Esse foi um dos aspectos ressaltados na entrega do prêmio “Pássaro Dodô” recebido pelo Canadá e União Européia nesta segunda-feira (26/10). Mas o troféu da rede de ativistas e ONGs CBD Alliance não é motivo de alegria. Ele foi entregue para os países que vêm barrando avanços nas negociações que têm o objetivo de diminuir a perda da biodiversidade.
O Brasil passou perto de receber o troféu pelas posturas com relação aos agrocombustíveis. É que o país não aceita barreiras para a produção dos combustíveis feitos de plantas. Há preocupação sobre esse assunto porque os agrocombustíveis são produzidos principalmente em grandes monoculturas, consumindo agrotóxicos e gerando diversos danos para a natureza e às populações.
A conferência da Convenção de Diversidade Biológica (CDB) é um dos espaços de discussão mais importantes para a conservação da natureza no âmbito das Nações Unidas. Ela foi criada no Rio de Janeiro, em 1992 e ratificada pelo Brasil no ano seguinte. Assim, podemos dizer que é uma espécie de irmã da famosa Conferência do Clima, onde se discute o protocolo de Kyoto e as metas de redução de emissões que causam o aquecimento do planeta. A terceira conferência criada na Rio-92 trata do problema da água e da desertificação do planeta.
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O que está em jogo?
Há três pontos considerados os mais importantes no debate. Um dos pontos mais importantes em debate nesta décima conferência da CDB é a criação de metas para a diminuição no índice récorde de perda de biodiversidade até 2020. As metas que foram acordadas para 2010, que é o Ano Interncional da Biodiersidade, não foram alcançadas por nenhum país. O Brasil apenas atingiu quatro entre 51 metas completamente. Outras metas, como a criação de áreas protegidas, foram atingidas parcialmente.
O segundo ponto diz respeito a acordos econômicos que garantam a aplicação desta meta até 2020. E o ponto considerado por muitos como o mais polêmico e difícil é o protocolo de Acesso e Repartição de Benefícios da Biodiversidade (ABS). O protocolo é considerado um lei internacional e neste caso afeta diretamente comunidades tradicionais, como os indígenas; e também indústrias, especialmente a de medicamentos e cosméticos.
Aqui em Nagoya, ainda não há resultado a ser apresentado, mas a pressão sobre os negociadores é crescente. Na próxima quarta-feira começa a negociação de alto nível. É quando chegam os ministros dos países partes da Convenção de Diversidade Biológica. Há uma semana, funcionários dos governos constroem os textos que podem virar consenso e acordos a partir da chegada dos ministros.
Na quinta-feira passada, durante uma coletiva de imprensa, representantes do governo brasileiro voltaram a afirmar que sem o Protocolo de Acesso e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade o Brasil não vai aprovar o plano estratégico e o plano financeiro para reduzir a perda de biodiversidade até 2020. A aprovação destes dois planos são os outros ponto-chaves da convenção. Qualquer aprovação só pode acontecer se todos os países concordarem. Outros países subdesenvolvidos têm repetido continuamente o mesmo discurso do Brasil.
Foco na nova indústria
Para a pesquisadora Camila Moreno, da organização ambientalista NAT – Amigos da Terra, na primeira semana ficou claro que a saída que os países vêem é de colocar preço da biodiversidade.
“Colocar valor econômico passa por essa reingenharia institucional e financeira em que a nova indústria global é a de pagamento por serviços ambientais”, explica Camila. “A gente avalia que tudo isso é problemático porque entra na Convenção de Biodiversidade por meio de um estudo científico chamado TEEB (Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, em inglês) feito por banqueiros, cientistas e economistas do norte”, aponta a pesquisadora que explica que o estudo está sendo tomado como marco de referêcia para todos os países, inclusive o Brasil, que não participou a da elaboração do documento.
Camila Moreno acredita que os discursos estão gerando uma distorção. Ela critica que esta conferência das Nações Unidas (ONU) aceite a ideia de que as empresas podem ser os atores principais da conservação da biodiversidade porque sempre destruíram o meio ambiente. Ao contrário, Camila defende que os povos tradicionais e os camponeses devem ser considerados pelos países como os que conservam a vida e a natureza. Segundo ela, nos últimos dias as posições foram um pouco flexibilizadas para que os valores não econômicos da biodiversidade, como o valor sagrado de certas áreas para os povos, seja levado em conta.
A pesquisadora critica a criação de um mercado para os tipos de vida parecido com o mercado de carbono da Convenção do Clima. Mas Camila admite que não há por parte de ONGs e movimentos sociais uma outra proposta para conservação.
Avanços pela via econômica
Já para o superintendente de conservação do WWF-Brasil, as negociações são difícieis, nada está certo, mas há esperança de avanços. Para Cláudio Maretti, o plano estratégico com vinte metas para 2020 é o ponto mais importante desta convenção. Sobre os questionamentos do papel das empresas, a posição do WWF é de que as empresas fazem parte da sociedade e devem ser convencidas da importância de trabalhar de modo sustentável.
Se não há valor econômico para a natureza é difícil proteger. O TEEB mostra isso de modo significativo.
Cláudio Maretti não acha que a questão econômica está em primeiro plano hoje, mas defende essa dimensão dentro da convenção. Afinal, ele diz que sem dinheiro para fiscalizar e criar áreas protegidas é impossível fazer as metas se concretizarem. Sobre a economia baseada no capital natural, ele lembra que esta é a base do protocolo de Acesso e Repartição de Benefícios que está sendo negociado. Este protocolo é um dos pontos mais importantes da Conferência. A ideia é que as empresas, como as fabricantes de remédios, têm que pagar pela conservação e pelos conhecimentos providenciados pelos povos tradicionais, como os indígenas.
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