Como parte das diversas atividades organizadas por feministas brasileiras para lembrar o dia 28 de setembro, o CIM (Centro Informação Mulher) realizou no dia 17 de setembro, em parceria com a MMM (Marcha Mundial de Mulheres), Sexta Feminista com o tema do aborto. Na próxima terça-feira, 28 de setembro, haverá o lançamento da Plataforma pelo Direito ao Aborto, pela Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, em todo o Brasil. Em São Paulo, o ato acontece na Praça Patriarca, às 16 horas.
A Campanha 28 de Setembro é uma atividade do movimento de mulheres latino-americano e caribenho, de luta pelo direito ao aborto no marco da democracia e dos direitos humanos. Esta data foi tirada no No 5º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe (Argentina, 1990) e desde 1993 diversas ações são feitas nos países da região. Este ano
Ter filhos não é obrigação
Desencadeador da produtiva roda de conversa que se seguiu, o filme “Clandestinas, o aborto no Brasil”, foi realizado por Ana Carolina Moreno como trabalho de conclusão do curso de jornalismo na USP, em 2006. Intercalando depoimentos de mulheres que fizeram e não fizeram aborto, com falas de feministas pela autonomia, o documentário levanta uma série de questões e comprova uma triste realidade. Apresenta ainda informações sobre a legislação, no Brasil e no mundo, projetos que tramitam no Congresso e o poderoso lobby dos fundamentalistas, e também o movimento feminista neste contexto. Veja o documentário no link.
Mais comovedor são os depoimentos das mulheres, reveladores da angústia que todas vivem ao passar por essa dúvida – ter ou não ter um filho indesejado. Uma decisão para toda a vida. “Numa gravidez desejada, a mulher sonha com o filho, planeja o ser mãe”, diz Nalu Faria, da MMM, “mas diante da gravidez não querida, o sentimento não é o mesmo, ela sente como um problema, do qual precisa livrar-se de alguma maneira”. “A legislação é restrita e hipócrita”, diz Tatau Godinho no vídeo, “fecha o olho para a realidade, penalizando fundamentalmente as mulheres mais pobres”.
Hipocrisia em nome de Deus
A cultura patriarcal, alimentada historicamente por Estado e Igreja Católica, foi responsabilizada por toda a roda. As “verdades” disseminadas em relação à maternidade, a culpa imposta pela religião à sexualidade das mulheres, tornam angustiante viver o desespero de uma gravidez indesejada ou interrompida. “A hipocrisia é o que mais incomoda”, disse Rosa de Lourdes, da Rede Feminista de Saúde, De origem católica, a feminista lembrou o infanticídio perpetrado por Herodes, para eliminar o bebê Jesus, conforme relato da Igreja, e questiona: “Por que o anjo só avisou a José e Maria e deixou que matassem todas as outras crianças? … e nos chamam de assassinas, a pior coisa que já ouvi”.
Cleone Santos, do CIM e militante do Gemel (Grupo Mulher Ética e Libertação), coletivo que trabalha sobretudo com mulheres em situação de prostituição (outro assunto tratado hipocritamente pela nossa sociedade), contou da terrível situação que presencia. “Por mais que a gente faça trabalho de prevenção, as mulheres engravidam, sobretudo as mais inexperientes. E aí elas usam mesmo agulha de tricô, talinho de mamona…”. No atendimento, segundo Cleone, quase sempre primeiro é chamada a polícia, e elas se entregam, pois sentem-se pecadoras, culpadas. A culpa é colocada na cabeça dessas mulheres pela Igreja, diz a ex-prostituta, cuja Pastoral atua bastante com as mulheres do centro da cidade.
“Foi o ato mais corajoso da minha vida”, provocou Marta Baião, diretora do CIM. “Foi fundamental para eu perceber minha autonomia, a importância de eu ser dona do meu próprio corpo”. Atriz e feminista, ela fez um retrospecto sobre a mudança da moralidade patriarcal no correr da história, “pois antigamente se fazia aborto com mais facilidade, havia parteiras auxiliares, já que a Igreja não permitia o casamento de grávidas”, e as boas famílias resolviam o problema. Camila Furchi, da SOF e da Marcha, destacou a estratégia de “criminalizar coletivamente”, dentro da grande ofensiva que empreendem hoje os setores que se intitulam “pró-vida”.
Mídia democracia e eleições
O conceito de início da vida, também mudou no correr da História, e Cintia Abreu, ativista lésbica, trouxe da conjuntura atual a Concordata Brasil Vaticano. Ela acredita que a ampliação das ofensivas de setores misóginos é um desdobramento desse acordo assinado pelo governo brasileiro. “Depois da derrota em Portugal, país também altamente católico, eles viram que é necessário segurar o Brasil”. A mídia sensacionalista foi aspecto que perpassou várias das falas na roda de conversa. Matérias recentes do Fantástico, da Rede Globo, denunciando clínicas que atendem em bairros pobres, no Rio de Janeiro e no Pará, revelam – uma vez mais – a cumplicidade de parte da mídia comercial contra as mulheres.
Realizado em 2006, o documentário faz ainda referência às eleições presidenciais daquele ano, quando nenhum candidato se posicionou favoravel à descriminalização do aborto. Nas eleições deste ano temos duas candidatas à presidencia, entretanto nada mudou. Com discurso cada vez mais “marketizado” e assemelhado, as principais candidaturas não querem tocar em temas polêmicos, para não perder votos. Ainda que algum(a) candidato(a) tenha posição pessoal favorável ao direito ao aborto para todas as mulheres, poucos(as) tem coragem de expor essa opinião na grande mídia. Dos que expõe, a maioria não é eleita devido à pressão cultural. E dane-se o Estado laico!
A democracia que temos sempre foi para poucos. Para garantir mão de obra barata e cada vez mais disponível, o capitalismo não permite que os direitos cheguem às camadas mais pobres da população. Qualquer pessoa, com certo recurso, necessitando encontrar uma clínica que realize aborto seguro acabará encontrando. Para as pobres, resta o risco de morte ou de prisão, a humilhação no serviço público de saúde, ou a sina de criar filhos que se tornarão abandonados na adolescência. Como diz Elke Maravilha no documentário – “quantos filhos estão sendo abortados com 15 anos? Depois de conhecerem a vida, depois de sonharem?”
Por tudo isto, neste 28 de setembro de 2010, vésperas das eleições gerais, será lançada uma plataforma pelo direito ao aborto, pela Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto em todo o Brasil. A Plataforma explicita as propostas de legalização do aborto que garante a vida, os direitos e a autodeterminação reprodutiva às mulheres e, ao mesmo tempo, indica as medidas e políticas necessárias para a sua implementação de forma justa, respeitosa e em condições de igualdade para todas as mulheres.