Refletindo a tolerância para a construção de uma democracia.
“O egoísmo não consiste em vivermos conforme os nossos desejos, mas sim em exigirmos que os outros vivam da forma que nós gostaríamos. O altruísmo consiste em deixarmos todo o mundo viver do jeito que bem quiser”.
Oscar Wilde.
Antes de qualquer coisa precisamos ponderar que quanto a tolerância é necessário admitir que “tolerar” é primeiramente reconhecer a liberdade de “existir” do “outro”, desse “outro” ser diferente na maneira de agir, pensar, crer, amar, se relacionar, enfim a liberdade incondicional de “ser”.
Num primeiro momento, o conceito de tolerância nos remete a uma relação vertical entre os indivíduos, e, portanto, antiética, uma vez que pressupõe uma situação de desigualdade, ou seja, alguém se coloca como modelo a ser seguido, pois se julga mais civilizado, educado, normal, de uma cultura superior dentre outros atributos, e toma uma atitude de “benevolência” em relação ao “outro”, julgado inferior, anormal, selvagem, incivilizado. Este foi o sentido de origem do termo tolerância durante a modernidade européia (idade moderna), olhar do ponto de vista do vencedor. Entender a construção histórica dos sentidos deste conceito para assim contrapormos a um outro do ponto de vista do vencido, do oprimido é algo que precisa ser refletido.
Durante o período da idade moderna, o sentido mais relevante do conceito de tolerância pode ser reconstruído articulando duas esferas que se interpenetram: A religiosa e a política. O valor ético de tolerância surgiu da tensão entre identidade e diversidade religiosa, a tolerância à diversidade de posições religiosas não chegou a ultrapassar, no entanto os limites da identidade do próprio cristianismo como a única religião verdadeira.
Na esfera política o termo tolerância no ideário burguês também revelou uma forte influência do princípio de identidade, muito embora tenham tido o discurso da diversidade nos chamados valores universais iluministas, como os direitos fundamentais do homem; na realidade não levaram em conta a diversidade étnica, racial e cultural de toda a humanidade.
Os intelectuais da América latina na última década do século XX, contribuíram decisivamente para uma nova concepção de tolerância em relação àquelas construídas na idade moderna européia, trataram de dar a tolerância um sentido concebido a partir das culturas dos povos latino-americanos e caribenhos, cientes e conscientes da exploração e da marginalização sofridas nos últimos 500 anos de sua história, e também da riqueza de sua diversidade cultural, e assim comprometeram o conceito de tolerância com o respeito a diversidade explicitada no mundo contemporâneo e ao mesmo tempo, conscientes do direito fundamental de cada povo à sua identidade, livre de formas de dominação econômica e ideológica que os excluía de uma vida material e cultural digna.
A partir de um encontro sobre tolerância na América latina e no caribe realizado na década de 1990 na cidade do Rio de Janeiro o conceito de tolerância passou a ter um tratamento novo, no que concerne ao contexto histórico em que foi trabalhado:um mundo movido contraditoriamente por forças homogeneizadoras e fragmentadoras. Contudo é necessário lembrarmos que o tratamento político do conceito de tolerância já havia sido iniciado nos anos de 1970 pelos críticos da democracia liberal norte-americana, como Marcuse.
A fala incisiva de Paulo Freire neste encontro realizado no Rio de Janeiro demonstrou a tendência ideológica deste conceito: “ Eu me bato muito pela tolerância, que para mim é ma virtude…revolucionária até…é esta possibilidade de conviver com o diferente para poder brigar como antagonista…o antagonista é diferente também,mas um diferente, diferente”.
A possibilidade da construção de uma cultura de tolerância implica na satisfação das necessidades fundamentais das grandes maiorias excluídas do bem estar material , cultural e espiritual. A fome, a pobreza, a marginalização, são resultados de situações de profunda intolerância e focos de novas atitudes de intolerância e violência. A tolerância não pode ocorrer em relacionamentos marcados pela desigualdade, onde ocorrer a dominação e a opressão entre indivíduos ou grupos sociais.
O ponto crucial da tolerância está na igualdade social, respeitar as diversidades culturais, sexuais, étnicas, não pode significar aceitar as desigualdades socioeconômicas. A tolerância deve ser uma ação solidária na superação dessas desigualdades, deve ser o reconhecimento das diversidades dos vários extratos sociais contrapondo-se a hegemonia de uma cultura dominante que oprimi e marginaliza as outras classes e grupos sociais.
Os limites da tolerância residem em primeiro lugar na não aceitação da intolerância, nem das relações de exploração entre classes e grupos sociais desfavorecidos, sem limites a tolerância seria a própria negação. O contrário da igualdade não é diferença, mas sim a desigualdade que é socialmente construída, somente a aceitação da diferença pelo princípio da tolerância não é o suficiente para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna e éclaro verdadeiramente democrática. A solidariedade é a virtude necessária para o enfrentamento das diferenças brutais e injustas, da desigualdade.Os preconceitos, a intolerância, dentre outras atrocidades podem ser combatidos não somente pela informação, mas também através da construção e do estabelecimento de valores como a tolerância, a ética, a honestidade, o respeito e o exercício real da cidadania.