Falando da luta internacional da mulher e malunga Thereza Santos
E agora, falamos nós!
Agora falamos coletivamente, numa luta muitas vezes tocadas solitariamente por Thereza Santos.
Em 08 de março, quando a luta feminina é festeja internacionalmente, fazemos festa em torno de Thereza Santos e de sua contribuição com a educação antirracista e cultura brasileiras.
Carioca, radicada em São Paulo, exilada na Guiné – Bissau e Angola, Thereza Santos viveu e promoveu um despertar da consciência de ser negra nos espaços por onde passou ao longo das sete décadas somadas em sua trajetória.
No Rio de Janeiro a menina Jaci inicia a percepção da diferença. Ser negra faz diferença e, em sua história ainda em curso, Thereza optou pelo discurso do reconhecimento da diferença como caminho para construção de práticas reparadoras das desigualdades sempre negadas pelo discurso da democracia racial. Nascida em condições sociais melhores que a maioria dos negros brasileiros, Thereza frequentou a universidade quando poucas negras lá estavam, mas buscou um percurso que a levava de encontro a esta maioria presente na Mangueira e em outros espaços onde realizou trabalhos de formação de jovens.
Filósofa, educadora, atriz e escritora Thereza observou a sociedade brasileira de diferentes ângulos, mantendo sempre o ponto de vista da mulher negra, no qual estão incluídas opressões sempre abordadas e combatidas em um discurso militante desta atenta observadora do território brasileiro e das relações étnico-raciais aqui estabelecidas:
Temos dificuldade de perceber que esta sociedade nos jogou em um buraco, primeiro em nome da “servidão cordial” e depois da “democracia racial” e ainda vive buscando formas de nos oprimir. Além disso, tirou de nós o direito mais elementar, que é a vida, não só pela brutalidade da violência policial, mas também pela falta de emprego, de direito à saúde, de escola e de moradia. Muitos negros têm dificuldade de enxergar esta realidade, porque preferem, para conseguir sobreviver, serem cegos, surdos e mudos.
Talvez seja mais fácil, mas é um ato de profunda covardia, neste país profundamente desigual. É necessário, portanto, coragem, ver este país de frente.
É doloroso, mas devemos preservar a única coisa que temos: a nossa dignidade e respeito (2008, p. 134-134).
Em São Paulo Thereza arte e política se misturaram na vida da atriz desta atriz que participou do Teatro Experimental do Negro e da experiência de ingressar no Partido Comunista Brasileiro, exercendo pioneirismo na presença de mulheres negras na organização político-partidária. Por conta desta passagem pelo partidão, foi presa e, ao ser posta em liberdade teve opção de escolher entre um exílio na União Soviética ou na África. Coerente com sua opção de descobrir-se como negra optou pela imersão na cultura africana e conhecimento das matrizes da cultura brasileira e da história negra iniciada naquele continente e desconhecida no Brasil.
No continente africano, dividiu-se entre aulas de formação para crianças e jovens guineenses. A experiência como educadora na Guiné – Bissau aproximou Thereza da realidade local e da inconcebível condição colonial ainda imposta aos países africanos no século XX. A liberdade buscada pelos países africanos nos anos 1960-70 foi sempre prioridade para Thereza, simpatizante das lutas locais e marcada por uma nova detenção em Angola.
Na Guiné- Bissau, Thereza , colaborou com o projeto libertário idealizado por Amílcar Cabral, no qual a educação é um ponto central. No solo guineense Thereza vive também a experiência de participação na guerrilha, registrando também sua presença na luta armada contra a opressão naquele contexto exercida pela empresa colonial.
De volta ao Brasil, Thereza traz na bagagem muitas histórias para contar e muita vontade de fazer outra história a partir da formação de negras e negros brasileiros conhecedores de sua história.
No cenário paulista de construção dos movimentos negros Thereza se movimenta em diferentes frentes, abrindo visibilidade para a temática do negro no teatro, junto com Eduardo Oliveira, assina o espetáculo “ E agora falamos nós”. Em sua autobiografia Thereza enumera feitos que comprovam sua colaboração com as relações étnico-raciais, abordando passagens que permitem inferir sua adesão às ações afirmativas em diferentes espaços sociais e profissionais:
Era de minha responsabilidade solicitar às produtoras os modelos para os comerciais, (…) Eu me perguntava: se os negros estavam incluídos no público-alvo, por que também não vender os produtos? Então, eu pedia que fosse incluído no material a apresentar aos clientes com relação à criação modelos negros. Algumas vezes percebi um pouco de mal-estar, mas ninguém me dizia para não os incluir. Eu continuava, assim consegui emplacar crianças negras (…) (2008, p.88).
Por tantos discursos emplacados, Thereza merece nosso olhar respeitoso de mulheres que reconhecem nela uma mais velha cheia de sabedoria a ser compartilhada e aproveitada na árdua tarefa de construir a educação étnico-racial em um país marcado por “profundas covardias” neste terreno.
Lançado em 2008, o livro “Malunga Thereza Santos: a história de vida de uma guerreira” é um testemunho parido pela lucidez desta militante viva. Um belo presente para ser lido hoje e nos proporcionar exemplos de resistência protagonizados por esta mulher que luta contra adversidades na saúde frágil, demonstrando uma força exemplar para nós que, brancos ou negros, acreditamos e lutamos por igualdade, respeito e valorização de seres humanos respeitados em suas especificidades.