Nos últimos 15 anos, o campo político-econômico das Comunicações passou por profundas mudanças em todo o mundo, como parte mesmo das transformações operadas no próprio sistema capitalista mundial. Não foram meras reformas “neoliberais”, respostas superestruturais às transformações em curso. Foram mudanças de natureza econômica e política, por um lado impulsionadas pelo, e, por um lado, impulsionadoras do reordenamento geral de todo o sistema.
A esquerda nunca entendeu muito bem esse processo, resistiu por um bom tempo até mesmo a admiti-lo, jamais conseguiu formular-lhe um projeto político alternativo.
O resultado, como tem dito o filósofo István Meszáros, é termos hoje, ao menos nas democracias liberais ocidentais, dois partidos de direita, aquele que se diz Conservador (ou denominações similares) e faz políticas conforme; e aquele que se diz “Social-Democrata” ou “Socialista” e faz política conforme… a dos conservadores.
O PT, no Brasil, não escapou à sina dos partidos socialistas europeus, na última década. Na Europa, através dos “indignados” – que nada podem fazer além de manifestar indignação – estamos vendo onde chegou esse impasse. O Brasil que aguarde a sua vez.
Salvo no êxito de seus programas focados e compensatórios, programas estes teorizados e formulados pelos neoliberais aos quais faltava, porém, disposição política e substrato social para implementá-los, o PT, no governo Lula e, agora, neste início de governo Dilma, apenas deu continuidade, em alguns casos aprofundou, as políticas herdadas do governo FHC. Foi assim na macroeconomia, foi assim nas políticas industrial-tecnológicas, energéticas, educacionais, agrícolas… foi assim nas Comunicações.
Durante 60 ou 70 anos, até os anos 1980, ao longo do padrão capitalista então dominante, alcunhado “fordista”, as políticas de Comunicações, em todo o mundo, eram pautadas por um princípio básico: serviço público. Mesmo nos Estados Unidos, onde o setor era oligopolisticamente controlado por grandes corporações empresariais (AT&T, NBC, ABC, CBS), prevalecia a idéia de que esta era uma área que deveria estar submetida ao interesse público, existindo uma agência de governo encarregado de zelar por isso: a FCC (Federal Communications Comission). Nos demais países, em geral, o setor era, todo ele, diretamente estatizado. No Brasil, as telecomunicações eram estatais, e a radiodifusão dependia de concessões públicas.
Nos países capitalistas avançados, o regime público atingiu um dos seus principais objetivos: a universalização dos serviços. Estatísticas dos anos 1970 mostravam que em todos os países europeus ocidentais, nos Estados Unidos, no Japão, praticamente 100% das residências possuíam tanto receptores de televisão quanto linhas telefônicas, sem falar, claro, do atendimento às indústrias, estabelecimentos comerciais, bancos e, também, escolas e demais serviços públicos. Não era o caso do Brasil. Só então começávamos a expandir a nossa planta telefônica e o acesso à televisão. Na década 1990, menos de 20% das nossas residências tinham linhas telefônicas e menos de 880%, televisão (uma desigualdade que, vis-à-vis os países centrais, fala por si).
Então o capitalismo mudou, logo mudaram as Comunicações. Reestruturam-se as corporações multinacionais, nisto as redes de comunicação ganham novas e estratégicas funções nos circuitos de acumulação. Emergem, em menos de duas décadas, grandes conglomerados mediáticos globais, incorporando telecomunicações e produção/programação de conteúdos em um mesmo modelo de negócios que, logo, aspira também, para o seu interior, a nascente internet. O antigo telefone de voz começa a ser substituído por novos meios tecnológicos e práticas sociais de intercâmbio e interação que essas corporações comandam. A antiga televisão aberta começa a desaparecer, substituída por centenas de canais pagos de acesso fixo ou móvel, e pela internet. Em alguns países, a exemplo da Holanda, ela já sumiu das estatísticas. Em outros está prestes, inclusive nos Estados Unidos. O Brasil também vai chegar lá.
Era uma época de hegemonia política neoliberal. Atendendo aos interesses emergentes e aos velhos interesses que se reinventavam, políticos de direita, diante da perplexidade paralisante da esquerda, introduziram reformas nas leis que regulavam as Comunicações que, em uma palavra, delas eliminavam o princípio do regime público. Caberia exclusivamente ao mercado, desde então, comandar a evolução futura desse setor, um setor essencial, tanto econômica, quanto política, quanto cultural, quanto ideologicamente. Sobretudo ideologicamente.
No Brasil, a reforma foi feita em 1997-1998, no governo FHC, através da Lei Geral de Telecomunicações e da privatização esquartejada da Telebrás. Reforma parcial: FHC não ousou mexer com os ainda poderosos interesses globais, quer dizer, da Rede Globo. A LGT, seguindo aliás receituário mundial, dividiu os serviços de telecomunicações em dois modos: regime público e regime privado. E também seguindo o receituário mundial (vide leis dos EUA, da França e da Alemanha, todas de 1996), reconheceu que a velha telefonia fixa, ainda muito importante no Brasil, deveria seguir sendo prestada em regime público. Tudo o mais, isto é, tudo o que iria começar a se expandir a partir de 1997-1998, seria colocado em regime privado.
Considerando-se as enormes desigualdades sociais e regionais do Brasil e, não menos importante, a crença que ainda se podia alimentar de que um partido como o PT faria uma política realmente de esquerda em nosso País, era de se esperar que, uma vez no governo, ele trataria de reverter aquele projeto de entregar exclusivamente ao mercado o futuro das Comunicações brasileiras. Teve uma primeira oportunidade em 2003, quando foram renegociados os contratos de concessão assinados em 1998 com a Oi, Telefônica, Brasil Telecom e Embratel.
Ao invés de fortalecer o regime público, o governo Lula, com apoio da Federação dos Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL-CUT), passou a advogar que a “competição” iria expandir as comunicações. Para isto, baixou o decreto 4.733 de 2/06/2003, onde incorporava todas as ilusões competitivas que então eram advogadas, entre nós, pela Embratel, apostando em soluções que nunca funcionaram em lugar nenhum do mundo. Mais tarde, a Embratel, sob nova direção, acabou resolvendo os seus problemas associando-se à NET, isto é, adquirindo a sua própria infra-estrutura capilarizada, enquanto o decreto, por inexeqüível, tornava-se letra morta.
O PT teve uma segunda oportunidade agora, neste limiar de governo Dilma. Não apenas porque, mais uma vez, os contratos seriam renegociados, de novo num momento em que um governo inicia mandato respaldado pelas urnas, mas sobretudo porque, desta vez, está absolutamente claro que o futuro das Comunicações, de todas as Comunicações, inclusive da televisão, encontra-se nisto que se convencionou chamar banda larga, ou seja, numa infra-estrutura que permita tráfego de dados em altas velocidades. O problema não se limita à internet. O problema trata das corporações mediáticas que hoje produzem, programam, transportam e distribuem notícias, entretenimento, publicidade, espetáculos em todo o mundo. O problema não se limita à Oi ou Globo, grupos periféricos no contexto mundial. O problema se chama Time-Warner, Disney, Vivendi, News Corp., Google, Microsoft, Apple, AT&T e que tais.
Tratava-se de reconverter ao regime público essa infraestrutura essencial para a democracia, justiça social, educação, cultura e até para a soberania nacional. O governo Dilma optou por curvar-se aos lobbies, tratou o assunto fragmentariamente, ignorando a chamada “convergência”, e reduziu-o a mais uma política compensatória, esta que dará às camadas sociais de renda baixa condições de obter algum acesso a uma banda algo alargada, vista como solução melhor do que acesso nenhum. Assim como sabemos, o telefone móvel pré-pago usado pela metade parece também melhor do que celular nenhum…
Antes que expirem, em 2025, os contratos de concessão agora renovados, a telefonia fixa já terá deixado de existir. Com ela, o regime público. A televisão aberta, também em regime pú-blico, igualmente estará moribunda, tão logo a maioria dos lares brasileiros tenham aderido à televisão paga (leia-se Fox, TNT, HBO, CNN, ESPN, Cartoon Network etc.) – o que deve igualmente acontecer nos próximos 20 anos, se não antes. E a infraestrutura de comunicações (voz, imagem, dados, televisão, internet etc., etc.), fixa ou móvel, com menos ou com mais de 1Mb, estará toda nas mãos de três ou quatro corporações estrangeiras, até porque, pelo andar da carruagem, mesmo a nacional Oi não demorará a mudar-se para Lisboa…
A não ser que até lá, no clamor da indignação, a esquerda ressuscite.