Neste 7 de Setembro o Brasil relembra o Grito ‘Independência ou Morte’ do príncipe regente D. Pedro, às margens do Rio Ipiranga, no ano de 1822, proclamando a separação do Brasil do reino de Portugal. O decreto da Independência, na verdade, já havia sido assinado pela princesa Leopoldina, no dia 2 de setembro, para impedir que o Brasil voltasse a ser colônia, como ordenavam as cortes portuguesas.
Os dois anos seguintes foram marcados pelas guerras da Independência contra as forças apoiadas por Portugal, que resistiam à separação. Mas a luta brasileira ficou inconclusa para a maioria da população, com os donos originais da terra e os produtores de suas riquezas, povos indígenas e negros, mantidos pelo Império como alvos de caçada, racismo, extermínio e escravidão.
O que aconteceu
O príncipe regente D. Pedro estava em São Paulo quando recebeu a mensagem de Leopoldina, datada de 2 de setembro. Chefe de Estado durante a missão do marido, ela informava sobre a assinatura da Independência, sob pena de que o país, alçado por D. João a parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, voltasse à condição anterior para atender os desígnios das cortes lusitanas.
Era o dia 7 de setembro e a Independência ficou simbolizada pelo Grito do Ipiranga. D. Pedro teria reunido seus homens às margens do rio paulista, erguido sua espada e bradado “Independência ou Morte!” A frase consagra um dos fatos relevantes da formação da nacionalidade brasileira.
O veracidade do grito não há como comprovar, já que o máximo que a historiografia alcança desse momento histórico é que D. Pedro não estava bem de saúde, acometido de uma forte crise intestinal. Mas está confirmado que nesse dia ele recebeu a carta de Leopoldina, trazida pelo mensageiro Paulo Belgrado, e declarou a independência, pela qual o Brasil ainda teria muito que lutar.
O que aconteceu antes
A história do Brasil imperial está diretamente ligada aos acontecimentos europeus da era napoleônica. Portugal monopolizava a exploração das riquezas do Brasil colônia e tinha como principal parceiro comercial a Inglaterra. Mas Napoleão, que avançava sobre a Europa e chegava a Portugal, proibiu esse comércio vital para o reino lusitano. Para escapar de Napoleão, a família real portuguesa mudou-se com toda a Corte para o Brasil. A partir daí o país deixou de ser colônia e tornou-se parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e residência do rei D. João VI. Aqui, ele promulgou algumas leis de impacto interno e internacional, entre elas a abertura dos portos às nações amigas e o comércio privilegiado com a Inglaterra.
Sem o antigo monopólio das riquezas brasileiras, imersos em crise agrícola e econômica após a expulsão dos franceses, e agora sob o controle militar inglês, a nobreza, a burguesia e os militares portugueses voltaram a sonhar com um Brasil colônia. Isto implicava em chamar de volta a família real e aprovar uma nova Constituição monárquica reduzindo os poderes reais e retirando do Brasil a condição de reino unido. Foram estas as exigências da chamada Revolução Liberal, que começou no Porto, apoiada pelo clero, e que espalhou-se por Portugal. O Brasil que então prosperava era o cofre que a revolução almejava, além de liberdade econômica a obediência do rei a uma nova constituição.
Pressionado a voltar, D. João partiu em 1821, deixando na regência do Brasil o filho D. Pedro e os cofres do país vazios. Foram com o rei todo o ouro e os diamantes guardados no Banco do Brasil.
Para mais sorte do Brasil do que dela própria, a princesa austríaca Leopoldina, culta, amante das ciências e dotada de talentos políticos enaltecidos por documentos e historiadores, havia sido dada em casamento ao filho de João VI, D. Pedro, de quem a história diz ter sido fanfarrão, mulherengo e violento com a esposa, tendo o hábito de trancafiá-la nos aposentos reais. “Nós princesas somos tais quais dados, lançados à sorte ou ao azar”, escreveu ela em uma carta. Leopoldina foi, porém, uma princesa apegada ao seu novo país e, com D. Pedro, governou o Brasil no período mais difícil das relações com Portugal, até a ruptura
A primeira ordem exigindo o retorno de D. Pedro para Portugal chegou em dezembro de 1821. Isso, mais o desprezo de Portugal pelos representantes brasileiros, insuflou os ânimos no Brasil. Em janeiro, um documento com mais de 8 mil assinaturas aprovado no Senado pedia que D. Pedro recusasse a ordem. Este documento, levado pelo ministro José Bonifácio, considerado patriarca da Independência, é considerado uma das razões para a declaração atribuída ao príncipe regente: “Se é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico”.
Em maio, D. Pedro decretou o “Cumpra-se”. Significava que quaisquer leis ou ordens de Portugal só seriam válidas no Brasil se tivessem por aval o “cumpra-se” do príncipe regente. Em junho, o governo brasileiro convocou eleições para formar uma Assembleia Constituinte no Brasil. Até que, em 28 de agosto de 1822, chegou um ultimato de Portugal, impondo o retorno imediato de D. Pedro, o que incluiria a abolição de leis brasileira e punição aos ministros, tratados como traidores. Lida por Leopoldina, a carta resultou na convocação do Conselho e no Decreto da Independência.
O que aconteceu depois
Portugal já havia retirado muitos militares leais a D. Pedro do Brasil e enviado seus soldados para reverter o rumo da Independência, nomeando representantes – Governadores de Armas – nas províncias.
As guerras e levantes da Independência aconteceram no Pará, Maranhão, Piaui, Cisplatina (hoje Uruguai) e na Bahia.
Os planos portugueses eram de manter o controle sobre a Bahia, produtora de açúcar e tabaco do Recôncavo, e cercar o Rio de Janeiro, barrando a passagem do ouro de Minas Gerais. Porém a população baiana mobilizou-se em favor da Independência, ganhando reforços dos navios e das tropas da corte brasileira, vencendo os portugueses através do cerco naval e por terra. ,A vitória é celebrada todo 2 de julho, considerado o verdadeiro Dia da Independência do Brasil.
O período de guerras da Independência só foi encerrado em 1825, com a assinatura do Tratado de Amizade e Aliança firmado entre Brasil e Portugal.
Os excluídos da Independência
Guardada a dimensão histórica do 7 de Setembro e seus acontecimentos, incluida a Constituição de 1824, eles não mudaram a realidade da maioria da população, especialmente os indígenas e os negros. A cultura branca europeia era considerada a única correta no recém-formado Império e a escravidão era tratada como assunto mercamente econômico. A Constituição de D. Pedro impunha inclusive o voto censitário. Significava que só poderiam votar cidadaos com renda anual acima de 100 mil réis.
Os povos indígenas, que na chegada dos portugueses em 1500 eram de três milhões de pessoas, não passavam agora de algumas centenas de milhares. A eles eram reservados os destinos da domesticação, aldeamento, ou eliminação dos “índios bravos”. A ‘lei da guerra justa’, que permitia escravizar e matar indígenas considerados hostis, assinada por D. João, continuou valendo mesmo depois da independência e da Constituição e durou até 1830.
No início do século XIX, a grande maioria da produção nacional utilizava a mão-de-obra escrava e assim continuou. Os escravos brasileiros não tiveram alívio com a Independência e a Constituição. Pelo contrário, durante o Império, foram traficados mais escravos africanos do que no período colonial. O próprio José Bonifácio, que defendia casamentos entre brancos e índios para levar à assimilação das etnias nativas e propunha a redução dos maus tratos aos escravos para uma abolição lenta “no futuro”, acabou perdendo o apoio dos proprietários de terras escravocratas.
Mas esses povos estiveram entre as causas da Independência, uma vez que o medo de rebeliões populares era real. Vinte anos antes, o Haiti já havia feito sua revolução e indicado um caminho possível, tornando-se a primeira a primeira república negra do mundo e o primeiro país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão. As tensões também fervilhavam no Brasil violento e endividado. Para ter sua Independência finalmente reconhecida, o Brasil precisou pagar fortunas a Portugal.
O 7 de Setembro em 2021
As celebrações oficiais da Independência no ano de 2021 não parecem guardar relação com as lutas anticoloniais travadas no Brasil desde os tempos do Império. Pelo contrário, manifestações em apoio ao governo são convocadas pelo próprio presidente da República em tom de ameaça contra as instituições democráticas.
“Se alguém quiser jogar fora dessas quatro linhas (da Constituição), nós mostraremos que poderemos fazer também”, disse o presidente acuado, tentando com a bravata levar seus seguidores às ruas para sobreviver à queda de popularidade, às denúncias da CPI e aos processos contra seus filhos. Na contramão da democracia, Bolsonaro agarrou-se a ideias coloniais da extrema-direita, buscando colocar o Brasil a serviço dos Estados Unidos e ao lado do Estado de Israel.
Mais do que o número de adeptos do bolsonarismo dispostos à fazer barulho neste 7 de Setembro, os fatos que melhor expressam o Brasil de hoje é a quantidade de indígenas cercando o Congresso para garantir o direito às suas próprias terras, a quantidade de pessoas passando à condição de pobreza extrema e o número de mortos na pandemia.
O espírito da resistência brasileira a essas tragédias pode ser encontrado na celebração de outro Grito pela Independência, e franco processo de colonização e, o Grito dos Excluídos, que se ergue paralelamente às pompas dos desfiles militares, todo ano, a cada 7 de Setembro no Brasil.
Ilustração: O Brasil lamenta as mortes da pandemia [Grito dos Excluídos]