Domésticas: saga pela dignidade

ROGÉRIO VERZIGNASSE

Maria Helena vem até o portão e recebe a reportagem. Esguia, de lenço da cabeça, ela dá boas-vindas com a voz pausada, baixinha. O visitante atravessa a saleta do sobrado e passa pela estante onde são guardadas as telas. A senhora, de 66 anos, aproveita a merecida aposentadoria para pintar. Hoje em dia, nem os vizinhos do Jardim Monte Líbano, no limite entre Campinas e Valinhos, a conhecem bem. Mas, no começo dos anos 90, ela era famosa. Dirigente sindical, era fotografada e dava entrevistas que ganhavam páginas inteiras do jornal. Naquele tempo, ela era presidente do Sindicato das Empregadas Domésticas de Campinas e Região.

O destino fez com que Maria Helena Fidélis Santiago deixasse a função. Portadora de câncer, ela foi submetida a uma cirurgia complicada para a retirada de tumores no estômago e no baço. Chegou a ser desenganada pela equipe médica do Hospital Irmãos Penteado. Mas, por graça divina, ela saiu viva da mesa cirúrgica. Se recuperou em casa. A fase difícil antecipou sua aposentadoria.

Mas ela nunca abandonou a paixão. Participa voluntariamente de reuniões esporádicas do sindicato, como uma espécie de conselheira. O empenho tem razões históricas. Mineira da região de Viçosa, ela veio para Campinas com os pais e sete irmãos nos anos 70. Era o auge do êxodo rural, época em que as famílias abandonavam a roça à procura de trabalho na cidade. Por aqui, Maria Helena trabalhou em um frigorífico, uma confecção e uma fábrica de máquinas de costura. Mas, no final daquela década, a crise econômica causou desemprego. Sem dinheiro, ela virou doméstica.

Trabalhando nas casas de famílias, se sindicalizou e passou a conviver com a realidade trágica da categoria. Se sucediam, em lares campineiros, casos de exploração, discriminação e racismo. Época que as empregadas não tinham registro em carteira. Sequer recebiam salário mínimo. ?Foi um processo longo, que exigiu da categoria anos de muita luta?, diz.

Maria Helena tornou-se personagem até de uma dissertação, desenvolvida no ano passado por Emanuela de Oliveira, mestra em antropologia social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outras sindicalistas campineiras foram ouvidas: Anunciação Marquesa dos Santos Almeida, Regina Simeão, Encarnação Maria de Melo Marcondes. Mulheres que deram muito suor para que, ao longo do tempo, a categoria ganhasse respeito da coletividade.

Hoje, a ex-presidente do sindicato diz, aliviada, que existe a conscientização dos patrões. Além de registro em carteira, a categoria conta com férias e remuneração digna. Se foi a época em que a trabalhadora não tinha hora para voltar para casa. Faltam, sim, algumas conquistas: fundo de garantia, o salário família, o plano de saúde… Os benefícios, confia, vêm à medida que tomam posse governantes comprometidos com o social.

Mas um detalhe a preocupa. Os líderes ainda na ativa estão às portas da aposentadoria. Ela não sente, nas novas gerações, engajamento na causa. ?Nossas adolescentes têm agora mais acesso à educação. E nem imaginam trabalhar como domésticas?, fala, explicando que a categoria carrega, historicamente, a fama injusta de ser formada por profissionais de segunda categoria.

Laudelina

Na semana passada, Maria Helena se dedicou a uma causa especial. Ela arrecadava documentos e fotos antigas para comemorar o aniversário de Laudelina de Campos Melo, ícone do movimento sindical campineiro, que completaria 104 anos no dia 12 de outubro.

Antes de fundar em Campinas a associação que se tornaria o sindicato atual, Laudelina criou em Santos um grupo de difusão da cultura negra. Também por lá fundou, ainda em 1936, a primeira associação das trabalhadoras domésticas brasileiras. Veio para Campinas em 1949.

Por fundar por aqui uma entidade trabalhista de inspiração comunista, ela foi detida e prestou depoimento na delegacia. A entidade, fechada pela ditadura em 1968, só reabriu as portas em 1982. Laudelina voltou à ativa quando já era viúva. Até seu filho único tinha morrido. Numa atitude tocante, doou à categoria a própria casa, na Vila Castelo Branco. A líder morreu no dia 22 de maio de 1991. Hoje em dia, procuro preservar a memória de uma cidadã que, de maneira notável, ajudou a dar dignidade às empregadas domésticas?, fala Maria Helena.

Saiba mais

As pessoas interessadas em saber detalhes da história do movimento sindical das empregadas domésticas em Campinas podem entrar em contato com Maria Helena pelo telefone (19) 3271-7417. A sede do sindicato da categoria fica na Rua Ataulfo Alves, 396, na Vila Castelo Branco.

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