PATROCÍNIO PAULISTA (SP) – Na madrugada desta quarta-feira (7) cerca de 800 mulheres da Via Campesina, vindas de mais de 40 municípios do Estado de São Paulo, ocuparam a usina Cevasa (Central Energética Vale do Sapucaí Ltda), localizada no município de Patrocínio Paulista, no km 378 da Rodovia Candido Portinari, que liga Franca a Ribeirão Preto.
A Cevasa é a maior usina do Brasil: produz 1,4 milhão de toneladas de cana por ano ou 125 mil litros de álcool. A região de Ribeirão Preto foi escolhida pois simboliza a expansão do latifúndio da cana-de-açúcar, modelo calcado na superexploração de lavradores e lavradoras (mais de 15 trabalhadores morreram de exaustão nas lavouras desde 2004) e na destruição do meio ambiente.
No ano passado, 63% das ações da usina foram compradas pela Cargill. O proprietário Maurílio Biaggi comprou, então, outra usina no Acre. A prática da venda de parte do capital das usinas locais para empresas estrangeiras com a posterior expansão da produção em outras regiões do Brasil e da América Latina é comum em Ribeirão Preto.
A ocupação faz parte da jornada da Via Campesina “Mulheres em Defesa da Vida e Contra o Agronegócio”, e simboliza a aquisição das usinas brasileiras pelo capital internacional. As trabalhadoras rurais pretendem denunciar as falsas promessas do agronegócio em relação ao plantio da cana e à produção do etanol. A idéia é alertar a população sobre as reais conseqüências do aumento do cultivo da cana-de-açúcar para o meio ambiente, a poluição das queimadas e as doenças respiratórias por elas causadas, o aprofundamento da concentração de terra no Brasil e o conseqüente aumento das desigualdades sociais.
Tendo em vista o grande interesse do presidente americano, que chega nesta quinta ao Brasil, pela produção do álcool da região, houve também uma grande manifestação contra George W. Bush, simbolizando o investimento do capital internacional na produção de etanol a baixo custo, para que os Estados Unidos mantenham sua posição de liderança no mercado.
Segundo Kelli Mafort, da coordenação estadual do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), o etanol não é uma energia limpa, e sim ambientalmente danosa. “O etanol não serve pro povo brasileiro porque transforma o Brasil no quintal das elites norte-americanas. A intenção de Bush de vir negociar o etanol esses dias com Lula reforçou o repúdio contra ele. Viemos dizer que ele não tem amigos aqui”, declarou Kelli.
As mulheres da Via Campesina defendem a adoção de um outro modelo agrícola, que privilegie o pequeno agricultor (responsável pela produção de boa parte dos alimentos) e que efetive uma reforma agrária que modifique a estrutura fundiária do país.
A ocupação
Pela manhã, cerca de 15 ônibus chegaram à usina. As mulheres da Via Campesina solicitaram aos seguranças que deixassem o local. De forma pacífica, elas entraram no pátio da Cevasa e ali fizeram uma mística. Às 7h, se dirigiram até o portão da usina para evitar a entrada dos trabalhadores que chegavam. Pouco depois, chegaram os diretores da empresa, sua segurança privada e duas viaturas da Polícia Militar, com seis policiais. O objetivo da presença da polícia era verificar se não havia reféns no local.
O chefe da segurança da usa, Rodrigo José Lima, explicou então aos policiais que a manifestação era pacífica e que não havia reféns. “Não houve estrago, nenhum tipo de dano ou violência aos funcionário”, disse. Dois ônibus com empregados da Cevasa que chegaram para trabalhar foram parados pela própria segurança da usina antes de alcançarem o portão de entrada, para que não houvesse nenhum risco dos funcionários entrarem em confronto com as manifestantes, todas mulheres.
O diretor da usina, João Carneiro, liberou os funcionários do turno diário e solicitou apenas que as manifestantes tomassem cuidado com o maquinário, já que, em função do período da entressafra, há muitos equipamentos soltos na usina, que poderiam causar algum acidente.
Greve
Na usina São Martinho, próxima à Cevasa e considerada a mais moderna da região, os trabalhadores da Federação dos Assalariados Rurais do Estado de São Paulo (Feraesp) iniciaram uma greve nesta quarta, em função da brutal exploração praticada pela usina, que se soma aos protestos da Via Campesina. A paralisação atingiu nove turmas e um total de 500 trabalhadores. No ano passado, o salário dos funcionários era de R$ 1.100,00. Após a entrada do capital estrangeiro – europeu e norte-americano – em 52% da empresa, o salário médio caiu para R$ 580, sem redução da carga de trabalho. Na região de Ribeirão Preto, a prática do trabalho escravo na cultura da cana já foi denunciada internacionalmente.
Em Minas, ocupação da Vale do Rio Doce
Na manhã desta quarta, a Via Campesina também fechou a entrada e paralisou as atividades da mina Capão Xavier, da empresa MBR (Minerações Brasileiras Reunidas), do complexo de usinas da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). A mina fica na BR-040 (BH/Nova Lima), na saída para o Rio de Janeiro.
Mais de 600 mulheres participam do protesto contra as empresas transnacionais e o sistema financeiro. Com a chegada da Polícia Militar, a situação no local ficou tensa. Por volta das 8h, policiais efetuaram disparos em direção às mulheres, deixando três feridas e uma grávida com ameaça de aborto.
As mulheres defendem que os elementos da natureza são a base da vida, riquezas que não têm preço e, por isso, não são mercadorias. “Em nome do desenvolvimento, do progresso e da modernidade, o capitalismo avança sobre o mundo, desrespeitando quaisquer limites e leis, colocando em risco a vida de todos os seres vivos, inclusive da humanidade”, diz o
manifesto da entidade sobre a ação.
Além disso, questionam a privatização da CVRD, empresa avaliada por R$ 40 bilhões e vendida ao sistema financeiro, tendo à frente o Banco Bradesco, por apenas R$ 3,7 bilhões. O lucro da mineradora supera os R$ 10 bilhões anualmente.
“O domínio imperialista estadunidense, representado pelo presidente George W. Bush, que desrespeita os direitos humanos com a promoção da guerra, desrespeita a legislação ambiental internacional ao rejeitar o tratado de Kyoto, ao mesmo tempo em que suga as riquezas naturais e tecnológicas e subordina os países pobres ao pagamento da dívida externa”, sustenta o documento divulgado na ocupação.