O Ministério Público e a Defensoria Pública são apontados por especialistas como aliados importantes para conseguir envolver o Poder Judiciário em ações que visam assegurar o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA). E, por consequência, MP e Defensoria Pública podem ser relevantes instrumentos no combate à fome. A atuação do sistema foi discutida em um encontro on-line promovido pela Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, no dia 19 de outubro. O evento contou com a participação de advogados, defensores públicos, promotores, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais e foi transmitido no canal da Conferência no YouTube, onde a íntegra está disponível.
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https://youtu.be/3TwIH8PX9_I
“Não há o engajamento mais significativo das profissões jurídicas como um todo. Então, não é só o Poder Judiciário que não julga suficientemente ou não adjudica suficientemente o direito humano à alimentação adequada. As outras profissões jurídicas – Defensoria, Advocacia, Ministério Público – não atuam suficientemente”, diz Andrea Sepúlveda, defensora pública do Estado do Rio de Janeiro.
Os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável podem ter papel importante em busca de mais envolvimento por parte das profissões jurídicas. Leonardo Ribas, da Conferência Popular, defende que os Conseas procurem o Ministério Público ou a Defensoria Pública. “O Ministério Público vai investigar e verificar a compatibilidade daquela denúncia com a situação prevista em lei. Verificando que há violação, abre uma ação civil pública que pode levar o gestor a uma improbidade administrativa”, explica.
MP e Defensoria Pública: instrumentos no combate à fome
O encontro “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do Judiciário na garantia do direito humano à alimentação” analisou situações em que o setor agiu para promover a segurança alimentar, como no caso da luta por direitos da Comunidade Sururu do Capote, em Maceió (AL). Em 2007, o Ministério Público e o Ministério Público do Trabalho protocolaram uma ação civil pública contra a violação dos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais de crianças e adolescentes em comunidades da Orla Lagunar da capital alagoana e conseguiram que a Justiça determinasse a elaboração de políticas públicas e a destinação de verbas para implementar e manter as ações.
A promotora de Justiça de Alagoas Alexandra Beurlen, que atuou no caso, diz que as ações envolvendo o Ministério Público e a Defensoria sempre têm algum tipo de retorno, mas “o tempo de atuação, às vezes, frustra muito. Por isso, embora as ações coletivas sejam extremamente importantes do ponto de vista da garantia de direito, é mais rápido e mais fácil a garantia do direito individual”.
Para o defensor público do Estado do Rio de Janeiro Rodrigo Azambuja, a lentidão do Poder Judiciário representa um entrave. “A experiência que a gente teve mostra que o remédio judicial não atendeu o tempo do direito humano à alimentação”. Apesar disso, Azambuja defende que o litígio estratégico é uma ferramenta importante que deve ser vista como parte de um plano mais amplo, envolvendo manifestações e a organização de tribunais populares, entre outros.
Flávio Valente, pesquisador associado do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que o Brasil tem um dos marcos legais mais fortes e completos em termos do direito humano à alimentação. “O que falta é a implementação, a garantia do direito por parte dos três Poderes, que vêm cometendo violações graves do direito humano à alimentação. Tanto o Executivo, quanto o Legislativo e o Judiciário”, diz.
Exemplo disso é a redução de 86% no orçamento federal destinado a segurança alimentar e nutricional entre 2014 e 2021. “É preciso começar a olhar para o orçamento público e para a política fiscal com o olhar de que esses instrumentos são meios para garantia de direitos, não um fim em si, como uma redução da dívida ou do resultado primário”, defende Livi Gerbase, assessora política do INESC, ONG que atua com pesquisa, formação e incidência no tema do orçamento público e dos direitos humanos.
Racismo Institucional
De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania em Segurança Alimentar e Nutricional, dos 33 milhões de brasileiros em situação de fome, 70% são negros. “No Brasil, há uma superconcentração de quem é arrastado para a miséria”, afirma Maíra Vida, advogada, cofundadora do AGANJU, integrante do jurídico da Coalizão Negra por Direitos e Coordenadora do Centro de Referência Nelson Mandela/SEPROMI. Para ela, é preciso atuar em diferentes frentes para combater o impacto do racismo institucional na garantia ao DHANA.
Valéria Burity, advogada e secretária-geral da FIAN Brasil, destaca que, para tratar da exigibilidade judicial do direito humano à alimentação, será necessário olhar para a questão do racismo. “Os negros não são só violados no que diz respeito ao acesso à alimentação. Se você olhar todo o processo alimentar, como acesso à renda, acesso à terra e território, justiça fiscal, a população negra é a mais atingida e contundentemente sofre violações do direito humano à alimentação”.
Atualmente, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que denuncia o genocídio da população negra no Brasil está no Supremo Tribunal Federal (STF). A ADPF 973, conhecida como ADPF Vidas Negras, foi protocolada pelo PT, PSOL, Rede, PCdoB, PSB, PDT e PV e pela Coalizão Negra por Direitos. A ação pede a elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte ao Povo Preto.
Há um ano, duas ADPFs que tratam exclusivamente da fome (a 831, protocolada pelo PT, e a 885, protocolada pela OAB) aguardam a análise do Supremo. As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental incluem a sentença do Tribunal Popular da Fome, que foi realizado pela Conferência Popular, em setembro de 2021, e culpou o governo federal pelo aumento da fome no Brasil.
O conteúdo do encontro “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do Judiciário na garantia do direito humano à alimentação” estará, a partir de novembro, em um documento elaborado pela Conferência Popular, que também vai entregar às autoridades do sistema judiciário e à OAB uma carta defendendo o Direito Humano à Alimentação.
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Foto capa: Campanha Gente é pra Brilhar – Legenda: atividade no dia 17 de outubro de 2020, em São Paulo, Campanha Gente é Pra Brilhar não é para morrer de fome
Fonte: Conferencia Popular de SSAN