O medo do outro, os campos de várzea e os clubes de subúrbio

A área mais degradada da cidade do Rio de Janeiro já foi a mais efervescente culturalmente. A Zona Norte da cidade tinha em sua geografia equipamentos culturais e de lazer que infelizmente se extinguiram ou perderam seu dinamismo.

Os campos de futebol de várzea que existiam aos montes em nossa cidade simplesmente desapareceram. Em sua maioria deram lugar a conjuntos habitacionais, construídos sem a menor infra-estrutura de lazer, conhecidos popularmente como pombal.

A cada pombal erguido perdíamos um campo de várzea, ou até mesmo mais de um. Espaços de compartilhamento, solidariedade e lazer, simplesmente desapareceram. Só na área onde eu morava em minha infância, no grande Méier, posso lembrar de pelo menos três: o campo do Paris, o Mocidade e o Conceição. Ficaram os pequenos e descartáveis campos de futebol sociaty, bem menores e, muito pior do que isso, pensados dentro de uma perspectiva de lucro fácil e rápido.

Quantos passeios fizemos a bairros distantes do nosso para lá disputar uma partida, um torneio, ou mesmo só para assistir aos grandes craques da várzea? Quantos domingos, sábados e feriados passamos nestes espaços curtindo as virtudes e defeitos de grandes craques e pernas de pau de plantão? Ali éramos, Pelés, Garrinchas, Zicos e tantos outros mestres do futebol brasileiro. Ali vivíamos a ilusão e a alegria de um dible, um lençol, um passe ou a glória das glórias, um golaço.

Dizem que foi o saudoso João Saldanha quem disse: “O Rio pagará um alto preço pelo fim dos seus campos de várzea.”Pois é estamos pagando e bem caro. Sentimos na pele a falta que eles nos fazem, sem esses espaços de convivência amistosa e lúdica nossos fins de semana se tornaram mais toscos e sem sentido. Além disso o medo do outro, do próximo, daquele que podíamos conhecer e nos tornar amigos durante os jogos, ou no intervalo das peladas se tornou a tônica de nossas relações sociais.

Outro espaço de convivência fraterna e solidária que, se não desapareceu, entrou em processo de decadência na zona norte foram os clubes de subúrbio. Ali nos fins de semana encontrávamos os amigos e nos divertíamos. Travamos o nosso primeiro contato com nossas namoradas, noivas e até esposas nestes locais.

Estes espaços começaram a sua trajetória descendente com a fuga da classe média suburbana, que os criou, em direção a Região dos Lagos e depois para a Zona Oeste da cidade, muito preconceituosa, temerosa pela presença cada vez mais freqüente de “grupos indesejados”, vindos das favelas, jovens pobres, negros e descendentes de nordestinos, ela simplesmente abandonou esses espaços, sendo que o golpe de misericórdia foi dado pela Prefeitura da cidade, quando proibiu a realização dos bailes funk em seu interior.

A partir deste momento, as noites dos fins de semana cariocas perderam muito de sua magia e fulgor. Uma das maiores tristezas que tenho é passar nos fins de semana nas ruas da Zona Norte do Rio e vê-las vazias e sem esperança. Sem aquela alegria dos jovens animados pela possibilidade do novo, do inesperado que a vida pode lhes proporcionar.

Em suma, talvez tenhamos aqui algumas pistas que expliquem porque Calcutá na Índia mesmo sendo muito mais pobre do que a nossa cidade, tem níveis de violência e um número de mortes por armas de fogo muito menores que os nossos. Certamente, o medo do outro lá é centenas de vezes menor do que temos aqui.
www.pelenegra.blogspot.com

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