A proposta de reconhecer o acesso à água como um direito universal básico poderia distanciar as nações ricas das pobres na Organização das Nações Unidas (ONU). A principal oposição parte das nações ocidentais, disse Maude Barlow, activista e fundadora da Blue Planet Project, com sede no Canadá. “O Canadá é o pior. Mas Austrália, Estados Unidos e Grã-Bretanha também entorpecem o processo”, afirmou. “Resisto a ver isto como uma questão Norte-Sul, mas começa a parecer muito que é”, acrescentou à IPS. Se a Assembleia Geral, de 192 membros, adoptar a resolução, “será uma das coisas mais importantes já feitas pela ONU desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirmou Maude.
O rascunho de duas páginas, promovido pela Bolívia, reconhece “o direito humano à água e ao saneamento”. A versão final será apresentada ao presidente da Assembleia Geral, o líbio Ali Abdussalam Treki, no final deste mês, se superar os obstáculos políticos. “É algo muito importante para as nações em desenvolvimento”, disse à IPS um diplomata que não quis identificar-se. É verdade que não há sustento legal para declarar o acesso a água e saneamento como um direito universal básico, ressaltou. “É preciso aperfeiçoar as questões de definição e alcance, mas já há um processo em Genebra para trabalhar a respeito na Assembleia Geral, acrescentou. “São assuntos importantes e devemos obter um consenso para esta resolução. Do contrário será jogado por terra a importância do acordo a que chegamos”, advertiu.
Quase dois mil milhões de pessoas vivem em áreas com escassez e três mil milhões não têm água corrente no raio de um quilómetro de suas casas, destacou Maude. Quando foi redigida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, ninguém podia prever que chegaria o dia em que o acesso à água seria um problema, diz uma carta enviada por Maude aos representantes dos 192 membros da ONU. “Em 2010 não é exagerado dizer que a dificuldade de acesso a água potável é uma das piores violações dos direitos humanos”, acrescentou a activista, que foi assessora do ex-presidente da Assembleia Geral no período 2008/09, o nicaraguense Miguel d’Escoto.
O Canadá travou os passos mais básicos para um reconhecimento internacional do acesso a água como direito universal e trabalhou nos bastidores para desbaratar as iniciativas com vistas à criação de um instrumento vinculante, afirmou Maude. Os funcionários canadianos não explicam a sua posição, dizendo apenas que uma convenção desse tipo obrigaria o país a compartilhar o seu recurso com os Estados Unidos. Mas é apenas uma desculpa e o governo de Stephen Harper sabe disso, acrescentou. Uma explicação melhor é que uma convenção da ONU actuaria como contrapeso de quem pretende vender a água com fins lucrativos, ressaltou.
Por sua vez, Ann-Mari Karlsson, do Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) disse que a organização concorda “com a posição de especialistas independentes da ONU sobre o direito a água e saneamento serem parte de um padrão de vida adequado, direito já protegido no artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais”.
É importante que a resolução das Nações Unidas o deixe bem claro, ressaltou Ann-Mari, “o que não está a fazer”, acrescentou. Além disso, neste contexto, não se pode subestimar a importância do saneamento. O acesso a água e a disponibilidade do saneamento estão estreitamente vinculados, disse. Contudo, no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, se está mais longe de alcançar o primeiro do que o segundo, acrescentou. “Isso deveria reflectir-se na resolução”, acrescentou.
“Organizações locais e internacionais que lutam por justiça no acesso a água reclamam que as lideranças da ONU claramente reconheçam que se trata de um direito humano, como o saneamento”, disse, por sua vez, Anil Naidoo, também da Blue Planet Project. Anil trabalhou com a China e os 130 integrantes do Grupo dos 77 países em desenvolvimento para promover o rascunho da resolução. “Na medida em que se avança, reclamamos que o texto da resolução seja contundente e não deixe dúvidas a respeito de que a água e o saneamento são direitos humanos”, acrescentou.
“Não estamos contra a privatização como princípio. Nossa principal preocupação é que o Estado assuma a sua responsabilidade de regular e supervisionar as actividades do sector privado para que todos tenham água potável e corrente e saneamento”, afirmou Ann-Mari à IPS. Não é relevante se o serviço é fornecido por uma empresa pública ou privada, mas que a água e o saneamento sejam considerados direitos humanos, insistiu.
IPS/Envolverde