Escolas preparatórias para ditadores

Sobre este último, muitos sociólogos, filósofos e cientistas políticos já emitiram opiniões:

“Olavo de Carvalho é um obscurantista, retrógrado, seu discurso é puramente ideológico e não tem sustentação argumentativa, seu pensamento representa uma ameaça para o sistema universitário e para a ciência” (1). “Sua notoriedade advém da quebra dos padrões do politicamente correto e, por consequência, não se compromete com a correção na política e menos ainda no reconhecimento dos direitos, diversidade, diferença sem desigualdade e um país pluriétnico”( 2).

“Olavo é um representante do discurso de ódio no Brasil” (3). “Em seus escritos abundam afirmações delirantes, preconceituosas e intolerantes. Nesse processo, foi abandonado pela direita inteligente e assumiu a condição de guru de uma turma desprovida de formação, movida a ódio e ressentimento” (4).

“A obra de Carvalho nunca foi uma referência no ambiente acadêmico e é absolutamente irrelevante do ponto de vista filosófico” (5). “Sua fala se mostra persuasiva e eficaz por abordar os medos e as inseguranças do homem comum apresentando uma explicação simples, mas equivocada, para os problemas atuais: marxistas, feministas e gays teriam provocado a crise da civilização cristã e empurrado a sociedade para o abismo. “(6).

O que a Academia, entretanto, não explicita claramente é que Carvalho é simplesmente embrião de uma escola formadora de ditadores, tendo dentre seus discípulos mais insignes a família Bolsonaro e seus acólitos!

Algumas das mais importantes lições, que os mais representativos ditadores da história moderna deixaram para a posteridade, foram por Olavo perfeitamente aprendidas. Seus princípios são as bases do que ensina. Vamos às principais lições:

Primeira lição: Um verdadeiro candidato a ditador deve desejar o poder pelo poder e toda sua voluptuosidade estará no exercício de mandar. As ideias, as reformas, o dinheiro, as mulheres ou os homens, os carros, o luxo, são para ele instrumentos ou objetos de poder, nunca o contrário. O possuído pela autêntica vocação pelo poder total não sonha senão com o poder. O mando absoluto é sua ideia fixa, sua profissão e família, seu prazer.

Todo o potencial psíquico é absorvido por este único ponto, e o futuro ditador facilmente aparenta ao vulgo ser um indivíduo extraordinário, um Mito, e somente assim torna-se O Chefe. E a superioridade do chefe ditador sobre seus adversários é essencialmente esta: ele aspira ao poder, só ao poder e nada mais senão ao poder! Os gregos, inventores da democracia, não tinham a menor dúvida sobre o caráter passional da tirania.

Segunda lição: Um aspirante a ditador jamais deve fazer apelo ao espírito crítico de seus ouvintes! Um chefe fascista, arquétipo do ditador, deve saber arrastar, inflamar, exaltar, inspirando ódio e desprezo para com os intelectuais e para os que com ele se atrevam a discutir ou opor-se.

Terceira lição: Um líder jamais deve se permitir ser questionado perante seus crentes. É esta estreita identificação entre chefe e massa que cria a forte coesão administrativa dos partidos totalitários. Que importa que o chefe diga e faça hoje o contrário do que dizia e fazia ontem e mande matar inocentes como Marielles, apenas para desafiar as instituições democráticas? Ora, o elo mais forte que liga o chefe a seus cordeiros não é ideológico, programático ou ético, “se meu chefe age daquela maneira é porque tem razões para fazer”.

Os mais fiéis crentes seguidores do ditador são pessoas que nunca tiveram êxito na vida, embora creiam que o hajam merecido; seus fracassos eles os debitam exclusivamente à falta de sorte ou escrúpulos. Acabam mesmo ficando orgulhosos por seu chefe ser tão esperto e forte, e saiba exterminar adversários, considerados como inimigos, implacavelmente.

Estes vencidos da vida, gente para quem a existência já não tem sentido e nem valor, são os recrutas ideais dos empresários do terror. A política totalitária é para eles um estupefaciente. O dinheiro não perde nenhum de seus atrativos, mas sua audácia na internet e nas lutas de rua depende de algo mais.

Quanta lição: Os candidatos a ditadores fascistas sempre devem se abster de apresentar qualquer programa reconstrutivo; em vez disto propagam uma ideologia representada por símbolos racistas, xenófobos, homofóbicos e de nação. O próprio atentado sofrido por Bolsonaro em 2018 foi-lhe de extrema utilidade: não necessitou participar de qualquer debater, apresentar qualquer programa de governo!

Os candidatos devem enveredar pela política de desacreditar todo o sistema tradicional dos partidos políticos, tornando-os responsáveis por todos os males da nação; nesse sentido, buscam erguer contra as instituições democráticas o ódio das massas.

Mesmo a aparente civilização das classes médias é um verniz que se desfaz em situações de estresse social. Em todos os degraus da escala social dormitam resíduos de mentalidade primitiva, pré-lógicos e alógicos.

O fascismo forma-se, pois, fora de toda e qualquer discussão; contra a razão da política, o fascismo faz apelo aos instintos atávicos, à voz do sangue, à tradição, à mística dos rebanhos de ovelhas, à necessidade da massa em crer num chefe, num messias, à salvação corporal e espiritual baseada na obediência de ordens. A tudo o que quiserem, mas nunca à razão!

Quinta lição: O chefe não é normalmente um grande orador no sentido tradicional; lembra, sim, um propagandista de guerra, que incita os soldados antes de um ataque e, outras vezes, um improvisado chefe de soldados amotinados.

De todo modo, ele é um ator e como tal sabe que representa um jogo. E esse modo veemente, inculto de falar e de se portar, serve para se aproximar ainda mais da massa que acaba por ouvir nele sua própria voz.

Sexta lição: A fala fascista é falsa e artificial, repleta da violência. Como de tão comum a mentira tornou-se vulgar, os movimentos totalitários são obrigados a levar as mistificações ao extremo.

O destino do candidato a futuro ditador é o tudo ou o nada! A coragem de um aspirante mostra-se principalmente na fria calma com que ele sabe expor seus sequazes e seus adversários ao perigo, mantendo-se a si mesmo a salvo, sem que o pareça, evidentemente.

Sétima lição: Ao contrário dos partidos políticos cujo duelo é verbal e de papel, com as eleições, os fascistas são normalmente homens da violência, veteranos de guerra ou policiais, milicianos ativos. Para eles, a política é a continuação da guerra por outros meios.

A desordem é o húmus do fascismo. Somente ela sistematicamente paralisa a vida da nação e faz brotar a revolta contra as instituições nos homens da rua. Nenhuma vez se viu uma tirania se implantar agitando outra bandeira que não a da “verdadeira liberdade.”

Acontece que então, setores cada vez mais numerosos do exército, da polícia, da magistratura e da burocracia estatal começam primeiro em segredo e, depois, abertamente a apoiar o partido fascista.

Oitava lição: O fascismo como qualquer outro governo totalitário não surge para corrigir os defeitos da democracia, mas para levar ao paroxismo seus defeitos. Dentre as qualidades a abolir o tirano e seus sequazes terão a pluralidade de partidos, a liberdade de imprensa, a liberdade de ensino, a liberdade religiosa, a organização independente dos trabalhadores, a pluralidade de opiniões, a razão científica, a ausência de discriminação racial, religiosa, de gênero. Não se trata de pouca coisa, mas de TODAS AS CONQUISTAS CIVILIZATÓRIAS!

Hitler, Mussolini e Stalin, déspotas diferentes, mas exemplares do século XX.

Boris Suvarine, dirigente do Partido Comunista Francês e da III Internacional, foi um dos primeiros a descrever com perspicácia o dirigente soviético Joseph Stalin, ainda 1924! Para Suvarine, causava espanto a desproporção entre a vontade e a inteligência daquele que seria o continuador de Lênin, quando de sua morte: “Jamais foi um intelectual, tão pouco brilhante em nada. Mas paciente, meticuloso, sóbrio em ilusões e palavras, e, sobretudo, seguro do seu desprezo pelos indivíduos, dentro de uma falta absoluta de princípios e de escrúpulos”. Stalin deve, na verdade, seu êxito político aos seus adversários, mais que a ele próprio: “Não teria conseguido impor-se sem fino faro, sem faculdades naturais de intriga e uma liga eficaz de sangue frio e energia.”

Stalin era hábil em demorar soluções desfavoráveis, em dividir seus inimigos, em rodear obstáculos, não recuando perante nada que tivesse possibilidade de apressar-se, de ferir, de expulsar. Stalin, homem desconfiado e fechado, confidenciou a Kamenev, enquanto este lhe convinha como aliado: “não há nada tão delicioso quanto tramar minuciosamente uma armadilha em que se saiba que o adversário cairá inevitavelmente, e ir para cama, dormir”.

Hitler, em Mein Kampf, descreve uma passagem alegre dentro de um livro absolutamente lúgubre: um comício durante o qual os seus S.A. espancaram os adversários até todos fazem sangue! Diverte-se com o assassinato de dois jovens, um deles judeu, comprovada pela observação de sua circuncisão!

Goebbels, em uma frase definiu a necessidade de um ditador: “A massa é um fraco, preguiçoso e vil aglomerado de homens. A massa é matéria amorfa, só por obra de um homem de estado pode tornar-se povo e o povo, nação”.

Foi a preocupação de aproximar-se das massas operárias que levou Hitler a inventar o nome do seu partido: Nacional-Socialista. Mussolini primeiramente batizou seu partido de “Partido Fascista do Trabalho.” Mas o Trabalho pulou fora do nome quando ele chegou ao Poder.

Antes da tomada do poder político, em 1920, o discípulo anarquista Mussolini disse: “Abaixo o Estado em todas as suas formas e qualquer que seja sua encarnação. O Estado de ontem, de hoje, de amanhã, o Estado tradicional burguês e o socialismo. Nada mais restam a nós, últimos sobreviventes do individualismo, a religião sempre consoladora do anarquismo.”

Quando após dois anos, em 1922, o fascismo tinha possibilidade de chegar ao poder, o futuro ditador disse: “O século da democracia terminou, um século aristocrático como o nosso, pertence ao passado. As novas gerações proíbem que a democracia impeça as novas vidas do futuro.”

Para as milícias fascistas chegarem ao poder, em 1923, bastava que o Exército Italiano se mantivesse “neutro”, frente a um país desarmado, e o Exército assim o fez. Mussolini foi nomeado primeiro ministro pelo rei e deu-se o título de “Duci”. O ditador “Duci” Mussolini escreveu, então: “Para o fascismo, o Estado é o absoluto, ante o qual os indivíduos e os grupos não são mais que relativos.”

Eis o ciclo que guia o ensino, no século XXI, do canhestro Olavo de Carvalho e do “coaching” de ditadores, Steve Bannon!!!!

Referências

1. Daniel Tourinho Peres, da Universidade Federal da Bahia.

2. Bruno Lima Rocha, doutor em ciência políticas.

3. Liriam Sponholz, da Alpen-Adria-Universität em Klagenfurth, e Rogério Christofoletti, Universidade Federal de Santa Catarina.

4. Flávio Moura, doutor em Sociologia.

5. José Arthur Giannotti, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

6. Álvaro Bianchi, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

7. Semprum, Jorge. Escola de Ditadores.

8. Silano, Ignazio. Escola de Ditadores.

9. Dobson, W.L. Escola de Ditadores.

Espaço Literário Marcel Proust

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *