Quando proibir é cuidar

São mesmo estranhos estes tempos em que vivemos. Nunca pensei ter um dia que concordar com alguma proibição que implicasse em controle do corpo. Ainda mais quando o genocida maior da nação se coloca contra esses controles, ao defender liberdades individuais como o básico direito de ir e vir, ou de não usar máscara. Ora, a defesa da autonomia dos corpos sempre esteve com quem preza a liberdade e a democracia. Não é o caso. O caso é pensar que liberdade é essa.

Em todas as épocas e culturas naturalizaram-se diversas proibições, como forma de controle dos corpos e dos povos. Repressão, impedimentos, vem de todos os lados, até de dentro de nós. Até poucas gerações atrás, a criança não existia na família, não podia abrir a boca. As mulheres, historicamente, sabem bem o que é proibição. Delas foi exigida a abdicação de todos os prazeres, sexuais principalmente, mas também o prazer de ler, ser artista, emitir opiniões e participar da vida pública. A proibição era de ficar solteira e não ser mãe. Quem mandava na família era o chefe – e ainda manda em muitas -, o homem, o patriarca.

A proibição quase sempre está ligada a promessas de prazer e por isso o proibido atrai. Quando me digo antiproibicionista, sempre tem alguém que pergunta: mas então nada pode ser proibido? Não só pode, como deve. Deve ser proibido tudo aquilo que fere outra pessoa, seja em seus direitos, sua dignidade ou seu corpo. Deveriam ser proibidas as guerras, a exploração da natureza (seres humanos inclusos), a apropriação dos bens comuns, o envenenamento da comida, os trabalhos insalubres, a hipocrisia, a falta de amor e solidariedade. Mas quem pensa assim é que tem muitas vezes a privação da sua liberdade.

Não se pode proibir uma pessoa de usar seu próprio corpo para o seu prazer, nem de utilizar para isso qualquer substância acessível na natureza. O sentimento de liberdade e independência é uma das melhores coisas da vida. E eu que prezo essa liberdade, o direito de cada pessoa ter poder pelo menos da sua pele prá dentro, me vejo obrigada a defender o controle dos corpos. A defender o confinamento, o isolamento social, as não demonstrações de afeto. Porque nesta pandemia em que nos encontramos, o controle dos corpos, a prisão em casa, podem ser traduzidos como cuidados.

A história nos surpreendeu com este vírus que foi se disseminando silenciosamente pelo planeta, e mostrou rapidamente o que a gente as vezes leva tempo para explicar. Como nós, os seres humanos, estamos conectados globalmente e como cada um pode infectar a todos. Ou como o confinamento de todos pode diminuir rapidamente o contágio, até acabar a pandemia. Mas se as culturas nos vários continentes são diferentes, seus governantes são mais ainda. E cada um cuidou de seu povo de acordo com sua ideologia. Não à toa, o Brasil faz parte do grupo de países que tem os índices mais altos de contaminados e mortos. Não por acaso, nosso presidente exerce seu poder de modo semelhante aos governantes da Índia, Rússia e Estados Unidos, campeões da pandemia junto com o Brasil.

Alguém que tivesse amor pelo seu povo, daria o direito ao confinamento para toda a população que não tem autonomia pra fazer isso. Criaria condições para abrigar com segurança sanitária todos os moradores de rua, todos os sem teto, todos os desprovidos. Ao contrário, o abandono dos não privilegiados escancarou a miséria e está ampliando a desigualdade. O que vimos, além do desserviço do genocida, foi desvio de recursos, pelos governantes, em cima da compra de equipamentos necessários ao combate da doença; alardeados hospitais de campanha e propaganda, onde a última coisa em que se pensava era quem seriam os profissionais a trabalhar ali. O desrespeito aos trabalhadores da saúde tem se visto em todos os níveis e lugares!

Confinamento atualmente é proteção. E desconfinamento também. O Irã foi o primeiro país a determinar a soltura de quase 100 mil presos numa tentativa de conter a rápida disseminação do vírus no sistema carcerário. Vários países como Portugal, Canadá, Alemanha, Inglaterra, entre outros, estabeleceram políticas de soltura de presos por crimes mais leves ou que estivessem perto de concluir suas penas. Em todos os países houve tensionamento no sistema carcerário devido a Covid 19 e por aqui tivemos inclusive algumas revoltas logo em março. O sistema prisional brasileiro é mega lotado de pessoas e insalubridade, não acesso à saúde, repleto de privações, completamente abandonado pelo Estado.

Mas para o genocida de plantão no planalto, essas pessoas não contam nada, melhor que morram. Para ele, que tem passado a pandemia a debochar da doença e a propagandear práticas de total descaso com o outro, pouco importam as centenas de milhares de vidas que serão impedidas de seguir. Do total de mortos no mundo, o Brasil responde por 10%! Parece até que o miliciano chefe gosta de brincar de quem deve viver e quem deve morrer. Necropoder. E agora conta com aliado poderoso – o coronavírus. Tanto que até resolveu fazer novo teste de covid na segunda-feira, cujo resultado desta vez foi positivo. Só agora, depois que ele cansou de fungar e apertar a mão de tantas pessoas. Sei não, mas tá parecendo nova fake news… vamos ver o proveito próprio que ele vai tirar.

Imagem Os Amantes – René Magritte (1928)

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de Terezinha Vicente

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