De um lado, mata fechada, de outro, apenas o rio. Essa é a localização de diversos povoados no interior da Amazônia, lugares aonde, muitas vezes, não chegam nem mesmo os fios de alta tensão da companhia de energia elétrica local. Desenvolver projetos na área de geração de energia aplicados em comunidades isoladas com foco em emprego e renda é o objetivo do Grupo de Energia, Biomassa & Meio Ambiente (EBMA), da Universidade Federal do Pará, que, desde 2001, pesquisa formas de levar a luz até onde mais se precisa dela.
Caroços de açaí, restos de agricultura e de madeira, estrume de gado, óleo vegetal ou qualquer substância à base de carbono são matérias que podem gerar energia de forma alternativa e muito eficiente. O EBMA idealiza sistemas que tornam possível a utilização da biomassa como fonte de energia limpa e renovável, derivada de materiais orgânicos, disponíveis em abundância, principalmente, nas comunidades da Amazônia que têm subsistência garantida, em grande parte, pelo aproveitamento de recursos primários.
Para atender as demandas de energia elétrica em locais distantes dos centros urbanos, o Grupo de Pesquisa da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFPA criou a plataforma flutuante, uma unidade de produção de energia de 50kW, que utiliza ciclo a vapor e combustível de biomassa regional. O fato de ser “flutuante” facilita o acesso às comunidades isoladas por meio hidroviário. A plataforma conta, ainda, com uma unidade de extração de óleo vegetal para agregar valor, trabalho e renda às atividades da população ribeirinha.
Breves – “A ideia nasceu diante da facilidade em obter um produto final, no caso, uma unidade de geração de energia e renda, projetada, concebida e construída na Universidade, sem necessidade de deslocamento de material ou mão de obra para o interior do Estado, uma vez que conhecemos as dificuldades de transporte e de distâncias na Amazônia”, explica o professor Gonçalo Rendeiro, coordenador do EBMA. A estação foi inteiramente montada na UFPA e já seguiu viagem em direção ao município de Breves, na Ilha do Marajó, onde está a maioria das comunidades atendidas pelo projeto.
A meta é construir mais três unidades flutuantes de 50kW, além de estações maiores, de 200kW. “Uma dessas estações já atende a comunidade de Santo Antônio, onde temos uma fábrica de gelo que produz dez toneladas por dia, uma fábrica de extração de óleo de 100 quilos de polpa oleaginosa por hora, uma câmara frigorífica para armazenagem de produtos agrícolas e pescado, com capacidade para 70 toneladas. Uma outra unidade, também de 200kW, funcionará na comunidade de Curumu, onde temos uma estufa para secagem de produtos naturais da Amazônia e uma fábrica de extração de óleo vegetal”, conta o coordenador.
A estação de Curumu vai atender cerca de 600 pessoas, além de subsidiar outros setores produtivos, como a fábrica de cabo de vassouras localizada na região. Já a estação de Santo Antônio é um projeto um pouco maior, pois, além de atender as fábricas e os frigoríficos, vai fornecer energia para uma pequena serraria e abastecer toda a área limítrofe do projeto. De acordo com Gonçalo Rendeiro, o objetivo geral é dinamizar a agricultura local e gerar outras possibilidades de desenvolvimento econômico para a Ilha do Marajó.
Invenção evita uso de geradores a óleo diesel
A plataforma flutuante tem uma unidade completa de geração de energia elétrica por meio do ciclo a vapor ou ciclo termodinâmico de Rankine. Possui uma caldeira, uma turbina, um gerador, um condensador, um tanque de condensados, um sistema de bombeamento e um sistema de tratamento de água. A invenção alternativa evita a utilização de pequenos geradores movidos a óleo diesel, que gera gases de efeitos extremamente poluentes à natureza.
Na plataforma, a biomassa é queimada na fornalha da caldeira e gera calor. O calor, então, entra em contato com a água e esta se transforma em vapor. O vapor, em alta pressão e alta temperatura, gira as pás da turbina. A rotação da turbina aciona o gerador, que proporciona a energia necessária para o processo e energia excedente para a comunidade. Diferentemente do resultado obtido com os geradores, a queima de biomassa garante energia estável e de qualidade por 24 horas.
Além da sustentabilidade ambiental, uma vez que o processo muda a matriz energética de um combustível fóssil para um renovável, a invenção traz benefícios econômicos porque agrega recursos à população ao não exigir investimentos na compra de óleo diesel, vendido, exclusivamente, por empresas sediadas no centro-sul do País. “O diesel causa impactos, como a chuva ácida provocada pelo enxofre presente na sua composição, e colabora para a emissão, na atmosfera, dos gases responsáveis pelo efeito estufa”, explica Gonçalo Rendeiro.
Os projetos do EBMA têm apoio do Ministério das Minas e Energia, do CNPq, da Eletrobrás e da Rede Celpa. O Grupo também possui pesquisas voltadas para a utilização de óleo vegetal e óleo usado em motores de combustão interna para geração de energia elétrica. As comunidades em que os sistemas criados pelo EBMA são instalados ganham toda a assistência científica. Após o start up e o comissionamento da estação, os usuários recebem treinamento e são acompanhados pelos pesquisadores até que possam gerenciar o processo de forma independente.
Açaí vira biocombustível
Um dos projetos do Grupo de Energia, Biomassa & Meio Ambiente da UFPA também investiga a utilização do caroço de açaí como biomassa. Uma vez tratada, essa parte da fruta, normalmente descartada quando aproveitado o suco, pode substituir combustíveis fósseis de forma ecologicamente correta. O EBMA tem desenvolvido pesquisas visando à criação de queimadores específicos para o caroço de açaí como biocombustível, na tentativa de atender as demandas energéticas do parque industrial do Pará.
“Só para se ter ideia, hoje, na Região Metropolitana de Belém (RMB), há uma oferta de 140 mil toneladas de caroço de açaí por ano, considerando um valor somado de safra e entressafra. Ou seja, temos a possibilidade de agregar um valor a mais ao fruto que já nos oportuniza tantos benefícios, aproveitando, também, o potencial energético do caroço que, normalmente, pararia nos lixões”, afirma o coordenador do projeto. A prática visa à troca de créditos de carbono com os combustíveis fósseis e a redução da emissão de gases poluentes na atmosfera.
Depois que se retira a polpa do açaí, sobra o caroço. Do caroço, pode-se, ainda, aproveitar as fibras, que hoje são utilizadas, industrialmente, em estofamentos ou isolamentos acústicos, para, em seguida, transformá-lo em biomassa. Apesar da quantidade de caroços de açaí descartados ser grandiosa, o professor Gonçalo Rendeiro explica que não poderia haver superprodução de energia suficiente para abastecer, por exemplo, toda a RMB, uma vez que a demanda na zona urbana é grande.
Em pequenas comunidades, porém, a energia gerada pela queima dos caroços de açaí é facilmente aproveitável. “Temos aplicação desse projeto em comunidades de duas a três casas, na Ilha do Combu, as quais têm renda garantida pelo açaí. Lá mesmo, nas comunidades, o açaí é retirado para venda ou subsistência. Agora, eles podem, também, aproveitar os caroços da fruta como combustível para gerar energia no próprio local”, conta Rendeiro. O EBMA desenvolveu um microssistema de geração de energia para ser utilizado por pequenas comunidades na queima do caroço de açaí.