Nos anos 50, ele lembra que “os ambientalistas”, movimento do qual já fazia parte, cabiam em uma Kombi. “Havia uma em São Paulo e outras em Minas Gerais, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro…”, fala bem-humorado. Nessa época, foi um dos fundadores da Associação de Defesa da Flora e da Fauna, que posteriormente se transformou na Associação de Defesa do Meio Ambiente – São Paulo (Adema – SP).
Uma pessoa de sorriso fácil e memória invejável – diga-se de passagem –, ele relembra de detalhes de bastidores de momentos importantes que protagonizou como homem público e militante da área ambiental e não demonstra desânimo ao defender políticas no setor mais vigorosas no país e no mundo. Para isso, não mede esforços. Aconselha (seja quem for), desde estudantes à presidente da república, Dilma Rousseff, quando se trata dos riscos impostos na atualidade à agenda ambiental, sobre a qual se esforça em estar atualizado.
Uma de suas preocupações atuais é o andamento da votação do Código Florestal, na Câmara dos Deputados.“O projeto de lei realmente tem alguns problemas. A reforma será boa, desde que não prejudique o meio ambiente”
Professor emérito de Ecologia da Universidade de São Paulo, na qual ministrou a disciplina, desde 1988, e membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), do qual também foi presidente e fundador, Neto tem um currículo extenso nessa seara. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1945, e em História Natural, em 1959, pela Universidade de São Paulo (USP), como pesquisador, tornou-se especialista em abelhas indígenas sem ferrão (Meliponinae) e em pombas e rolas, entre outras.
Foi nomeado o primeiro secretário especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1974, órgão à época, vinculado ao Ministério do Interior, com prerrogativas de ministro. E lá permaneceu até 1986. “Sobrevivi a quatro governos (rs), até a metade da gestão Sarney. Eu estava representando a comunidade científica e interessado na relação do país com o meio ambiente”.
“Na década de 70, recebi o convite para ser secretário e me deram três salas e cinco funcionários (quase nada para a atribuição que teria), então, pensei – Como fazer isso crescer? Não tinha poder de polícia, era uma missão praticamente missionária”.
Neto se recorda que era um período difícil da Ditadura, com o governo militar e políticos conservadores. “Fiz questão de ficar fora da política partidária e pensei que uma maneira de fazer o trabalho crescer era me aliar à imprensa. Eu criticava o problema e dizia como poderia ser resolvido. Tratava de questões graves, como a poluição horrorosa em matéria de enxofre. Mesmo hoje ainda é um problema, imagine naquela época. Na cidade de São Paulo, as pessoas ficavam com lágrimas nos olhos, sem estar tristes e roucas, sem participarem de comícios…”.
Sob sua gestão, foi criada a Política Nacional de Meio Ambiente, em 1981. “Só teve dois votos contrários. A aprovação teve aspectos interessantes. O primeiro artigo que o Franco Montoro havia proposto, previa prisão. Outro líder do governo falou que se ele mantivesse essa pena no texto, não seria aprovado (então, houve alteração). E esse projeto criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama)…”.
“No início do Conama, Mario Andreazza (então, ministro do Interior) ficou estupefato de o governo não ter liderança no órgão. Até hoje o governo federal é minoria lá e ninguém percebe (rs). São 110 membros e o questionamento de que não poderia funcionar por causa disso não é verdade. O conselho é subdividido em câmaras técnicas e quando a resolução vai à plenária, quase tudo está resolvido. Mas ainda há muita coisa a melhorar…”
Mais uma pauta prioritária, segundo Paulo Nogueira-Neto, se referia às fábricas de amianto e o comprometimento da saúde humana.
O ex-secretário Especial de Meio Ambiente lembra, como se fosse hoje, que um dos primeiros atos nesse cargo, foi o de ampliar aos poucos a quantidade de parques nacionais no país, enfrentando muitas resistências. “Criei três unidades novas e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) não podia achar ruim”.
E anos mais tarde, mais precisamente em 1989, era criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com a fusão da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), da Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), da Superintendência da Pesca (SUDEPE) e do IBDF. Neto foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos conceitos das unidades de conservação no país, que desde 2007, estão sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“Com relação às Áreas de Proteção Ambiental (APAs), tirei a ideia de uma viagem que fiz a Portugal. Lá recebe o nome de Parque Natural. Mas todos têm de ser (rs), o nome era meio estranho, mas o conceito bom. Não tem custo nenhum e não pode ter fonte industrial de poluição…”
Quanto às estações ecológicas, ele deu seu “toque de professor universitário”. “Deveriam ter a missão ligada à pesquisa e a gestão de universidades locais, na administração das mesmas”.
Paulo Nogueira Neto revela que um dos momentos mais marcantes de sua trajetória foi participar da Comissão Brundtland da Organização das Nações Unidas (ONU), responsável pela elaboração do relatório de “O Nosso Futuro Comum”, em 1987, quando surgiu o embrião do conceito de sustentabilidade. “A ideia era de proteção ao meio ambiente, incentivo à educação, melhoria das condições de saúde…”
Quantas recordações, em praticamente duas horas…Essas e outras histórias dos bastidores do ambientalismo, ele contou durante palestra, nesta semana, no Instituto de Eletrotécnica e Engenharia, da USP, que continuarei a relatar na segunda parte dessa matéria.
Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk