Por: Laurindo Lalo Leal Filho*
Para o sociólogo, só aos 12 é que todas as crianças conseguem ter uma posição crítica em relação à publicidade ou discernir corretamente sobre os seus objetivos. No Brasil nunca se fez esse tipo de pesquisa, mas acredito que, apesar de todas as diferenças culturais e econômicas existentes entre os dois países, as respostas seriam semelhantes. Afinal não é justo impor pressões comerciais às crianças quando elas ainda não tem idade nem para diferenciar ficção da realidade.
Está mais do que provado o poder de indução da TV às diferentes formas de comportamento infantil, positivas e negativas. Infelizmente estas últimas são predominantes, variando apenas o grau de periculosidade. Desde amarrar um avental às costas e pular de alguns degraus da escada, imitando um herói de desenho animado, até esfaquear a coleguinha como fez um menino em Brasília, reproduzindo imagens vistas na televisão, como ficou comprovado.
Aprende-se com os anúncios que só através do consumo se chega à felicidade e que a posse de determinados objetos torna algumas pessoas diferentes e superiores a outras. Molda-se, dessa forma, toda uma vida. Os únicos antídotos existentes para esse envenenamento precoce são oferecidos pelo entorno familiar e pela escola, instituições capazes de relativizar o poder da televisão. Em reduzidos setores da sociedade brasileira isso é perceptível. Escolas com métodos pedagógicos modernos e competentes, país intelectualizados e com um nível de renda que permita o acesso a outras formas de conhecimento impedem que a televisão e a propaganda exerçam domínio absoluto sobre a cultura infanto-juvenil. Falamos, infelizmente, de uma minoria privilegiada. A maioria no Brasil têm na televisão sua única fonte de informação e entretenimento, tornando-se presa fácil da monopolização cultural.
Sobre as crianças mais velhas, há uma pesquisa da Unesco, realizada em 23 paises (entre eles o Brasil), com cinco mil jovens de doze anos, mostrando a importância dos heróis televisivos e “pop-stars” na imaginação infanto-juvenil. Eles são cada vez mais modelos de vidas consideradas bem sucedidas. Não é por acaso que astros da televisão, pelo menos aqui no Brasil, transfiguram-se em garotos-propaganda, usando para vender mercadorias a aura conquistada nos programas de entretenimento.
Trata-se de uma violência praticada por adultos que seduzem as crianças e os jovens com seus encantos ficcionais, conseguindo estabelecer com eles uma relação fraternal e de confiança, mas ao mesmo tempo os traem, ao se apresentarem como vendedores de todo tipo de mercadoria. Fazem isso, muitas vezes, sem o mínimo pudor, inserindo o comercial no meio do programa infantil, impedindo a distinção entre o entretenimento e o comércio. É o tão decantado merchandising, xodó de publicitários e camelôs eletrônicos.
Não se respeita na TV nem a distinção que jornais e revistas responsáveis fazem entre anúncios e conteúdo editorial, separando-os muitas vezes com fios grossos e, se necessário, colocando em destaque a expressão “informe publicitário”. Não se respeita nem o artigo 36 do Código Brasileiro do Consumidor onde consta que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. E nem mesmo o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária que também exige a identificação do anúncio em seu artigo 28.
Se de um lado a ofensiva publicitária é cada vez mais intensa, buscando conquistar corações e mentes desde o berço, de outro alguns governos começam a se sensibilizar para a questão, instituindo formas de proteger a infância da televisão. Aliás, a Constituição brasileira diz que a lei deverá criar mecanismos para proteger a família da TV, lei que até hoje inexiste. Mas na Europa, a década de 1990 mostrou avanços sensíveis, impulsionados pela Convenção da ONU de 1989 que preconizava a necessidade de “encorajar o desenvolvimento de orientações apropriadas para proteger a criança de informações e materiais prejudiciais ao seu bem estar”.
Colocando em prática essa orientação, França, Inglaterra, Alemanha e Itália estabeleceram regras de proteção à infância, entre elas a exigência de uma distinção clara por meio de sinais óticos ou sonoros das emissões publicitárias. É exatamente o oposto da confusão proposital efetivada pelo merchandising.
Além disso, a Diretiva Européia sobre Televisão sem Fronteiras, adotada por vários países do continente, indica que os anúncios não devem incitar diretamente as crianças a comprar, ou estimulá-las a persuadir seus pais para que comprem alguma coisa, valendo-se da inexperiência e da credulidade infantis. Nem pensar, por exemplo, a exibição do comercial que passou na TV brasileira, onde um jovem não queria chegar à festa trazido pelo pai, para não se sentir criança na frente dos amigos. Mas quando o pai trocava de carro e ele aparecia descendo de um modelo novo e caro, a vergonha era deixada de lado, superada pelo orgulho de possuir um carro último tipo.
Alguns países foram além do sugerido pela Diretiva Européia. A Alemanha proibiu a inserção de publicidade em qualquer programa infantil. Nos canais públicos italianos não pode haver propaganda em programas infantis e na França o merchandising é proibido. A decisão sueca é ainda mais avançada e se apóia, além da pesquisa, na constatação de que as crianças não nascem com anticorpos necessários para se defender das pressões comerciais e, por isso, têm direito a zonas protegidas.
Aqui continua imperando a lei da selva. Produtos para o público infantil são anunciados antes, durante e depois dos programas dirigidos a essa faixa etária. Qualquer tentativa de civilizar a televisão é apontada como censura ou obstáculo à livre iniciativa, sem que os autores dessas falácias se sensibilizem com as deformações culturais e psicológicas impostas pela propaganda. São os mesmos que se queixam da violência urbana, da brutalidade no trânsito, do mau comportamento das crianças e adolescentes, fechando os olhos para a relação desses fatos com a educação para o consumo e o individualismo, impostas incessantemente pela propagada na TV.
* Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo e jornalista, professor de Jornalismo da ECA-USP.
Fonte: Portal Vermelho