A situação das creches em São Paulo está cada vez mais complicada. A promessa do governo Kassab/Serra foi de zerar o déficit em relação à demanda por creche. Mas na verdade, o que ocorre no município é o contrário. A região sul da cidade já era apontada como uma região com o maior déficit de creche. O bairro do Grajaú insere-se nesta região. O prefeito Kassab fechou as poucas creches e a população está totalmente desprovida deste serviço. Os movimentos da região denunciam que a prefeitura atua com descaso, não dá solução e ignora a situação como se não fosse responsável por oferecer este serviço.
Em geral, quando há ausência do Estado a vida das mulheres é a maior prejudicada: as crianças que estavam na creche voltam para casa, o trabalho de cuidado e educação da criança volta a ser de total responsabilidade da mãe; as mães que não tem com quem deixar esta criança tem que sair do emprego; se a criança é muito pobre e dependia da alimentação da creche ela ficará prejudicada; as mulheres que trabalham na creche – que na maioria das vezes são do próprio bairro – ficaram sem empregos; aumenta a lista de crianças sem creches, aumenta o número de mulheres que não podem crescer no mercado de trabalho por não ter com quem deixar as crianças. O ônus desta situação recai sobre as mulheres.
A Marcha Mundial das Mulheres expressou sua indignação contra esta situação que afeta o direito das mulheres e das crianças e divulgou entrevista a seguir.
Mães denunciam: Faltam creches no Grajaú
Por Aline Scarso
Mais de 1.400 crianças no Distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo (SP), estão sem creche. Isso porque a instituição conveniada pela Prefeitura para oferecer o serviço, o Centro de Promoção Social São Caetano de Thiene, não consegue mais administrar suas dificuldades financeiras. A instituição não tem recursos para pagar funcionários e educadoras. Com as portas da creche fechada, muitas mães deixaram o emprego para cuidar de seus filhos.
Quem denuncia a falta de preocupação do poder público com a educação infantil é a mãe Andrea Aparecida Brito. Um dos seus três filhos estudava no Centro São Caetano de Thiene. A situação de Andrea é igual a de milhares de mães da capital paulista que vivem as conseqüências da terceirização de parte das creches do município. Acompanhe a entrevista.
Radioagência NP: Por que as crianças não estão indo mais para a creche como antes?
Andrea Aparecida Brito: Pela explicação que a diretora nos deu é que [o Centro] iria abrir mais uma unidade. O Centro levou o projeto para a Prefeitura, a Prefeitura aprovou, mas a instituição não conseguiu enviar um projeto no qual completava o quadro de funcionários. Então com isso, a Prefeitura vetou o pagamento da verba. Como a diretora não tinha como pagar os funcionários, e com os funcionários não indo trabalhar, não tinham como cuidar de nossas crianças.
RNP: A Prefeitura diz que a culpa é da instituição conveniada para prestar o serviço. Você também acha isso?
AAB: Então. A gente na verdade não sabe o que está acontecendo. Essa foi a informação que a instituição e a Secretaria de Educação nos passou. O que a gente está questionando é o direito das crianças de freqüentar a creche. Porque com o rompimento desse convênio, em vez de as crianças serem realocadas para outro local, foi simplesmente pedido para as mães ficarem com as crianças dois dias, três dias, quatro dias. E isso acabou se estendendo do mês de março até agora.
RNP: Andrea, temos a informação de que essas crianças que ficaram sem creche não são as primeiras, mas que tem muitas crianças na fila, esperando por vagas em creche no Grajaú, é isso?
AAB: Pela informação que o Conselho Tutelar nos passou, tem 5.000 crianças na lista de espera. E com a saída dessas [1.400] crianças esse número se elevou. Só que a questão que estamos brigando é para essas crianças que já vinham tendo atendimento. Dizem que é questão de documentação. Outros dizem que a instituição não repassou para a Prefeitura o que eles estavam fazendo com a verba, por isso foi rompido o convênio. A gente não quer saber de quem é a culpa, nós queremos uma creche. Porque muitas mães ficaram desempregadas. Eu fui uma delas. Eu tinha uma lojinha, [mas] já não estava conseguindo mais dar conta, porque eu já não conseguia dar o atendimento adequado para meus clientes. Então [o trabalho] foi ficando defasado, não conseguia mais pagar o aluguel [da loja], e ali não era o lugar adequado para levar minhas crianças. Elas precisavam de um local para brincar, para dormir, e para pagar alguém pra cuidar deles, eu não tenho condições. Eu decidi fechar as portas.
RNP: Andrea, além de você, muitas mães também perderam o emprego. Você sabe como está a situação econômica dessas famílias?
AAB: Está muito precária. Porque tinha várias mães que levavam o filho para a creche porque elas mal tinham alimento dentro de casa. Então, pelo menos na creche, sabiam que as crianças estariam sendo alimentadas. Pra gente é um auxílio eles cuidarem das nossas crianças. Não tendo isso, a mãe tem que ficar com a criança em casa, não tem condições de pagar para alguém ficar com a criança, como também não tem condições de levar as crianças para o trabalho. Muitas mães vão trabalhar e deixam o filho sozinho em casa, correndo o risco do Conselho Tutelar tirar a guarda do filho dela.
RNP: Vocês dizem que cansaram de ouvir as promessas da Prefeitura. O que vocês querem do poder público?
AAB: O que a gente quer é só uma resposta de quando vai voltar o atendimento dessas crianças. Porque a gente já está cansada de correr atrás, de ter falsas promessas. Tem uns que falam que as crianças vão ser realocadas para um prédio que está ocupado com uma escolinha particular. Então se for acontecer, vai acontecer o ano que vem.
RNP: Vocês não sabem quando essas crianças voltam para as creches?
AAB: Não. O que eles dizem é que duas dessas instituições vão voltar a ter atendimento. São processos muito demorados e as crianças estão ficando prejudicadas. Porque além de não ter a educação que estavam recebendo, não tem o alimento, e os pais estão sendo privados de trabalhar para dar o alimento.
RNP: Andrea, em sua opinião, essas parcerias da Prefeitura com instituições privadas funcionam?
AAB: Olha, até o momento estava funcionando. Agora depois disso que aconteceu, a gente fica assim ‘será que é certo mesmo ter o convênio?’ Porque se fosse direto da Prefeitura não tinha acontecido isso que ocorreu.