Educação em prisões: cenário atual e desafios

Leila Leal – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

Pessoas em situação de cárcere perdem apenas o direito à liberdade, mas continuam a ter todos os outros garantidos. Nesse sentido, como garantir o direito à educação para essa população? Mais ainda: como superar o senso comum que compreende a oferta de educação à população carcerária como um benefício ou mesmo um privilégio concedido a criminosos, e avançar junto à sociedade no entendimento de que a educação é um direito de todos, sem distinções, e um dever do Estado?

Essas questões foram o ponto de partida para os debates travados no Seminário Internacional sobre Educação em Prisões: convergências e perspectivas, realizado em Brasília entre os dias 7 e 10 de junho. Promovido pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Justiça (MJ) em parceira com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), o Seminário reuniu cerca de 400 pessoas, entre educadores, profissionais do sistema penitenciário, gestores, pesquisadores, representantes do poder público e da sociedade civil. As discussões abordaram temas como a educação ao longo da vida entendida como direito humano, as políticas públicas para a área, a formação e valorização dos profissionais, a cooperação internacional com países da América Latina e da Europa, a relação entre educação e outras dimensões como trabalho, saúde e cultura nas prisões e muitos outros. Com essa matéria, iniciamos uma série especial sobre a educação em prisões, que tratará dos assuntos discutidos no evento.

Aprovação das Diretrizes Nacionais: início de novo processo

André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), afirmou em sua fala na mesa de abertura do evento que o Seminário se configura como o ponto de chegada de um processo e, ao mesmo tempo, o ponto de partida de um novo momento para a garantia da educação em prisões. O ponto de chegada refere-se à homologação, pelo MEC, em maio, das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais , que haviam sido aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em março. Segundo o secretário, o grande desafio agora é garantir a implementação das diretrizes. “A educação em prisões é um tema-limite, que coloca em xeque concepções de humanidade e educação. O Estado precisa fazer a sua parte, para que os profissionais possam desenvolver a sua atuação. Hoje, a oferta de educação em prisões ainda é muito inferior à demanda, atingindo cerca de 10% dos presos. Precisamos ter a compreensão de que na vida aprende-se sempre, em qualquer situação. A questão é o que se aprende, como e com quem. Hoje, as prisões ainda são ‘escolas do crime’. As diretrizes aprovadas são um avanço e um ponto de partida. Precisam ser implementadas”, disse.

A avaliação foi compartilhada por André Cunha, coordenador de Políticas Penitenciárias do Ministério da Justiça. Ele destacou a importância da parceria firmada entre o MEC e MJ em 2005 para a criação das condições de padronização da oferta de educação prisional em todo o país. “O processo era muito fragmentado até 2005, quando MEC e MJ iniciam uma cooperação que dá início ao Projeto Educando para a Liberdade. A aprovação das Diretrizes é a maior vitória desse projeto. Agora, os estados precisam criar planos de implementação operativos para garantir o que foi aprovado”, analisou.

Panorama

Os dados publicados no parecer do Conselho Nacional de Educação que aprova as diretrizes para a educação em prisões demonstram que 11,8% dos presos são analfabetos. Mas a principal deficiência na formação refere-se ao ensino fundamental: 66% da população carcerária não o concluiu. Também chamam atenção os dados referentes ao perfil etários dos presos: 73,83% são jovens, com idade entre 18 e 34 anos. Um vídeo exibido durante o Seminário, com animações e dados consolidados pelo Ministério da Justiça em 2006, elucidou outros aspectos do perfil da população prisional brasileira: dos cerca de 470 mil presos no país, 95% está na faixa dos considerados ‘pobres ou muito pobres’, 65% são negros, dois terços cometeram crimes sem ato de violência, apenas 8,9% cometeram homicídios e a taxa de reincidência dos presos libertados em crimes fica entre 50% e 80%.

Muitos participantes do evento destacaram que esse perfil deve ser compreendido para a elaboração dos projetos político-pedagógicos das escolas em sistemas prisionais, que precisam ter suas especificidades reconhecidas: “A solução não pode ser transpor a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) regular mecanicamente para as prisões, mas sim trabalhar com a realidade desses alunos. O sistema prisional é um ambiente muito diferente, sustentado por um tripé que precisa ser atacado simultaneamente e em várias áreas: o entendimento da violência como regra geral, admitida em todos os níveis; a tolerância com a corrupção em suas várias formas, como moral, material e de dignidade; e a lógica do prêmio e do castigo sob todos os aspectos”, analisou Roberto da Silva, professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Além da necessidade de reconhecimento das especificidades do sistema prisional, os debates no Seminário apontaram como eixos para a garantia do direito à educação nas prisões a elaboração de políticas intersetoriais integradas nas áreas de saúde, trabalho, cultura e lazer, a garantia de financiamento público das escolas, o aumento da oferta de educação nas prisões, a elaboração de políticas para os egressos (como forma de diminuir a reincidência dos ex-presos), a formação de profissionais de educação e do sistema prisional a partir de conteúdos específicos e o planejamento estrutural das prisões para a instalação das escolas ou salas de aula.

Outro aspecto muito ressaltado foi a importância da incorporação dos agentes penitenciários aos projetos de educação, como parte da formação da consciência da educação como direito de todos: “A reação da sociedade em geral à garantia dos direitos humanos nas prisões é negativa, o que se expressa na equipe profissional dentro da prisão. É preciso levar em conta, para o trabalho educacional, o agente penitenciário, que tem um perfil educacional semelhante ao do preso. Temos que garantir a educação também para quem trabalha nas prisões, justamente porque não se trata de um privilégio e sim de um direito humano”, defendeu André Lázaro.

Nas próximas semanas, as matérias da série sobre educação em prisões tratarão das experiências internacionais, da articulação entre educação e trabalho nas prisões e das experiências de políticas públicas já implementadas. Acompanhe!

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