Analista político e consultor sindical, João Guilherme Vargas Netto, há décadas acompanha o movimento dos trabalhadores. Na sua opinião, não há qualquer motivo para se alimentar receios quanto ao futuro governo da presidenta eleita Dilma Rousseff no que diz respeito ao sindicalismo. Será necessária, contudo, uma adequação à personagem que entra em cena. Isso exigirá, além de manter a unidade de ação e valorizar as reivindicações aprovadas na última Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora), maior formalidade no trato e privilegiar o papel dos partidos, que saíram fortalecidos das urnas em outubro.
Após uma boa relação com o presidente nos últimos oito anos, o que o movimento sindical pode esperar da eleita Dilma Rousseff?
O movimento sindical é o mais forte movimento social no Brasil e tem uma grande responsabilidade em ações que produziram resultados favoráveis aos trabalhadores, à sociedade e à economia. Podemos citar a política permanente de valorização do salário mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda e o reajuste da aposentadoria. Na relação com o governo, duas coisas eram decisivas. Primeiro, a unidade de ação entre as centrais. Só prosperou o que tinha essa característica. A segunda é o padrão de informalidade no trato com o Presidente. Hoje, nós temos que reafirmar a necessidade de unidade e olhar a novidade. Usando a terminologia do Brizola, a Dilma costeia o alambrado do movimento sindical, ou seja, sempre esteve ao lado, mas nunca se relacionou diretamente com ele. Portanto, será essencial a formalização. Temos que preparar os dossiês de maneira eficaz, não basta intenção, é preciso fundamentar. Por isso, tem valor a Conclat, que reúne um conjunto amplo de reivindicações. Também significa preparar melhor as reuniões, que deverão ser mais formais, não haverá intimidades. Será preciso levar em conta os partidos políticos, que saíram fortalecidos dessas eleições. Isso deve implicar para o movimento sindical a seguinte missão: na relação com a Dilma, levar em conta as lideranças partidárias.
Mas a organização sindical, em especial a dos engenheiros, corre riscos com novas tentativas de reforma?
O Governo Dilma é mais parecido com o segundo mandato do Lula e as dificuldades nesse sentido aconteceram no início do primeiro mandato do atual governo. Ao longo do tempo, a tese negativa foi desconstruída. Agora, não há qualquer risco. A outra questão é que não existe no panorama qualquer agressão potencial à experiência sindical. Não há possibilidade, a reforma seria um erro. Qualquer mudança se dará por iniciativas pontuais, experimentais. Hoje, o Conselho Nacional das Relações do Trabalho, em discussão, é colocado como uma reivindicação do movimento, e não mais como um instrumento de desmonte. Nós temos mais preocupação com teorias que alimentam posições do Judiciário que, por erro nosso também, não tem acompanhado essa evolução.
Há quatro temas pendentes no Congresso para o ano que vem, que são a redução da jornada, a flexibilização do fator previdenciário, a estabilidade do dirigente sindical e a definição do custeio das entidades. O que o novo governo sinaliza em relação a essas questões?
Está havendo uma lua de mel dos mandatos, mas mesmo aí o movimento já está na pedreira com três fatos: o reajuste do salário mínimo com aumento real, a discussão do ganho das aposentadorias e a correção da tabela do Imposto de Renda. Esses estão sendo tratados no Congresso em fim de mandato, com o atual governo e com a equipe de transição. Isso mostra que o movimento está disposto a enfrentar. Quanto aos temas pendentes, há receptividade por parte da Dilma, que recebeu o documento da Conclat, mas cada um deles vai exigir mobilização. Por exemplo, durante a campanha, a Dilma disse que a jornada de trabalho deve ser negociada entre patrão e empregado. No entanto, isso para nós não é suficiente, exigimos uma regulamentação geral de tipo constitucional. Para o fator previdenciário, teremos que colocar em pé uma equação que o desqualifique sem eliminá-lo, o que não tem chances de passar. No que diz respeito aos assuntos sindicais, aí será necessário forte trabalho junto aos partidos e o convencimento de que as entidades têm papel social a desempenhar, daí a necessidade de recursos e estabilidade para os dirigentes.
Foto: Beatriz Arruda/FNE