seus desvios e sugere a retomada da ação.

Gênese da decadência

O sindicalismo viveu seu apogeu durante os anos 80. A um só tempo tornou-se símbolo da luta por melhores condições de vida para a classe trabalhadora e pela volta da democracia no Brasil. A partir da década seguinte, contudo, essa força dinâmica acusaria o golpe desferido pela bíblia neoliberal imposta aos países em desenvolvimento.

Desnacionalização, desindustrialização, privatização, terceirização, seguidas de demissões e precarização do trabalho reduziram a capacidade de mobilização e organização das entidades. A saga que começou com Fernando Collor de Mello seguiu com Fernando Henrique Cardoso, também responsável pelo fim de muitas garantias trabalhistas. Entre elas, talvez a mais fundamental tenha sido a denúncia pelo ex-presidente tucano, de forma inconstitucional, da Convenção 158 do OIT (Organização Internacional do Trabalho), que impede a dispensa imotivada. E, para completar, o fim da política de recomposição salarial. Num cenário de desemprego crescente e insegurança, mesmo as pequenas batalhas corporativas se viram enfraquecidas, que dizer da ação política mais abrangente.

Paralelamente a tais ataques objetivos, as organizações sindicais se vêem presas da excessiva institucionalização e burocratização. Sem perspectiva de ação transformadora concreta, conformaram-se com as pequenas disputas cotidianas e confundiram meios e fins. Entre as manifestações do problema, Borges aponta três que considera os mais graves. A primeira seria a “praga do aparelhismo”, que consome energias em escaramuças internas de disputa por espaço na máquina. “Tudo indica que está em gestação no País uma nova elite sindical, distante da linguagem, do modo de vida e dos anseios dos trabalhadores”, adverte. A segunda é o excesso de participação no governo por meio dos inúmeros fóruns paritários, freqüentemente infrutíferos. Por fim, a flagrante falta de renovação das lideranças, hoje majoritariamente acima dos quarenta anos de idade e, em certos casos, detentoras de verdadeiros reinados nas organizações.

Agir ou sucumbir

Diante de tal quadro, o autor faz dois chamamentos importantes. Em primeiro lugar, é imprescindível enxergar a realidade: “A crise de valores é algo que só não vê quem é cego ou se finge de cego. A falta de ética e transparência é corrosiva e cobra seu preço!” Depois, livre dos vícios que o amarram, o movimento sindical deve retomar a luta, guiado por uma agenda de valorização do trabalho e desenvolvimento nacional. Nesse sentido, a pauta dos trabalhadores, propõe Borges, deve incluir a ampliação do nível de emprego, redução da jornada de trabalho, elevação do grau de escolaridade, aumento real do salário mínimo, reversão da precarização, reformas agrária e urbana.

O livro alerta ainda para a essencial discussão acerca do chamado novo proletariado, aquele que não mais se encaixa na emblemática figura uniformizada com o macacão da montadora de automóveis. Esse enorme contingente dividiria-se em dois grupos principais. De um lado, estão os “filhos da reestruturação produtiva”, a mão-de-obra especializada e relativamente bem paga, com forte tendência ao individualismo e sem qualquer consciência de classe – até porque cresceram e foram para o mercado do trabalho em pleno refluxo do sindicalismo. No outro extremo, está a legião de informais, sem carteira assinada e sem direitos, a quem as entidades sindicais nada oferecem.

Num momento claramente marcado pelo desencanto e pela perplexidade, a leitura de “Encruzilhadas” pode servir como um despertar. Um projeto fracassado, mesmo embalado por 20 anos, não obriga ou autoriza quem sonha com a mudança ao conformismo. É preciso reconhecer os enganos, aprender com os erros e agir.

Encruzilhadas do Sindicalismo, Altamiro Borges, Editora Anita Garibaldi e IMG – Instituto Maurício Grabois, 180 páginas, R$ 10,00.
Para adquirir: (11) 5575-9865 ou img-sp@uol.com.br

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