Na foto, Herivelto Martins
Em artigo recente, inspirado no livro “Planeta Favela” de Mike Davis, Leonardo Boff cita uma frase contundente de um estrategista do Pentágono, nela seu autor atenta para o fracasso das cidades do Terceiro Mundo, “as cidades fracassadas e ferozes do Terceiro Mundo, principalmente seus arredores favelados, serão o campo de batalha que distinguirá o século XXI”.
Lembrei-me então de Manuel Castels, A Era da Informação: “Seguiram-se exclusão social e não-pertinência econômica de segmentos de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros, constituindo o que chamo de “o Quarto Mundo””.
Finalmente meu pensamento foi à Milton Santos em uma das suas maiores contribuições a Geografia, ou seja, a teoria dos dois circuitos da economia urbana nos países do Terceiro Mundo, em “Da Totalidade ao Lugar”, onde ele mostra como as cidades terceiro-mundistas construíram-se produzindo duas economias heterogêneas, mas integradas, constituíndo dois circuitos econômicos e sociais diferentes articulados pelo capital. Em um vigem as regras estabelecidas pelas grandes multinacionais e bancos, e no outro a ordem se estrutura a partir da própria comunidade local.
Todas essas abordagens carregam algo em comum, a forma como a urbanização construiu no Terceiro Mundo cidades incontroláveis, irrespiráveis, “invivíveis”. É certo que este processo não ganha em dramaticidade ao que ocorreu na Europa, sobretudo nos séculos XVIII e XIX em Paris, Londres e tantas outras cidades européias. Também lá vivenciou-se situações tensionadas por uma realidade massacrante e demolidora. Para tanto, basta que leiamos Dickens e nossa mente se iluminará.
O capitalismo sangrou populações imensas tanto lá, quanto cá, mas uma coisa é lê-lo em livros ou vê-los em filmes, outra é presenciá-los em toda sua inteireza. Assim, fica a dúvida, será o Rio de Janeiro, uma cidade fracassada?
Vem então a minha consciência duas antigas canções, “Ave-Maria no Morro” de Herivelto Martins, com seus belos versos:
“Barracão de zinco
Sem telhado, sem pintura
Lá no morro
Barracão é bangalô
Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu
Tem alvorada, tem passarada
Alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria
Ave Maria, ave
E quando o morro escurece
Elevo a Deus uma prece
Ave Maria”
E o “O Morro Não Tem Vez” de Vinícius de Moraes e Tom Jobim
“O morro não tem vez
e o que ele fez já foi demais
Mas olhem bem vocês
Quando derem vez ao morro
Toda a cidade vai cantar
Morro pede passagem
Morro quer se mostrar
Abram alas pro morro
Tam….bo…….rim vai falar
É um é dois é três é cem é mil a batu…car
O morro não tem vez
Mas se derem vez ao morro.”
Apesar de serem escritas em períodos diferentes, Ave-Maria no Morro” é de 1942 e “O Morro Não Tem Vez” de 1962 e 1963, ambas transmitiam a esperança da mudança, a crença no país no povo trabalhador, criticavam a desigualdade social, a elite dominante e falavam do morro como um lugar de luta e, até mesmo, de felicidade, por conseguinte, nos traziam a certeza de que a saída para o Rio de Janeiro estava na incorporação dessas grandes massas à cidadania e na sua batalha pela conquista de novos espaços e direitos. E mais, era a cultura produzida nas favelas cariocas que oxigenava a vida da cidade, tornando-a leve e acolhedora.
Hoje, quando vemos a cidade desamparada, desmilingüida e feia, tatuada por uma aparteamanto social e racial brutal, onde regiões imensas pertencem ao “quarto mundo” nos perguntamos como podemos contornar tantas dificuldades? Haverá solução? Sairemos disso com brevidade? De uma coisa não tenho dúvida, no capitalismo bombado pela globalização e pelo neoliberalismo é que não será.