Ter os direitos garantidos por lei basta para que as mulheres sejam respeitadas? Situações comuns do cotidiano como violência doméstica, assédio sexual, discriminação e remuneração desigual no mercado de trabalho mostram que colocar essas conquistas em prática é uma outra história. Para discutir o tema, a Editora Brasiliense lança O que são direitos humanos das mulheres, escrito pela ativista Maria Amélia de Almeida Teles.
Se tudo correr bem, sem interrupções ou retrocessos nas ações já iniciadas, haverá igualdade entre homens e mulheres em 2490. A previsão das Nações Unidas assusta, como assustam ainda mais os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. A cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil. Seguindo o cálculo, seriam quatro por minutos, 243 por hora, 5.800 por dia, 175 mil por mês e 2,1 milhões a cada ano. Esses e outros dados, além de todo o histórico dos movimentos pelos direitos da mulher, estão no livro O que são direitos humanos das mulheres, que Maria Amélia de Almeida Teles lança pela Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, na próxima quinta-feira, dia 30 de novembro, na Livraria da Vila, à rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, em São Paulo.
O lançamento ocorre justamente quando a sociedade repensa os resultados já alcançados depois de anos de luta por conta do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, comemorado no dia 25 de novembro, e do Dia Internacional dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro.
Ativista dos movimentos feministas e de direitos humanos desde a década de 70, a autora acredita que o fato de ter sido vítima de violência durante a ditadura militar foi um dos motivos que a levou a se engajar na luta. “Senti na pele e, então, aprofundar esse tema de direitos humanos e estudar os instrumentos de defesa desses direitos se fez necessário”, conta Amelinha Teles, presa política e torturada na cadeia entre 1972 e 1973.
Para a autora, tratar do tema dos direitos humanos das mulheres recuperando conceitos históricos e as lutas políticas já travadas em torno deles é uma necessidade que se impõe para a continuidade da luta e para enfim efetivá-los. Por isso, Amelinha Teles apresenta, de uma forma clara e didática conceitos e significados; explica o que é gênero; aponta exemplos cotidianos de violação dos direitos humanos das mulheres; conta as experiências de sucesso para implementação dos direitos e mostra os desafios para que a igualdade de direitos, a dignidade e a justiça se efetivem.
Amelinha parte dos tempos medievais, quando homens compravam suas esposas e tinham o poder de matá-las em caso de adultérios; passa pela escravidão brasileira e de outros países com os estupros por parte dos senhores escravocratas; chega às ondas feministas que começaram para garantir igualdade de direitos como o voto, a educação, o trabalho entre outros para mostrar o que esse sempre foi um segmento historicamente excluído, mas que batalha por seu espaço.
Violência contra a mulher no Brasil e no mundo
Mulheres de todo o mundo sofrem discriminação e têm seus direitos violados. De acordo com Amelinha Teles, a violência contra a mulher é o fenômeno mais democraticamente distribuído na sociedade porque atinge todos os continentes, classes sociais e grupos étnico-raciais. E a maior parte dessas agressões parte de homens que convivem ou conviveram com as vítimas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex, representando aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres de 15 a 44 anos no mundo todo.
No livro, a pesquisadora enumera e explica os tipos de violência (sexual, conjugal, patrimonial, sexista e psicológica) e aponta outros dados que demonstram que a violência não é exclusiva de países pobres. Estima-se que uma em cada quatro mulheres será vítima de violência em algum momento da vida. Nos Estados Unidos, a cada ano, um milhão de mulheres sofre violências tão graves que acabam procurando socorro médico. Na Argentina, estima-se que ocorram 6 mil estupros por ano, sendo que 300 chegam à Justiça e menos de 10% dos criminosos são condenados.
Em nome da tradição e cultura, mais de 100 milhões de mulheres de 26 países africanos têm os órgãos sexuais mutilados. São cerca de 2 milhões de mutilações ao ano. A palavra da mulher vale um terço da palavra do homem nos tribunais paquistaneses. A Anistia Internacional calcula que cerca de 5 mil mulheres são mortas anualmente na Índia em disputas familiares por dotes de noivas.
Na Grã-Bretanha, cerca de 4,6 milhões de mulheres têm renda inferior a 40 dólares por semana, enquanto 400 mil homens estão nessa situação. As russas ganham em média 50% do salário dos homens e são as primeiras a serem demitidas quando se precisa cortar a folha de pagamento. No Japão, esse percentual é de 60% e elas ainda devem ser primorosas em casa.
Vitórias, enfim
O que são direitos humanos das mulheres mostra que apesar de arbitrariedades que ainda ocorrem em todo o mundo, há avanços e vitórias graças aos movimentos pelos direitos humanos da mulher.
Das reivindicações dos ativistas durante o processo constituinte (1987 e 1988), 80% foram absorvidas pela Carta Constitucional, promulgada em 5 de outubro de 1988. Com isso, o Estado foi obrigado a criar mecanismos para coibir a violência no âmbito da família e oferecer recursos educacionais e científicos para garantir o planejamento familiar. Amelinha cita ainda a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
De um fato que não gera orgulho, uma outra comemoração. Em 2001, a Organização dos Estados Americanos (OEA), através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, responsabilizou o Brasil pela tolerância e omissão sistemática em relação à violência contra a mulher. Isso porque 18 anos depois, o ex-marido de Maria da Penha, que em tentativa de homicídio deixou-a tetraplégica, não havia sido punido. Em agosto deste ano, o país promulgou a Lei n° 11340 (Lei Maria da Penha) criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em São Paulo, a Câmara Municipal aprovou a Lei 13.150, sancionada em junho de 2001, que introduz o quesito violência de gênero (e outros tipos de violência) no Sistema Municipal de Informações sobre a Saúde. E a Lei 10.778, de novembro de 2003, definiu a notificação compulsória da violência contra a mulher nos serviços de saúde pública em todo o território nacional.
Falta, ainda, que as vítimas de violência denunciem seus agressores e que eles sejam punidos para que deslocamentos de retina ou braços quebrados não sejam mais tratados nos hospitais e pelas próprias vítimas como acidentes corriqueiros.
Sobre a autora
Maria Amélia de Almeida Teles é ativista dos movimentos feminista e de direitos humanos desde os anos 1970. Ela mesma já foi vítima de tortura quando foi presa política em São Paulo (1972/1973) com toda a família: filhos pequenos, o marido e a irmã, à época grávida de 7 meses, cujo filho nasceu na prisão. Além do O que são direitos humanos das mulheres, escreveu Breve História do Feminismo no Brasil (Brasiliense, 1993) e O que é violência contra a mulher, em parceria com Mônica de Melo, pela Coleção Primeiros Passos (Brasiliense, 2002).
Pertenceu à equipe do Jornal Brasil Mulher e à coordenação dos três Congressos Paulistas de Mulheres. Fez parte do Comitê Brasileiro pela Anistia. Trabalhou, de 1983 a 1987, no Conselho Estadual da Condição Feminina, primeiro órgão governamental criado para elaborar e implementar políticas públicas para as mulheres. Inicialmente, como coordenadora da Comissão de Creche, cujo principal trabalho foi a pesquisa pioneira: “Creches e Berçários nas Empresas Paulistas”. Em 1986/1987, coordenou a Comissão de Constituinte que desenvolveu a Campanha: “Alerta Mulher para a Constituinte”. Integrou a equipe organizadora do 10º Encontro Nacional Feminista (S. Paulo, 1989).
Em 1990, foi nomeada pela Prefeita Luíza Erundina para a Comissão Especial de Investigação das Ossadas Encontradas em Perus, que teve como principal atividade a localização de desaparecidos políticos do regime militar. Pertence à Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e foi uma das responsáveis pela elaboração e edição do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Esse dossiê constituiu o documento básico para a elaboração, promulgação e aplicação da Lei 9.140/95, conhecida como Lei dos Desaparecidos Políticos.
Coordenou o Projeto da União de Mulheres de São Paulo para a implantação dos serviços de atendimento aos casos de violência doméstica no Hospital Pérola Byington. Atualmente, coordena o Projeto de Promotoras Legais Populares, desenvolvido pela União de Mulheres de São Paulo, em parceria com o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e o Movimento do Ministério Público Democrático.
Fez parte da Assessoria da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo (1997 – 2002). Faz parte da Comissão Especial da Lei 10.726/2001, que visa a indenizar os ex-presos políticos torturados.
O que são direitos humanos das mulheres
Coleção Primeiros Passos/Editora Brasiliense
Número de páginas: 128
Preço: R$16,00
Mais informações para a imprensa com Maria Fernanda Rodrigues (Lu Fernandes Escritório de Comunicação) pelo telefone (11) 3814.4600 ou pelo e-mail mariafernanda@lufernandes.com.br