“Tal o Brasil sentado junto às margens
Do verde oceano que seus pés lhe beija,
E recostado sobre o alto Ande
Que além nos ares, pelo céu flameja.
Vestido desse manto lindo e belo
Que nunca o frio inverno desbotou:
Bordado dos diamantes, do ouro fino,
Das lindas flores com que Deus ornou.
Deixa-os entrar nos bosques gigantescos;
Deixa-os gozar dos puros céus de anil;
Deixa-os fruir de todas as riquezas,
Que o mundo antigo inveja do Brasil”.
(Castro Alves, Poema, composto aos 14 anos).
Na poesia que encima este artigo, recitada pelo aluno Antônio de Castro Alves, em 3 de julho de 1861, no Ginásio Bahiano do Barão de Macaúbas (Abílio César Borges), em Salvador (Bahia), se vê este tão difundido orgulho das riquezas nacionais: a verde mata, as minas, as águas e um clima e terra, onde se plantando tudo floresceria.
Hoje penso que esta louvação não era um reconhecimento, um justo motivo de orgulho ou para “inveja”, como declamava, adolescente, o poeta brasileiro. Era a domesticação, que fazia parte da pedagogia colonial, a nos incentivar ao ócio, à perda daquele presente dado, que se malbarata sem a mágoa de um bem conquistado com suor, com dedicação, com o empenho físico e intelectual. Fácil vem, fácil vai.
E, assim, as estradas de ferro eram construídas das áreas produtoras para os portos, o que aqui de extraia, o que se colhia, o que se desmatava, tudo ia para o uso e gozo estrangeiro; nada para o povo brasileiro, que não fosse as comissões para os intermediários da evasão, da alienação, do esbulho.
E foi na colônia, no império, na primeira república, contornou, na oposição, a Era Vargas, que durou bem mais do que a vida do estadista, e se arregaça, explode, se expande com o triunfo neoliberal que aqui chega juntamente com a edição do decálogo globalista, antinacional, alienante do Consenso de Washington (1989). Ano da eleição de um preposto fantasiado de “caçador de marajás”.
O discurso absurdo é aquele da competitividade: colocar na mesma arena, sem que haja qualquer ponto para equilíbrio, o maneta, o coxo, o cego e o de físico e preparo de um atleta olímpico: que vença o melhor! Mas esta vitória não traria qualquer vantagem para o povo, como na luta desigual há desonra, nenhum mérito.
E, as cada vez menores riquezas nossas, cantadas por Castro Alves e por todos desde o anônimo autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil no alvorecer do século XVII, com falsas e ferozes razões, passam a ter seus controles, sua produção e seus ganhos e lucros transferidos do povo brasileiro, dos capitais nacionais, para os apátridas, aqueles residentes em paraísos fiscais.
Perguntará o atento leitor: mas quem são estes beneficiados? Muito fácil. Pegue os nomes dos exportadores, das empresas vencedoras das privatizações e comece a procurar seus acionistas e os acionistas das empresas acionistas destas e chegará, com absoluta certeza, aos seguintes nomes: BlackRock, Vanguard, Fidelity, J.P. Morgan Chase, State Street Global Advisors, Norges Bank, Wellington, Franklin Advisors, Clearstream Banking, Amundi, UBS, Allianz e outros tantos que se denominam “gestores de ativos”.
Estes “gestores de ativos” têm inclusive o seu dinheiro, que dorme de um dia para outro em contas bancárias. É um sistema pouco divulgado de espoliação que, no Brasil, é coordenado pelo Banco Central independente, ou seja, independente de prestar contas ao Brasil, pois seus verdadeiros donos passaram a ser estes controladores dos capitais a partir dos paraísos fiscais.
Por acaso, meu caro leitor, já se deu conta que o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) tem sua carreira política num dos quatro estados dos EUA que é paraíso fiscal: Delaware? E, na avaliação dos gestores de ativos, aquele paraíso que melhor defende os capitais das eventuais investidas de governos e advogados populares ou defensores das vítimas das mutretas que eles armam. Os outros estados nos EUA que são paraísos fiscais são: Dakota do Sul, Nevada e Wyoming.
Existem quase uma centena de países, estados ou cidades que são os paraísos fiscais pelo mundo, muitos em ilhas. Porém 20 concentram quase a totalidade dos capitais dos “gestores de ativos” e das subsidiárias das 500 maiores empresas, listadas pela revista Fortune, e 31 paraísos fiscais estão, de algum modo, ligados ao Reino Unido (UK).
Primeiro foram as riquezas naturais, exportadas, controladas, por fim com a posse, como os minérios da antiga Vale do Rio Doce, hoje propriedade de “gestores de ativos”. Neste processo encontram-se a Petrobrás e as reservas brasileiras (?) de petróleo e gás natural. Aí você perguntará pelo agronegócio que é pop. Sim é propriedade dos comercializadores, que controlam o comércio e os preços e, cada vez mais, os portos e ferrovias e rodovias por onde transitam para serem processados e gerarem lucro no exterior.
O primeiro e mais importante destino dos nossos bens naturais, esgotáveis, finitos, deve ser o processamento, a transformação em bens para consumo dos brasileiros, para aqui gerar emprego e renda e tributo e um país desenvolvido. Ter na exportação o objetivo é gastar todo dinheiro num almoço e passar o mês com fome. É o que fazem os governos desde 1989, com maior ou menor empenho, com mais descaramento ou discurso enganoso.
Foram-se, então, as riquezas.
O Estado só existe em função do povo. Caso contrário basta uma embaixada ou um escritório para cuidar dos interesses e negócios estrangeiros. Hoje este estrangeiro, já sabemos, são os gestores de ativos, anônimos, invisíveis, para não serem apedrejados e combatidos como mereceriam. Mas seus prepostos estão aí, na política, nas faculdades, nos jornais, nas igrejas defendendo o neoliberalismo, a competitividade, a teologia da prosperidade, a liberdade de passar fome e ficar doente e a democracia de votar em quem eles deixam se candidatar, na oposição e na situação. Isto é denominado cismogênese: um processo de diferenciação (governo e oposição) baseado em comportamentos que tanto produzem convergência quanto oposições (voto impresso), e numa escalada dos conflitos ou os criando novos que apenas resultam no reforço de uma só questão: aquela que interessa a ambas as partes, ou seja, manter estas partes e somente elas no “conflito”.
No processo de transformação do Estado Nacional em escritório de agenciamento, os órgãos públicos podem cometer todos os desatinos como cobrar adicionais para compra de vacinas, pois não é a prevenção da epidemia, mas os lucros, que os prepostos e os gestores de ativos terão, o que importa.
Então até se transfira atividades estratégicas do Estado, como os correios, em todo mundo desenvolvido sempre sob controle e execução de órgãos públicos, para os capitais apátridas. Ou se criem “agências reguladoras” para dirigir em favor dos gestores de ativos todas as atividades regulamentáveis do País.
E neste processo, que avança célere, em breve ter ou não ter um governo brasileiro será muito menos do que um dilema shakespeariano; será o fim do Estado Nacional, como o paraíso fiscal caribenho da Ilha de Santa Lúcia, cujo nome foi dado por Cristóvão Colombo, e hoje é propriedade de bancos ingleses.
O que falta então? A entrega do território, mas sem disputa bélica, sem o desembarque da IV Frota dos EUA e seus marines para sofrerem eventual ataque, mortes, e mesmo fazer surgir uma guerrilha no Brasil. Certamente o atilado leitor já sabe qual território está em questão: a Amazônia Brasileira.
Há um antigo mito militar dos “países baleias”, difíceis de invasão para conquistar e manter suas extensas áreas. O Brasil, ao lado da Rússia, do Canadá, da China, dos EUA seria um destes. Mas são estudos pré-cibernéticos, antes do uso da teoria da informação, como se viu recentemente nos EUA, paralisando a distribuição de petróleo e derivados, ou como este país, do contexto OTAN, procura acusar a Rússia de interferir nas eleições estadunidenses ou de ataque chinês (realmente uma potência cibernética).
A ameaça cibernética não se limita à ideologia, ao terrorismo, aos ilícitos, ela é, principalmente, de quem dispõe de trilhões de dólares estadunidenses (USD), como os gestores de ativos. Apenas poucos, como exemplo: BlackRock, mais de sete trilhões USD; Vanguard, mais de seis trilhões USD; UBS suíço, com mais de três trilhões e meio USD; e até estatais, como o Fundo de Pensão Norueguês, com um trilhão e trezentos bilhões USD.
Para ter-se a dimensão dos inimigos, calculemos que uns três ou quatro gestores de ativos se unam para conquistar os 4.196.943 km² da Amazônia Brasileira, território conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Teríamos uns 15 trilhões USD, que rendendo, miseravelmente, 1% ao ano, disporia, ao fim de 12 meses, de 150 bilhões USD, sem tocar no principal. Que imensa corrupção seria potencialmente possível praticar nas cúpulas militares e civis do governo brasileiro?
Nada de invasões, ou disputas no “entorno estratégico”, ou pela insegurança “ambiental” das queimadas ou “humana” das populações indígenas. Basta um contrato de gestão, pelas tradicionais dificuldades financeiras de administrar estes 49,28% do território nacional. Assim 10.642 espécies já catalogadas de plantas de alto valor econômico, onde o medicinal é apenas um deles, os minerais já identificados e outros a serem mensurados, de imenso valor como o nióbio, o lítio, o manganês, o cobre, o níquel, o titânio, o ouro e a prata, a platina, o paládio e muitos outros que em menos de um ano já compensariam os subornos necessários para celebração do contrato de administração, onde se incluem 20,3 milhões de habitantes, sendo 31,1% fora das áreas urbanas, ou seja, ao todo serão 12,3% da população brasileira (conforme estimativa do IBGE para 2004).
A Amazônia Brasileira ocupa integralmente os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e a maior parte do Maranhão. Haveria harmonização entre os governos estaduais e a empresa administradora da Amazônia Brasileira? Provavelmente o contrato subordinaria os nossos governantes aos administradores estrangeiros, afinal a subordinação colonial é da tradição brasileira. Nem a Independência nem a República alteraram a sequência de senhores: portugueses, ingleses, estadunidenses e gestores de ativos. O breve suspiro da “Era Vargas” foi todo tempo combatido e mereceu os golpes, exitosos ou mal sucedidos, de 1932, 1934, 1937, 1945, 1954, 1955, 1964, 1979 e 1984 até naufragar paulatinamente com a Constituição de 1988, a eleição de 1989 e o golpe de 2016.
Haverá ainda os que vão se rejubilar, se regozijar com o desprestígio dos políticos nortistas e nordestinos, ou foram de outros estados para lá trabalhar, na Amazônia que não mais é brasileira, tais como: Jader e Helder Barbalho, Telmário Mota, Waldez Góes, Paulo Rocha, Flavio Dino, Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Acir Gurgacz. Consideram que uma empresa estrangeira, cujo único objetivo é realizar o maior lucro no menor tempo possível, faz o melhor para o povo brasileiro? Se já tiverem sido doutrinados pelas ideologias estrangeiras: liberais, neoliberais, neopentecostais, provavelmente. Ou se nada sabem nem querem saber do País onde nasceram, com toda certeza.
Assim foi que nós mesmos, com nossa alienação, com a mesquinhez do interesse pessoal e imediato, vendo na política só uma falha de caráter e não a mais importante ação humana, com afirmou o Papa Francisco, entregamos nossas riquezas, nosso Estado Nacional e nosso território, afastando a Questão Nacional, que deveria ser a principal preocupação da existência do Brasil, do debate político, desde a Constituição de 1988.
Iniciamos este artigo com um poeta, ainda muito jovem, do romantismo brasileiro, época das mais gloriosas de nossas letras, concluiremos com outro Antônio, este na maturidade, capaz de refletir com seus erros, naquela que é das mais belas poesias em nossa língua. E quem, além da mulher, só poderia ser a Pátria Amada, por quem deixaríamos de lutar?
“Perdão!… de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!”
(Gonçalves Dias, Ainda uma vez – Adeus, aos 34 anos).
Pedro Augusto Pinho
Foto: Pau Brasil