Para o enfrentamento à fome e ao alimento falso envenenado

A próxima semana, com intensa programação da campanha “Gente é feita pra brilhar, não para morrer de fome”, em torno do Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro), organizada pela rede Banquetaço, é uma boa ilustração para as teses que expus no artigo inaugural desta coluna, Pela Luta Política Extrapartidária.

É uma causa de enorme magnitude e longevidade.

É claro que esta campanha não pode ser um espasmo de ativismo relacionado a um fenômeno social que não irá embora após os debates qualificados que ocuparão não mais que 30 horas. Nem pode apostar as fichas nas conclamações a serem feitas por personalidades notórias das diversas religiões e espiritualidades que estarão no ato “Pelo Pão e pela Paz”, que será realizado no dia 12 de outubro na paróquia São Miguel Arcanjo, como forma de demonstrar solidariedade em todas as religiões ao padre Júlio Lancelotti, que sofre ameaças de violência pela sua firmeza heróica em defesa dos setores mais fragilizados.

São apenas momentos pontuais no traçado de uma curva.

Não é possível transformar em força transformadora a solidariedade moral que é até fácil de provocar, se não houver rumos de médio e longo prazo para continuidade dessa luta. E são apenas simbólicos, conquanto importantes, os marmitaços que dezenas ou centenas de ativistas farão em todo o país nos dias finais, 17 e 18 de outubro. É possível acabar com a fome? É, e já temos prova, no governo Lula, da eficácia do programa Fome Zero em tirar os brasileiros do Mapa da Fome.

Porém a luta é dura e complexa. Requer continuidade e perseverança, no estudo, nas diversas frentes, desde a defesa na Justiça dos conceitos de propriedade definidos na nossa Constituição, até a mudança nas condições de produção e distribuição de alimentos, que precisam ter um espaço maior para o pequeno produtor e as cadeias de distribuição sem oligopólio dos supermercados.

E seria apenas cosmética qualquer proposta que não contestasse frontalmente a EC95, do teto de gastos, que serve de biombo ideológico para a mídia e o governo neoliberal convencerem a sociedade da insuficiência de recursos para garantir os investimentos (sim, não são gastos e sim investimentos) para alimentação adequada de todos os brasileiros e brasileiras.

Volto às teses do artigo anterior. Volto a defender a luta partidária para ganharmos mais espaço nas eleições, mas ao mesmo tempo a apontar a sua insuficiência.

Trata-se de uma luta acima de tudo extrapartidária, em que precisamos de todos e todas que se indignam com as iniquidades sociais, independentemente dos candidatos e partidos de sua preferência. E, claro, não estou me referindo somente às próximas eleições municipais, e sim à luta necessária no próximo período de amadurecimento político até podermos vencer pelo voto os políticos que fazem o serviço sujo desejado pela oligarquia do capitalismo financeirizado.

Uma luta extrapartidária, em que precisamos nos unir na construção de uma pedagogia social, e da busca de vitórias pontuais e localizadas ao aprovar nos legislativos uma ou outra lei em favor da segurança alimentar. Uma luta que precisa envolver múltiplos talentos e habilidades que são muito mais numerosos na sociedade civil do que no âmbito do Estado, onde estamos mal habituados a procurar as respostas.

Jamais se poderá dizer que a instituição central da democracia representativa, os partidos políticos, são desimportantes para esta luta complexa e prolongada. Jamais. Precisamos dos melhores dos nossos parlamentares em cada um dos partidos com algum grau de compromisso social. Precisamos mais ainda, que transponham as barreiras de suas bancadas parlamentares, e que se unam em frentes parlamentares, em âmbito nacional, com vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, e que possam incluir também prefeitos e governadores comprometidos com o enfrentamento à fome por todos os meios.

E, se abraçamos esta causa, não podemos nos omitir em apontar às pessoas que determinados candidatos em que talvez pensem em votar são aqueles que, por exemplo, representam o governador de São Paulo que pretende fechar as Casas da Agricultura. As pessoas precisam ouvir isso de alguém que lhes mereça a confiança moral e afetiva, para não serem reféns nem do “voto nele porque meus amigos votam nele” nem do tiroteio de acusações que tem caracterizado as disputas eleitorais. Ora, se falamos às pessoas sobre fome, que demos nomes aos bois.

Porém, retorno à tese central no artigo citado. A centralidade nesta luta não é mais dos partidos, e sim dos movimentos na sociedade civil. O papel que um dia tiveram os partidos progressistas na educação popular, e na articulação de ação social nos territórios, é preciso aceitar que as dinâmicas da vida partidária e parlamentar já não lhes permitirão que voltem a ter.

É preciso que seja cotidiano o combate à fome e à alimentação envenenada por agrotóxicos e por produtos ultraprocessados causadores de diabetes e obesidade, e que aconteça na conversa de mães com mães, na vizinhança, na igreja, no conselho escolar etc. Partidos não dão conta.

É preciso também agilidade e flexibilidade na comunicação com juristas para impetrar ações contundentes por via judicial, nacional e também internacionalmente. Não é nos partidos que estão essas possibilidades de articulação. É nas agendas de telefones de pessoas que conseguiram conquistar confiança para poderem ser atendidas no whatsapp por esses especialistas superconcorridos.

É preciso organizações em rede, com capacidades de, unidas, poderem capilarizar a sua atuação nos territórios. É preciso comunicadores em rede, com capacidades de distribuir entre si tarefas de produção de textos, pesquisas, releases, memes, tweets etc…

O que é preciso é romper com modelos tradicionais que colocavam as esperanças em algumas poucas figuras capazes de vencerem eleições com os seus carismas. Precisamos delas, sem dúvida. Mas precisamos de um sistema político a ser inventado, com a cooperação de todos esses atores, que tire partido das possibilidades de inteligência coletiva que estão disponíveis para todos na tecnologia que por enquanto somente a política da pós-verdade mistificadora vem se apropriando.

E, para essa inteligência coletiva (eis uma outra tese a ser desenvolvida posteriormente), os algoritmos produtores de mentiras não são o que precisamos, e sim das pessoas que têm compromisso com a verdade e com o respeito à dignidade do cidadão no exercício das suas escolhas bem informadas.

Imagem: Campanha Gente é para Brilhar, Banquetaço 2020

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