Os terroristas mais procurados
Em 13 de fevereiro deste ano, Imad Moughniyeh, um comandante do Hizbollah, foi assassinado em Damasco. “O mundo será melhor sem ele”, comemorou Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado de George W. Bush. Israel também celebrou que “um dos maiores inimigos dos Estados Unidos e de Israel foi levado à justiça”, segundo o jornal israelense Haaretz. Mas de que “mundo” eles estão falando?
Essa terminologia está correta se considerarmos apenas as regras do discurso anglo-saxônico, que define “mundo” como a classe política dos Estados Unidos, Reino Unido e seus aliados. Por exemplo, ainda é comum a afirmação de que “o mundo apoiou George W. Bush” na decisão de atacar o Afeganistão e o Iraque. Mas no mundo real, a história era outra. De acordo com a pesquisa internacional realizada pela Gallup, o apoio era de 2% no México e 12% no Brasil – se considerado que os verdadeiros culpados pelos atentados de 11 de setembro fossem os únicos alvos, poupando zonas civis de ataques, o que não aconteceu.
Se esse “mundo” englobasse todos os do verdadeiro mundo, certamente os “grandes inimigos” também seriam outros. Por exemplo: em 1985, o seqüestro de uma embarcação privada (Achille Lauro) que resultou na morte de um paraplégico estadunidense foi considerado “a grande história de terrorismo do ano”, em uma pesquisa entre editores de jornais estadunidenses. Mas ninguém no “mundo” parou para entender que o ataque ao Achille Lauro foi uma retaliação contra os bombardeios de Israel na Tunísia, ordenados pelo então primeiro-ministro Shimon Peres, em que 75 civis tunisianos e palestinos foram mortos pelas “bombas inteligentes” israelenses. A Casa Branca cooperou com o massacre, ao se recusar a informar ao governo tunisiano que bombas estavam a caminho de áreas civis. O então secretário de Estado George Shultz deixou isso claro ao afirmar publicamente que “Washington tem uma simpatia considerável quanto às ações israelenses na Tunísia”.
Portanto, para esse “mundo”, o assassinato do paraplégico estadunidense foi apresentado com horror comparado somente aos filmes de Hollywood. A “brutalidade” dos palestinos, segundo o então chefe de Estado de Israel, Rafael Eitan, só podia ser “obra desses demônios de duas cabeças”. A sinceridade emocional de comentários como esse, que marcaram a época, pode ser comparada somente à campanha terrorista dos Estados Unidos e de Israel. Em uma delas, em abril de 2002, dois paraplégicos palestinos, Kemal Zughayer e Jamal Rashid, foram assassinados por forças israelenses em Jenin. O corpo mutilado de Zughayer foi encontrado junto aos restos de sua cadeira de rodas e de uma bandeira branca que ele segurava no momento do massacre. Rashid foi esmagado sob os destroços de sua residência quando uma demolidora israelense Caterpillar (fornecida pelos Estados Unidos) arrastou sua casa, com sua família dentro, por algumas dezenas de metros. Neste caso, a reação do “mundo”, ou melhor, a falta de reação, é costumeira.
Ainda sobre o assassinato de Imad Moughniyeh, vítima de um atentado terrorista israelense na Síria, a mais dura acusação contra o comandante do Hizbollah (nunca comprovada) era de ter planejado o ataque contra a embaixada israelense de Buenos Aires em 1992, supostamente em retaliação ao assassinato conduzido por Israel do então líder do Hizbollah, Abbas Al-Mussawi. Neste evento, Israel fez uso de helicópteros estadunidenses para invadir o território libanês e eliminar Mussawi e toda a sua família, incluindo seu filho de 5 anos, além de outros civis libaneses do sul do país. Foi a partir de então que “o Hizbollah mudou as regras do jogo”, segundo Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel na época, pois os foguetes ainda não choviam sobre Israel. As “regras do jogo” eram que o “lar nacional judaico” podia fazer à vontade as suas campanhas de assassinatos em massa em qualquer lugar do Líbano, e o Hizbollah poderia retaliar somente dentro do próprio território libanês ocupado ilegalmente por Israel. Foi a partir do assassinato da família de Mussawi que o Hizbollah também passou a atacar o território israelense. De imediato, ironicamente, as operações da resistência libanesa foram classificadas para “o mundo” como “atos terroristas intoleráveis”.
Dessa forma, existem três categorias de crimes: homicídio com intenção de matar, homicídios acidentais e homicídios com conhecimento prévio, mas sem intenção especifica. As ações dos Estados Unidos e Israel, de maneira eufemística, caem sob a terceira categoria. Portanto, quando Israel destrói as fontes de energia elétrica de Gaza, envenena a água ou bloqueia as ruas de acesso a hospitais na região, a intenção não é de matar especificamente aquelas pessoas que morrem, mas é conhecimento geral que alguém (algum palestino) irá morrer. Se, por um momento, fosse possível adotar a perspectiva do verdadeiro mundo, seria interessante perguntar “quem são os terroristas mais procurados?”
FONTE:
Jornal Oriente Médio Vivo – http://www.orientemediovivo.com.br
Edição nº97 – http://orientemediovivo.com.br/pdfs/edicao_97.pdf
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