Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a partir de abril de 2020, notou-se acesso limitado aos canais de denúncia e aos serviços de proteção gerou uma diminuição de registros de crimes relacionados à violência contra meninas e mulheres. O que dificulta a ação das redes de proteção e dos seus protocolos de atendimentos em Saúde e Assistência Social.
Diante deste cenário, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) convidou especialistas das áreas do direito, saúde, assistência social e segurança pública para participarem do webinário “Violência sexual contra meninas e adolescentes: o que precisamos saber?” realizado na quinta-feira (27/8).
O caso da menina capixaba de 10 anos reacendeu um debate público que possui números como os divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indica que a cada hora, 4 meninas de até 13 anos são estupradas, ou seja, dos 66.041 estupros registrados em 2018, 53,8% eram meninas que tinham até 13 anos. Uma das possíveis consequências desse estupro é a gravidez, segundo o Datasus, 22 mil meninas abaixo dos 14 anos engravidaram no país em 2017.
Para a ativista dos direitos das mulheres, Maria José Araújo, que já contribuiu com normas técnicas sobre violência sexual contra mulheres e meninas, os números fornecidos pelo Ministério da Saúde podem ser subnotificados, o que agrava a atuação coordenada da rede protetiva. “Não é possível fazer políticas públicas sem dados coesos, por isso precisamos buscar dados complementares em outras fontes como em universidades para embasar políticas efetivas”.
Maria José, médica e psicanalista, ainda recomendou que possíveis avanços na área da saúde sexual e reprodutiva passam pela implementação de normas técnicas sobre a atenção à violência dentro do Ministério da Saúde, por inserir o debate de violência sexual nos conselhos federais e municipais de saúde, e por indicar aos profissionais de saúde a necessidade de promover e garantir o direito de pessoas em situação de violência informando que é possível acessar a contracepção de emergência, a prevenção de HIV e o aborto nos casos previstos em lei.
A coordenadora da Patrulha Maria da Penha em Foz do Iguaçu, Paraná, Iraci Pereira Conceição, destacou a necessidade de trabalhar culturalmente a noção de gênero nas famílias. “Nossa cultura patriarcal condena muito as atitudes das mulheres, e o papel da segurança pública não é fazer juízo de valor de mulheres vítimas de violências. E nossa sociedade precisa combater a violência sexual por meio da educação com crianças, pais e profissionais, para diminuir casos de violências intrafamiliar e também realizar atendimentos humanizados”.
De maneira complementar, a advogada e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, Leila Paiva, mostrou um panorama de mudanças atreladas à implementação da Lei 13.431/2017, que estrutura um sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência com órgãos responsáveis e seus papéis para assegurar a efetivação das áreas da saúde, assistência social, educação e justiça.
“Essa lei é importante, pois ela normatiza a escuta especializada que busca humanizar o processo de oitiva dessas vítimas, tanto no processo de justiça como no sistema de atendimento”. Leila Paiva foi uma das sistematizadoras do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Ela também observa que ferramentas relevantes para o enfrentamento de violência sexual como o fortalecimento do sistema de garantia de direitos, principalmente dos conselhos de direitos de crianças e adolescentes, a formação de profissionais especializados para atendimento de vítimas e acompanhamento de agressores, e a educação midiática. E, ainda, sugere a criação de comissões de prevenção à violência de crianças e adolescentes em escolas, como elemento de prevenção e capacitação dentro do ambiente escolar.
Para a assistente social, Emily Barbosa, o caminho de enfrentamento à violência sexual passa por capacitações continuadas, debater e reforçar o trabalho da rede protetiva, e aprimorar a escuta especializada. “Essas ações são importantes, porque percebemos, quando olhamos os dados de violência, que as notificações vem, principalmente, da Unidade de Pronto Atendimento ou do Pronto Socorro. Ou seja, a notificação só acontece quando a violência já está no estado grave. É importante que os profissionais tenham um olhar acolhedor, e atuem de forma sensível”. Emily Barbosa, atuou durante um ano no Programa de Pesquisa e Vigilância à Violência (PAV) da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, onde idealizou o projeto “Não Interrompa a Linha de Cuidado: Notifique”. Além disso, integra a área psicossocial do Instituto Afro Brasileiro UBUNTU, localizado no Complexo do Alemão – RJ.
A mediação do webinário foi realizada pela representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil, Junia Quiroga.
Assista ao debate na íntegra: