“Que tempo bom, que não volta nunca mais (…)”, esse pequeno refrão é parte de uma música do Thaíde e DJ Hum. Para quem não sabe, a dupla ficou famosa nos anos 80 por lançarem o Rap – ritmo e poesia – no Brasil.
Saudade do tempo em que a ditadura ia por água abaixo, junto com a censura e era possível cantar os protestos e pregar a paz, o amor, a união e a diversão, incentivadas por Afrika Bambaataa, pai da cultura hip hop.
Entretanto, não é de hoje que a cultura feita nas ruas vem sendo depreciada e barrada em eventos, como aconteceu na Virada Cultural em 2008 quando o palco do “Baile Chique” foi colocado a quilômetros de distância das demais atividades e policiais, com a agressividade costumeira, revistavam os adeptos da cultura, tratando-os como bandidos.
A novidade fica por conta da decisão tomada pela prefeitura de São Lourenço, que proibiu, através de um decreto o rap e o funk no Carnaval.
Se eu quiser estar na cidade e dançar ao som de James Brown ou do rei do pop Michael Jackson não vou poder?! Ah …porque eles fazem funk.
Quer dizer que eu, como jornalista e muitos de nós, escritores da nova geração contemporânea e referência nacional somos pessoas que incitamos a violência o desrespeito à autoridade?
Será mesmo? Porque sou adepta do hip hop e por conseguinte do rap ! Adoro o ritmo e as letras nacionais. De Racionais MC’s ao novo Emicida, passando por raps regionais como o do grupo UClanos e do Elemento.S da capital mineira.
Voltamos ao tempo da ditadura, da censura. Proibir determinado estilo porque querem resgatar o axé e as marcinhas?
Não estou dizendo que uma música é melhor do que a outra, mas o decreto (absurdo) dita regras para a festa popular. Se é popular é feita pelo povo. Isso está claro e não deve ter restrições quanto ao estilo musical ou manifestação cultural.
Sim, porque o funk, seja o antigo ou o carioca, gostem ou não, são manifestações culturais. Crime ou cultura? O som dá medo…e prazer ! E isso está presente em teses de doutores, em livros de escritores urbanos e contemporâneos e sendo ensinado nas escolas, quer queiram, quer não.
Além da execução pública do rap e do funk pelos grupos que participam do Carnaval o decreto proíbe os estilos até mesmo em carros particulares que circulem pela área onde ocorre o Carnaval.
Aaaah, dá licença. Não vou a São Lourenço, mas se vivesse na cidade, escutaria o que quisesse no carro, seja onde fosse. O carro é meu, o som também. O gosto então, nem entro nesse mérito. Qualquer pessoa tem o direito de ir e vir. Mais ainda de ouvir o que quiser onde quiser. Faça-me o favor. É Carnaval. É festa popular. É manifestação. Aliás, a maior do país.
Como assim eu não posso ouvir e dançar ao som do rap e do funk?!
A notícia diz mais, que a decisão foi tomada pela Prefeitura em conjunto com o juiz do Juizado Especial, Ronaldo Ribas (parabéns, magistrado), representantes da Polícia Militar e do setor de turismo da cidade.
Segundo a notícia, a proibição tenta preservar uma festa baseada em seus ritmos originais.
Não por nada, mas o funk já se tornou um ritmo original no Brasil. O rap, a mesma coisa. Por que proibir? Por que incomoda tanto?
Uma cidadezinha do interior mineiro pode calar alguns gatos pingados que vão para a estância curtir o Carnaval, mas não consegue calar o grito de protesto que emana dos becos, guetos e vielas de todo país, seja por meio da oralidade do rap, das batidas do funk ou da literatura marginal, que se utiliza destas e de outras armas, dadas por esta mesma comissão de segurança carnavalesca, para guerrear contra a humilhação, a repressão e a censura.
Conseguem calar, mesmo que brevemente, algumas pessoas em seus carros e em seus blocos de Carnaval, mas não vão parar a nossa mídia, o jornalismo e tampouco a literatura.
Pensaram que não sabíamos ler e estamos escrevendo livros. Tomem conhecimento disso, elite. Escrevemos sobre rap, escrevemos sobre funk, nossa cultura o hip hop. Somos marginalizados mas não nos tornamos marginais. Temos sim, direito de trabalhar e exercer nossas profissões e ainda mais, de termos o que os outros estilos musicais têm. Temos o DIREITO de cantar a nossa música.
No seu carro, no meu, no de quem quiser, QUALQUER pessoa tem o direito de ouvir o que bem entender ! Seja marcinha, MPB, funk, gospel, eletrônica, enfim, cada um tem um gosto!
É rídulo achar que vão acabar com a violência proibindo o rap e o funk. Por que não cuidam da violência, não olham para o que precisa ser visto. Sugiro que acabem com o BBB também, pois é violento contra minha inteligência. É depravação pura. É pior que o funk.
Sugiro ainda que a comissão de segurança que apresentou o projeto aprovado pelo prefeito cuide do tráfico de entorpecentes, que sim, gera a violência em todo país.
Valores contrários ao Carnaval?! O que seriam estes valores? Será que eles existem só nas músicas que cantam as mazelas do povo e que a elite quer calar. Sim, porque ambos estilos são gritos daqueles que sofrem na pele e no dia-a-dia o descaso e a violência incitada por gente que acredita que este tipo de ação vai resolver os problemas do país. E as marionetes (alienados, zé povinho) acham lindo !
O crime organizado existe justamente por que tem gente com a cabeça tão fraca que acha que proibindo determinados tipos de música vão acabar com a violência. Será que quem adora marchinhas não compra lança-perfume do tráfico? Aaah..porque são elitizados não é tráfico?! Será que os que ouvem axé e outros estilos não usam drogas que financiam esse crime organizado?
Aaaahh vá ! Acredita mesmo que proibindo o rap e o funk a violência vai deixar de existir no Carnaval?! E depois dele? Vão continuar proibindo?
Daqui a pouco vão nos queimar na fogueira …Holocausto puro !
Seria preciso bem mais do que proibir as músicas para acabar com a violência. Seria necessário que esta mesma comissão olhasse por ‘tias’ de creche, que acabei de ver na TV, espancam crianças, cujos pais trabalham o dia todo para por o pão na mesa e que neste Carnaval não tem sequer o direito de curtir e se morarem em São Lourenço, nem de ouvir as músicas que gostam. Faça-me o favor !
No mais, acho que todos queremos é a Paz.
Jéssica Balbino – mineira, 24 anos, moradora da periferia de Poços de Caldas, jornalista formada, autora do livro Hip Hop – A Cultura Marginal, integrante do livro Suburbano Convicto – Pelas periferias do Brasil, colunista do site Ciranda Internacional de Informação Independente, e do Literatura Periférica defendendo as causas da cultura hip hop. (leia-se rap e funk neste contexto)
Voluntária de trabalhos com hip hop na periferia, atualmente atuando como repórter no Jornal Mantiqueira, idealizadora da série de reportagens Ás Margens da Sociedade, com pessoas de muito conteúdo e excluídas do restante da população.
Mantém o blog Cultura Marginal: www.jessicabalbino.blogspot.com