“Mas a censura indireta age de um modo mais sutil. Não é menos real por ser menos aparente. Pouco se fala dela. E, entretanto, é esse tipo de censura que mais profundamente define o caráter opressor e exclusivista do sistema que existe na maioria dos países latino-americanos.”
Eduardo Galeano
Durante cinco anos publicamos o jornal Recomeço impresso e em site na internet. Foram 128 edições, nas quais reunimos cerca de 900 matérias criteriosamente voltadas para a defesa dos direitos humanos e, em especial, sobre a questão carcerária e o sistema penal.
O objetivo maior do Recomeço foi dar voz aos encarcerados, o segmento mais discriminado e oprimido da sociedade. Os presos escreviam e os textos eram publicados. Atingimos o feito inédito de publicar 1280 textos dos detentos da Unidade Carcerária de Leopoldina, MG. Este material ficará na íntegra no site Recomeço, pois seria uma perda inestimável deixar desaparecer o resultado de um trabalho de tal envergadura.
Este ano, fui surpreendida por um processo kafquiano. Em função do editorial na edição 117 (está no site), o juiz da comarca de Leopoldina me acusa de difamação por ter escrito:
“Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do Direito, com tamanha barbárie. O regime atual é um desrespeito à Constituição, à lei, aos cidadãos deste país, enfim, à nossa inteligência”.
O editorial faz referência ao regime em que viviam os detentos na época, durante onze meses em castigo coletivo, no qual todos ficaram sem banho de sol, 24 horas nas celas, sem nenhuma atividade, sem material de higiene e limpeza, sem poder receber alimento complementar das famílias, com visita de 15 minutos na grade. Eram em média 100 presos, a maioria doente nesse regime de barbárie.
A LEP – Lei de Execução Penal – é bem clara: não haverá castigo coletivo e não poderá exceder 30 dias, a não ser para condenados no regime RDD. E o juiz é o responsável pelo cumprimento da lei.
Já respondi inquérito na polícia, já compareci a uma primeira audiência e, no próximo dia 27/11, compareço a uma Audiência de Instrução e Julgamento diante de uma ação penal do juiz contra mim.
No Brasil, a liberdade está em perigo. A justiça mais ainda.
Como disse Brecht, se nos calamos diante do arbítrio, amanhã pode ser qualquer um de nós.