A pandemia do COVID 19 potencializou os efeitos negativos da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos públicos por 20 anos. A expressiva redução de recursos para programas e políticas sociais, especialmente para àqueles voltados à garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada, fez com que o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar, vale dizer: passando fome. Segundo o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, 55,2% dos domicílios do país estão em situação de insegurança alimentar e há 19 milhões de pessoas passando fome.
A grave situação do país mobiliza movimentos, coalizações, articulações e em especial o Coletivo da Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Expressando sua indignação, esse Coletivo publicou o manifesto “Enfrentar a Fome com a Força das Nossas Lutas”.
O documento destaca sua aversão ao negacionismo, à falta de compromisso do atual governo brasileiro frente a pandemia do Covid 19, à retomada da fome no país aos níveis de 2004, à inação do governo e ao desmonte dos sistemas nacionais de segurança alimentar e nutricional e de assistência social. Também observa a importância, nesse período, da força e união dos movimentos, articulando redes de solidariedade, estabelecendo conexões entre agricultores/as familiares e moradores/as das cidades, mobilizados para a política. Reforça, ainda, o valor da resistência para a preservação da vida e o compromisso com as lutas e a solidariedade.
“O manifesto é um grito de basta ao atual governo e pela continuidade da luta pelo Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável”, afirma Maria Emília Pacheco.
No dia 16 de abril, o manifesto foi lançado em um Ato Virtual que reuniu, além dos movimentos, coletivos e organizações que participam da Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, representantes da Coalizão Negra por Direitos (Vilma Reis), Abrasco e Frente pela Vida (Gulnar Azevedo e Silva), Central de Movimentos Populares (Raimundo Bonfim), Marcha das Margaridas (Mazé Moraes), Movimento Favela não se Cala (André Constantine), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) (Rosimere Arapaço), MST e Via Campesina (Antônia Ivoneide – Neném), Pastoral do Povo de Rua (Padre Júlio Lancelotti), União Brasileira de Estudante Secundaristas (UBES) (Rosana Barroso), a Coalizão Direitos Valem Mais (Getúlio Vargas), a professora titular da Cátedra Josué de Castro/USP, colaboradora da Fundação Perseu Abramo, e a ex Ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campelo, Frente Parlamentar contra a Fome do Congresso Nacional (Deputado Federal Padre João), ex-senador, e atual vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy e, em também, a ex-procuradora federal Dr. Deborah Duprah.
Vilma Reis destacou, durante o ato, a extrema gravidade da situação e também as diversas violências que estão em curso: o genocídio do povo negro e dos povos indígenas. E ressaltou a importância da sociedade brasileira se mobilizar por renda básica para os empobrecidos. Esse é um momento dramático, é um momento em que “o nosso povo não pode sofrer de amnésia política”.
O Manifesto está aberto a adesões, que podem ser feitas neste link .
O Ato Virtual encerrou com chamado para mobilização e luta conjunta. A partir do dia 16 de abril e até o dia 16 de outubro, a cada dia 16, movimentos, articulações e organizações realizarão um ”Chamado para Ação Coordenada”.
Assim, além das atividades presenciais, seja de coleta, distribuição de alimentos e manifestações, os coletivos convocam para a ação coletiva, exigindo direitos e FORA BOLSONARO. No dia 16 de maio propõe-se a realização nas redes sociais de ação coletiva de compartilhamento das fotos e vídeos das projeções que denunciam o descaso do governo Bolsonaro com a fome do nosso povo. O passo a passo para a ação coordenada está no link .
A luta contra a fome também está sendo realizada junto ao poder judiciário. No dia 21 de abril, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido dos Trabalhadores ajuizaram a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com pedido de medida liminar. A ADPF pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que afaste o limite de gastos públicos de 20 anos imposto pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016, a suspensão dos efeitos das Emendas Constitucionais 95/2016 e 109/2021 em relação a políticas e programas que podem contribuir para a superação do cenário atual de fome e obrigue o governo federal a investir em medidas de combate à miséria.
Entre as ações solicitadas, pede-se que sejam ampliados:
– o Programa Bolsa Família, com inclusão automática de todas as pessoas em situação de pobreza e pobreza extrema a partir da comprovação da elegibilidade pelo critério renda; o reajusto do valor da renda per capita que define a elegibilidade do programa;
– o Programa Nacional de Alimentação Escolar, com garantia de repasse de recursos financeiros suplementares destinados à aquisição de alimentos aos estados e municípios; utilização mínima de 30% do recurso federal com a aquisição de alimentos da agricultura familiar; acesso dos estudantes a uma alimentação adequada e saudável, por meio da distribuição de kits ou cestas de alimentos ou, ainda, por meio de refeições para consumo doméstico durante a pandemia;
– O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com investimento assegurado de R$ 1 bilhão e procedimentos administrativos simplificados, dando-se prioridade às modalidades de Compra Direta (CD), Compra com Doação Simultânea (CDS) e à retomada da modalidade de Formação de Estoques (FE) com a opção de liquidação em produto;
– Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas) com retomada de suas chamadas públicas para universalização do acesso às cisternas de consumo e de produção para as famílias do semiárido, nos estados do nordeste e norte de Minas Gerais, com prioridade, na construção dos equipamentos, às organizações sociais.
Além disso, demanda que:
– O Ministério da Cidadania receba em 2021, no mínimo, o crédito extraordinário no valor de R$ 2,55 bilhões, de modo a aumentar a capacidade de resposta do Sistema Único de Assistência Social – SUAS no atendimento às famílias e aos indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social decorrente da Covid-19.
leia aqui a ADPF: ADPF- Combate a Fome-PT-1
protocolo_-_adpf_-_combate_a_fome_-_partido_dos_trabalhadores-1.pdf
A Ministra Rosa Weber que é relatora de outras seis ações que questionam a EC 95/2016 recebeu, por prevenção, a ação.
A fome de direitos e sede de justiça se apresenta em todos os espaços, campos, movimentos e articulações. Há fome porque há concentração de riqueza, destaca Raimundo Bonfim. Não estamos marcados para morrer de fome, nem de sede. “Temos fome de Direitos e Sede de Justiça”, exige o Manifesto Enfrentar a fome com a Força das Nossas Lutas. “É momento nacional de resistência nacional e vigilância pela democracia”, afirma Vilma Reis.
“Quem tem fome, tem pressa” (Betinho)