Enfrentar uma pandemia numa era ultraglobalizada trouxe algumas características inéditas, que exigem uma reflexão acerca do papel do Estado. Em relação ao Brasil, esse ineditismo possibilitou finalmente evidenciar o debate da desigualdade social e a urgência de políticas públicas sob novo enfoque. Recentemente, a economista Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, lançou o livro Curto-Circuito: O Vírus e a Volta do Estado. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, Laura destaca o surgimento da crise econômica a partir de uma crise sanitária, ao contrário dos últimos colapsos econômicos globais. Por isso, os instrumentos de combate também são outros, necessitando quebrar o elo macroeconômico entre consumidores (que não devem se expor ao contágio) e produtores (setores que levam aglomerações de pessoas a paralisados).
“É importante destacar que a crise não é gerada pelas medidas quarentenárias impostas, que são respostas para a origem da crise, que é a pandemia. Nós não conseguiremos sair dessa crise econômica enquanto as pessoas estiverem preocupadas, inseguras, com medo do contágio”, explica a professora. Particularmente, o Brasil enfrentava um momento desfavorável em relação aos outros países na pré-pandemia no combate ao vírus: lenta recuperação econômica pós-crise de 2015/16; nível de desemprego superior a 11%; informalidade recorde; histórica desigualdade social e desproporção na disponibilidade de leitos de UTI na rede pública e privada.
De acordo com Laura Carvalho, são muitos os elementos que prejudicam a capacidade brasileira em reduzir o contágio do vírus. Devido a isso, no seu livro ela aponta a necessidade de repensar o papel do Estado, indo além de utilizar mais ou menos recursos. Para tal, são apresentadas cinco funções do Estado: o de estabilizador da economia, investidor em infraestrutura física-social, protetor dos mais vulneráveis, provedor de serviços e empreendedor. Ela ressalta o papel do Estado empreendedor, que possui uma visão de longo prazo do que deve ser um modelo de desenvolvimento ideal no Brasil.
“É o elemento que estamos mais distantes de algum planejamento estatal que nos permita crescer de uma forma mais sustentável”, enfatiza. Esse crescimento se dá no investimento estatal, com o Estado participando do desenvolvimento científico e tecnológico, garantindo uma estrutura produtiva que faça frente a desafios e que mire uma estrutura produtiva do século 21 que seja sustentável e inclusiva.
“O livro trata de papéis e perspectivas históricas com evolução, problemas e deficiências. [Mostra também] como a pandemia ajuda a tornar concreta as nossas demandas em relação ao Estado e como reorganizaremos esses papéis e quais mudanças seriam necessárias para isso”, adianta a autora e economista.