Mulheres no poder e na mídia

Manhã de quarta-feira de cinzas, estou com o aparelho de televisão ligado na TV Senado, onde há a reprise da Sessão do Congresso para comemorar o Dia Internacional da Mulher, realizada na semana passada. Ouvi uma seqüencia de falas de mulheres com poder político – deputadas, senadoras -, colocando as principais questões da pauta feminista hoje, em destaque a reforma política. Ouvi, porque estou ao mesmo tempo lavando roupa e olhando minhas caixas e redes na internet. Até porque os discursos são muito parecidos e cheios de homenageadas e nomes. Na solenidade haviam sido premiadas as cinco vencedoras do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, concedido às mulheres que tenham prestado relevantes serviços na defesa dos direitos femininos e em questões de gênero: Carmem Foro, Liége Rocha, Chloris Casagrande, Maria José Silva e Maria Ruth Barreto.

Além de tudo, fruto desta “democracia representativa” em que vivemos, é preciso dar a fala a mulheres de todos os partidos, da Câmara e do Senado, e haja paciência! Apenas algumas defendem com propriedade a reforma política, colocando a questão da lista intercalada por gênero, da necessária e urgente formação das mulheres nos partidos e principalmente da mudança cultural necessária nas organizações políticas, das associações, sindicatos, até as partidárias. Falaram também da Lei Maria da Penha, conquista que o patriarcado vigente nunca engoliu e, por meio dos poderes, executivos ou judiciários, tenta derrubar cotidianamente. Falaram da falta de creches, e da promessa da presidenta Dilma, questão primordial para a autonomia das mulheres. Poucas falaram na questão do aborto, as de sempre.

Comecei a ver depois da abertura solene e da entrega dos premios, já quando falava uma representante estudantil, da UnB, que me chamou a atenção com seu discurso. Como jovem inserida em seu tempo, ela falou da violência contra a mulher, a começar pelo controle do seu corpo e na obrigação de ser mãe, da violência gerada pela clandestinidade do aborto, falou da falta de espaço político, dos baixos índices femininos no Congresso. Ou seja, a luta continua. Destacou que só apenas há 70 anos conquistamos o direito de votar e sermos votadas, e comemorou a eleição de uma mulher para presidenta da República. Ainda que as mulheres sejam maioria, com destaque nas universidades. Mas ela falou também de coisas impensáveis no meu tempo de estudante, como um trote que obrigou as calouras a lamber uma lingüiça lambuzada de leite condensado, pendurada numa via pública. Eu diria que estão no auge os valores que mercantilizam a mulher, historicamente via publicidade, mas agora nos jornais, na dramaturgia, na internet. E vale tudo para ser celebridade, a realização de uma individualidade de sucesso.

Onde estão as telespectadoras/leitoras?

Se é verdade o que disse uma das deputadas – que a sessão esteve cheia de autoridades no seu início -, quando comecei a ver, o plenário já estava bem vazio, e nas cadeiras ocupadas estavam mulheres. Marta Suplicy dirigia a sessão então, ladeada pela Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, a mais criticada de todo o ministério Dilma. Como fiquei vendo até o fim, pude ver o encerramento, depois de ouvir mulheres de alguns partidos que nem me lembro que existem. Janete Pietá, que dirigia então a sessão, chamou as ainda presentes para uma foto final ao redor da mesa. Agressão à nossa diversidade. Benedita da Silva foi a única representante negra a juntar-se à Janete Pietá, entre uma maioria de loiras (originais ou não). Representação real da imagem da mulher vitoriosa que a mídia alimenta. E apropriada para isso, para aparecer bem na mídia.

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Tal qual o plenário esvaziado, imagino quão poucos telespectadores assistem a TV Senado! Uma televisão estatal, sustentada por nós, deveria ter muito mais audiência, mas dificilmente se escuta alguém comentar sua programação ou conteúdos. É o caso de se analisar porque isso acontece, e fazer alguma coisa. Acredito que muitas mulheres estavam naquele período, numa quarta-feira de cinzas, como eu, trabalhando em casa com a tv ligada, mas sintonizada em que canais? Lendo que jornais?

Tive o cuidado de prestar atenção, como faço em todos os dias internacionais da mulher, ao tipo de matérias que os grandes meios a que tenho acesso publicaram a respeito. É politicamente correto lembrar o Dia Internacional da Mulher, então a maioria da mídia aborda o tema, ainda que superficial ou repetitivamente.

A Folha de São Paulo desenvolveu pauta a respeito em algumas editorias. No Tendências/Debates, artigo sobre a origem do 8 de março. No caderno de Economia/Finanças, uma matéria para estimular os “negócios próprios” entre as mulheres: “Mulher empreendedora inova e retém mais talentos. Sob o comando feminino, empresas crescem de forma mais estruturada”. O incrível foi encontrar um artigo sobre a própria mídia – “Mulheres são excluídas da direção de veículos de imprensa, diz RSF” – e baseado em documento da “Repórteres sem Fronteiras”. O alerta sobre a posição ocupada pela mulher nos veículos de imprensa celebra o Dia Internacional da Mulher. Segundo a entidade, os cargos editoriais e de direção em empresas jornalísticas continuam sendo território quase exclusivo dos homens.

Homens são “hards”? Mulheres, “softs”?

Mas é no Cotidiano, que vamos encontrar a principal matéria sobre o nosso dia. Entrevista com Rose Marie Muraro, por Eleonora de Lucena. “Quero “empoderar” as mulheres de baixa renda”, destaca o título. “Pioneira do feminismo no Brasil diz que falta conquistar igualdade de salário entre homens e mulheres; para ela, movimento hoje é mais silencioso, mas mais profundo”. A Folha a chama de “patrona do feminismo brasileiro”, como se existe apenas um feminismo brasileiro.

Aos 80 anos de idade, e uma militância permanente, Rose afirma coisas em que acredita. E embora nem tudo possa ser consenso, ela defende o movimento de mulheres e o feminismo, quando a Folha insiste em dizer que o feminismo está hoje enfraquecido. A entrevista também discute se a diferença entre homem e mulher é questão de gênero ou cultural, ao que a feminista responde ser “uma questão biológica. A mulher é obrigada a proteger a vida. O homem é obrigado a buscar comida. Daí as guerras, a corrupção.”

Conheço muitos homens “soft” e mulheres “hard”, ao contrário do que diz Rose Marie Muraro, definindo (e generalizando, o que é sempre irreal) que homens são “hard” e mulheres são “soft”. Este trecho também é questionado hoje, no mesmo jornal, por Fernando de Barros e Silva, no artigo “Pós-feminismo”, que levanta, por sua vez, diversas discussões para as feministas. Debates que deveriam render matérias por todo o ano, e há acontecimentos na realidade para isso.

O Estadão mostrou preocupação com o Governo Dilma: “Bolsa Família vira elo com eleitorado feminino”, foi uma das manchetes. “Uma semana após anunciar um reajuste médio de 19,4% para o Bolsa Família, a presidente Dilma Rousseff buscou, em seu programa semanal de rádio Café com a Presidenta, aproximar-se do eleitorado feminino, afirmando que o aumento nos benefícios abriu as comemorações do Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta terça-feira, 8”. Em outro artigo, o jornal comentou a mensagem oficial da presidenta Dilma Rousseff pelo dia. E foi um dos poucos a lembrar o centenário de Maria Bonita, a rainha do Cangaço. Já a TV Estadão, ofereceu como matéria para celebrar o dia: “Carreira não atrapalha a vida pessoal”, uma entrevista com as empresárias Chieko Aoki, do Blue Tree Hotels, e Regina Nunes, da Standard & Poor”s. Na televisão, as coisas sempre podem ser piores.

Na televisão aberta é pior

Hoje é dia 9 de março, e o Jornal Hoje – vespertino da principal emissora de televisão, dirigido as mulheres em muitas pautas – nada deu sobre as manifestações do 8 de março, que ocorreram em várias capitais do Brasil, junto com a terça de carnaval. E ontem, em pleno Dia Internacional da Mulher, os jornais da Globo deram como matérias as mesmas dadas em vários outros jornais, do mundo.

“Daniel Craig, ator que fez o agente 007, aparece numa campanha vestido de mulher, pela igualdade de direitos entre os sexos”, foi a noticia mais reproduzida, incluindo a internet. A segunda mais repetida é a lista publicada pelo jornal britânico The Guardian (e difundida aqui pela Agência Brasil), das cem mulheres mais inspiradoras da atualidade, entre as quais a presidenta Dilma Rousseff. A gente percebe, numa rápida busca, o trabalho das agências, sobretudo as internacionais.

Notícias nacionais, só as referências feitas eventualmente por celebridades em meio aos blocos e passarelas do carnaval, esse sim o assunto destes dias. Na Record, além da repetição das agências, “as mulheres começam a se destacar nos canteiros de obra, um mercado de trabalho quase exclusivamente masculino”, foi a reportagem especial.

E foi no SBT que vivemos a experiência mais de perto, porque fomos entrevistadas, e pudemos ver como é feito o “showrnalismo” eletrônico, a notícia como espetáculo, como dizia José Arbex. Sabe aquela matéria construída na redação, com uma tese que o repórter sai para provar? O tema escolhido pela empresa de Silvio Santos foi o centenário de Maria Bonita, a opinião das feministas foi um complemento da matéria. Embora eles tenham gravado uns dez minutos de entrevista, e utilizado nem 30 segundos.

O repórter queria comprovar a tese de que Maria Bonita só ficou famosa por causa de Lampião, com a fala de uma feminista. E nós tentando mostrar o lado guerreiro da mulher, o ousado e revolucionário nas ações da líder cangaceira. Falamos da sua coragem em separar-se do primeiro marido e acompanhar Lampião, por quem se apaixonou, aos 18 anos. Ele perguntou sobre as “Marias Bonitas” de hoje, e nós falamos das “chefes” de familia, das empreendedoras solidárias, de todas aquelas que estavam no Bloco Feminista Adeus, Amélia, que aquela hora já aglutinava dezenas de mulheres, e teria assunto para várias matérias.

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Mas o movimento de mulheres, desta vez com a alegria de um bloco, serviu apenas para ilustrar a reportagem; o principal foram imagens antigas do grupo de Lampião e as informações de Antonio Correia, estudioso do cangaço. E há informações erradas no texto do SBT. Maria Bonita nasceu no dia 8 de março de 1911 (e não 1922). E ela não “foi a única mulher a viver no meio dos cangaceiros”, ela foi a primeira, abrindo espaço para outras mulheres.

O Bloco Adeus, Amélia, ele mesmo notícia, apareceu apenas rapidamente na internet. No site do Jornal do Brasil, com um texto e algumas entrevistas. E com apenas cinco fotos, a cobertura apareceu no portal G1. Mas, buscando pela internet publicações sobre mais um 8 de março, a gente também encontra surpresas, além das repetições.

Assim, no jornal “Diário do Aço”, de Minas Gerais, encontrei artigo da jornalista Andréia Mendes, intitulado “Dia Internacional da Mulher”, com uma boa análise conjuntural. Destaco um trecho: “Embora as mulheres se desdobrem em vivências cada vez mais múltiplas, como estudantes, profissionais, esposas, mães e donas de casa, a mídia persiste na exploração de uma imagem feminina absurda e simploriamente sexualizada”.

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