Fui a primeira presidente da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, cumpri um mandato de quatro anos (2007-2011), período em que foram implantadas a empresa e a TV Pública nacional, a TV Brasil. Ao longo daqueles quatro anos, a mídia comercial vigiou obsessivamente a TV Brasil em busca de sinais de “governismo” ou “chapabranquismo”. O Ministério Público também fiscalizou severamente a EBC, especialmente em momentos eleitorais, para evitar partidarismo na cobertura. Os canais públicos precisam ser mesmo fiscalizados. Não perseguidos.
Inacreditavelmente, tanto a mídia quanto o Ministério Público silenciam diante da escandalosa deformação do sistema público de radiodifusão gerido pela EBC levada a cabo pelo governo, que transforma os canais públicos, especialmente a TV Brasil, em veículos oficialistas, a serviço da propaganda governamental, do proselistismo político-ideológico e da promoção pessoal do presidente da República, Jair Bolsonaro.
O exemplo mais recente, gritante e escandaloso deste uso ilegal e indevido da TV Púbica, com desvio criminoso de sua finalidade, foi a transmissão, na noite de terça-feira, 13 de outubro, do jogo entre a Seleção brasileira de futebol e a do Peru, valendo para as eliminatórias da Copa do Mundo. Logo pela manhã o secretário de comunicação, Fabio Wajngarten, anunciou que estava tentando obter a liberação dos direitos de transmissão da partida, detidos por empresa de mídia estrangeira, para que a TV Brasil pudesse transmiti-la, permitindo que os brasileiros vissem o jogo. Nenhuma TV comercial brasileira iria transmiti-lo.
E na transmissão, tudo foi inadequado a uma emissora pública. Se houvesse ainda o Conselho Curador, que foi extinto por Temer, haveria sem dúvida uma moção de censura. Nos dois tempos, Wajngarten agradece, em texto lido, aos dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol, pelo esforço que fizeram para conseguir a cessão do direito de exibição à TV Brasil. No final, mandou “um abraço” para Bolsonaro, que estaria vendo o jogo. O narrador completou: “um abraço, presidente!”.
É a TV do Bolsonaro? Durante quatro anos suportei referências da mídia à TV Brasil como TV do Lula. Em minha gestão, nem Lula nem qualquer um de seus ministros e auxiliares, tentaram alguma vez usar os canais públicos para fazer proselitismo ou autopromoção. E agora, quando a TV Pública de fato vira a TV do Bolsonaro, nenhuma linha, nenhuma crítica?
Bolsonaro já determinou inclusive a transmissão de um ato religioso pela emissora. É sabido que ocorre censura contra jornalistas, para garantir o oficialismo das notícias.
Temer deu início à deformação da EBC e Bolsonaro está completando a obra destruidora. Ele mesmo já disse que veio para destruir. Ele e os seus podem não saber, mas embora mutilada, a Lei 11 652/2008 – que conseguimos com muita luta, o engajamento de muitas entidades e personalidades, ver aprovada pelo Congresso – está em vigor e trata a EBC como empresa gestora de radiodifusão pública, fixa princípios e objetivos que não estão sendo observados e garante sua autonomia em relação ao governo para fixar a programação.
Mas nem tudo é silêncio: A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, os Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas do DF, SP e RJ, e a Comissão de Empregados da EBC estão repudiando com energia este abuso que constitui também uma ilegalidade.
Entendo as razões da mídia. A vigilância no passado tinha a ver com Lula, que acolheu a demanda da sociedade, via Fórum da TV Pública, e patrocinou a criação da EBC. Não posso entender, porém, a omissão do Ministério Público.