Estive nos dias 11 e 12 últimos, na Plenária Nacional de Mulheres do PT, organizada pela Secretaria Nacional de Mulheres do partido, em conjunto com as secretarias estaduais, e que reuniu em Brasília mais de 300 militantes. O encontro foi estrategicamente realizado durante a sexta e sábado que antecederam a convenção do PT, a “convenção de Dilma”. E reuniu diversas lideranças históricas feministas, filiadas ao PT e algumas convidadas.
Ao final do encontro, foi apresentado o copião de um documentário que está sendo editado com a história das mulheres no PT. Das feministas que imprimiram um tom lilás ao partido já na sua fundação, até chegar as tantas que tornaram-se parlamentares, prefeitas, gestoras públicas, um grande caminho foi percorrido. Na política brasileira, no Partido dos Trabalhadores, no movimento de mulheres, no feminismo.
Com o título “Muito prazer, mulheres do PT”, o documentário emocionou a todas, as que estiveram naquele início promissor de uma nova maneira de fazer política e as que chegaram mais recentemente. Na imagem e no discurso, estão lá várias das feministas que protagonizaram os avanços de posicionamentos e proposiçoes de políticas para mulheres, que encabeçaram muitas lutas e organizações que combatem o machismo e os fundamentalismos que sustentam o capitalismo e a política conservadora em nosso país. Uma “aula” de posicionamento feminista.
Entretanto, os debates da plenária a respeito da campanha de Dilma haviam levantado diversas críticas sobre a linha de propaganda escolhida para lançar oficialmente a candidata. O crachá que recebemos para participar da convenção já antecipava – para desgosto nosso – o que estaria em destaque nos jornais e nas redes de tv como cobertura da convenção. De um lado, o logotipo com as cores da bandeira, fartamente mostrado na mídia; no verso, o slogan “Pátria Livre, Pátria Mãe”!!!!
Não basta ser mulher, dizem as feministas
O tom da Plenária Nacional de Mulheres do PT foi um, o da convenção, outro. “Aqui se celebra, em primeiro lugar, a mulher brasileira!”, comemorou Dilma, logo no início de seu discurso. “Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser – e de fazer – da mulher. É em nome de todas as mulheres do Brasil – em especial de minha mãe e de minha filha – que recebo esta homenagem”.
Algumas colocações na plenária já antecipavam, criticamente, o eixo do lançamento. “As feministas do PT queremos avançar e não recuar”, pronunciou-se Sueli Oliveira (PE). “Nosso corpo nos pertence foi reação à ditadura; fomos vistas a vida inteira como mães e não queremos apenas isso para as mulheres”.
A possibilidade de eleger, pela primeira vez, uma presidenta do Brasil, votar numa mulher, logo depois de votarmos em um operário, realmente é digna de nota. Não fazem muitas décadas de História, isto era inimaginável. Sobretudo mulheres com posicionamentos de esquerda, com práticas diferentes da cultura política tradicional; as poucas que ascendiam se alinhavam com o poder dominante, e num tom tão masculino quanto o deles. As primeiras mulheres a destacarem-se em postos de grande poder político no mundo, como Margaret Thatcher ou Golda Meir, não eram exemplo para nenhuma organização de mulheres progressista, que dirá feminista.
Por isso, as feministas em todo o mundo cunharam o “Não basta ser mulher”, em apoio exclusivamente a candidatas que defendam a plataforma histórica feminista. Liberdade, autonomia, igualdade são, para as mulheres, questões muito concretas. A falta de autonomia sobre o próprio corpo é algo inacreditável em tempos que já entram pelo século XXI. A subestimação do trabalho da mulher, a injustiça na sua remuneração, a violência doméstica, a exploração de seus saberes e fazeres e de seu corpo coisificado, a prostituição da infância, devem ser superados por qualquer sociedade que queira crescer, em todos os sentidos.
Temos duas mulheres candidatas a presidenta do Brasil nestas eleições. Ambas tem origem na esquerda do país, e ambas não são feministas. Quando Dilma diz : “Nós, mulheres, nascemos com o sentimento de cuidar, amparar e proteger. Somos imbatíveis na defesa de nossos filhos e de nossa família”, valorizando estas funções como grande qualidade das mulheres, ela colabora com os valores do patriarcado e dos fundamentalistas na defesa de que lugar de mulher é na casa, no lar e na família. E o capitalismo agradece pela continuada escravidão da mulher na gloriosa produção e reprodução da vida, e fornecimento de mão de obra farta, e barata.
“À sombra de Lula,…”
A principal chamada da Folha de São Paulo, “À sombra de Lula, Dilma promete alma de mulher”, sintetiza uma outra nuance muito cara às bandeiras feministas. Reforça outro estereotipo da mulher, a dependente, a submissa – a que não protagoniza, assessora; não trabalha, apenas ajuda o homem; acompanha, enfeita. Por isso, seu trabalho pode até valer menos, a sociedade machista aceita.
Quando Lula diz que a cédula terá um vazio, “e para que esse vazio seja preenchido, eu mudei de nome e vou colocar Dilma”, brincando ele reforça a velha crença na mulher inferior, que precisa do homem, afinal ela foi saída da sua costela. A foto de Evaristo Sá, que a Folha publicou nesta segunda-feira, com a sombra de Lula ao discursar projetada sobre a imagem de Dilma no telão, é emblemática do retrato que se quer fixar da candidata.
As feministas petistas estão preocupadas, pois sabem que o cenário destas eleições é oportunidade singular de difundir propostas histórics das mulheres, sua visão mais horizontalizada e colaborativa da política. Desde que elas ocupem espaços estratégicos nas campanhas, o que parece não acontecer, nem mesmo na assessoria de Dilma. “Todos se esforçam muito para conquistar o voto das mulheres”, diz Alessandra Terribili (SP), “pois ele é mais difícil, é mais refletido”.
A despolitização da campanha e a desqualificação das mulheres e do feminismo, foram criticadas por várias oradoras na plenária petista. Elas referiam-se aos meios de comunicação, aos partidos, inclusive o PT, onde faltam mulheres nos centros de decisão política. “As mulheres tem que sentir-se protagonistas da campanha”, acredita Alessandra. “Nós conhecemos as mulheres, temos opinião sobre como as candidaturas devem se dirigir a elas, a campanha precisa nos ouvir. Não basta ser mulher, temos que carregar um programa comprometido com as mulheres”.