No RS, a crise política está na baixa intensidade

No RS, a crise política está na baixa intensidade

21 de setembro de 2009, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

O Rio Grande do Sul vive um momento ímpar. Dentro de gabinetes, através da mídia estadual e nos tribunais, estamos em crise política. Tudo derivado de duas operações da Polícia Federal, a Rodin (alvo no Detran) e a Solidária (alvo no município de Canoas até a gestão passada), e que derivaram em denúncias do Ministério Público Federal (MPF/RS) envolvendo membros do governo Yeda Crusius (PSDB). Enquanto isso, nas ruas, pouco ou nada acontece. Quando acontece, a mídia de sempre já pauta o agendamento do tema como baderna. Assim, o que era para ser um hábito político torna-se exceção. Ao contrário das tradições políticas gaúchas, a baixa freqüência de mobilizações faz com que a cidadania assista a tudo como sendo um espetáculo. Motivos não faltariam para intensificar as atividades participativas. Uma das causas para essa pouca mobilidade é o “telhado de vidro” do ainda reformista PT gaúcho e as alianças espúrias feitas em nome da tal da governabilidade no Planalto Central.
Para compreender em que pé estão os passos e jogadas na política de intermediação profissional, vejamos algo dos últimos acontecimentos, sempre em termos de ilustração.

Breve retrospectiva recortada da semana que passou

Nos últimos dez dias, pequenos tremores ocorreram na Província. Após muitos trâmites, idas e vindas, na quinta 10 de setembro, o presidente da Assembléia Legislativa (Alergs), deputado estadual Ivar Pavan (PT), aceitou o pedido do Fórum dos Servidores Públicos, de abertura de processo de impeachment da governadora. Mesmo com maioria governista na casa, o aceite já foi motivo para bastante barulho. O Piratini contra atacou com propaganda oficial, acusando as forças do atraso em querer “desestabilizar” o governo. Nenhuma palavra sobre os processos correndo na Justiça.

O resultado foi, através de denúncias, o fato interessante do co-governo dos economistas neoliberais com os oligarcas de sempre serem obrigados pelo Ministério Público de retirarem parte do reclame do ar. Detalhe, tratava-se de propaganda de governo escancarada, em termos tão acintosos que nem a lei permitia.

De volta a Assembléia, além do impeachment, há outro foco na luta política. É a chamada CPI da Corrupção, presidida pela ex-prefeita de Alvorada, a muito contestada deputada estadual Stela Farias (PT). O governo garantiu o relator (dep. Coffy Rodrigues, PSDB), e pela regra da maioria, tenta impor o plano de trabalho, que de sua parte é solenemente ignorado pelos deputados da oposição. A bancada governista pode, através das regras, tentar abafar os efeitos políticos da CPI. Já a presidenta da Comissão, com acesso aos autos das provas do MPF, faz a divulgação do trabalho investigativo dos procuradores. Os resultados são imediatos, a julgar pelos conteúdos das conversas gravadas sob ordem da Justiça, e disponibilizadas neste link.

Vive-se a situação de martelo e bigorna. Os áudios batem e voltam, reproduzidos de modo a causar conflito dentro das mediações oficiais, como foi o bate boca no fatídico dia 15 de setembro último. Antonio Carlos Macedo, apresentador e âncora da Rádio Gaúcha (pertencente ao grupo co-governado por Pedro Parente), questionou os argumentos furados (tentando justificar o injustificável em meio a diálogos telefônicos gravados sob ordem judicial) expressos pelo ex-secretário da segurança do governo Germano Rigotto (PMDB), o político de Cachoeira José Otávio Germano (PP).

Seguindo no ciclo de pequenos tremores, na sessão da tarde de terça (15), a mesa diretora da Assembléia leu a denúncia de impeachment e a fundamentação de Pavan por decidir acatá-la. Deu-se um fato político completo com a transmissão ao vivo pela TV Assembléia, com galerias cheias e delegações de sindicalistas, encabeçados pelo Cpers (professores estaduais), a cantarem de mãos dadas o Hino Rio-Grandense. A bola de neve não parou aí.

Réquiem para o presidente do Tribunal de Contas do Estado que vive em crise política

Não se pode condenar a um agente público antes do julgamento conclusivo e com ampla defesa. Por outro lado, aqueles que exercem o dever de fiscalizar o uso e destinação do erário, não podem ter sobre suas cabeças suspeitas de mau uso de fundos públicos. Os titulares dos tribunais de contas dos três níveis de governo são órgãos fiscalizadores das finanças públicas. Este é o caso do presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Já na manhã da terça dia 15, Yeda sofreu outra baixa. João Luiz Vargas, presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), um dos réus da ação de improbidade administrativa fruto das denúncias do MPF/RS e aceita pela juíza da 3ª Vara Federal de Santa Maria, Simone Barbisan Fortes, pediu o boné. Há pouco mais de duas semanas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizara a quebra de sigilo fiscal e bancário do político com trajetória no PDT, ex-prefeito de São Sepé e ex-presidente da Alergs. Vargas renunciou ao cargo que exercia, onde era um alvo permanente, embora ainda não tenha sido julgado. No médio prazo, sua saída ajuda a atenuar as críticas sobre o governo. Nestes dias, é mais um fato político.

Em busca de alguma conclusão

A inflexão entre a crise política e os desmandos do neoliberalismo no pago não estariam nas denúncias por parte da bancada do PT na Alergs, preparando terreno para a campanha eleitoral do atual ministro da Justiça Tarso Genro. Diante de tanto barulho, vejo um impasse político adiante. A oposição não tem forças para aprovar o impeachment. Já o governo, por mais bancada que tenha, não consegue fazer a poeira baixar. Este cenário vai permanecer e a crise de baixa intensidade prosseguirá até o final do ano. De sua parte, a base de apoio do governo, irá negociar mais duro com o Piratini a aprovação até novembro do orçamento de 2010. Com ou sem crise, na política profissional não existe apoio grátis. A última troca de secretariado de Yeda atesta o argumento acima.

Se há alguma saída para o impasse político para além da roleta russa eleitoral, esta via se encontra nas causas do martírio do colono sem-terra Elton Brum da Silva. O que ocorreu em São Gabriel na manhã de 21 de agosto foi uma conspiração oficial, com grau elevado de conivência do governo federal e cujo reflexo poderia – e ainda pode – balizar novamente os movimentos populares do Rio Grande. Esta decisão passa por somar a luta reivindicativa à luta de longo prazo, peleando duro contra a reconfiguração “produtiva” da Província, que visa transformar o pampa em um tapete fornecedor de matéria prima de celulose.

Mas, como toda escolha, preferir uma via significa excluir ou relegar a segundo ou terceiro plano outras. E, como nos ensina a trajetória de outros agentes políticos organizadores de sujeitos sociais, romper com a inércia é mais custoso e demorado do que intensificar o volume e o nível das lutas. Uma certeza como analista eu tenho. Não sai impeachment algum se para isso for contar apenas as forças presentes na Alergs. Para derrubar um governo eleito com maioria parlamentar e apoio da direita econômica e oligarquia local – ainda que o Executivo esteja atravessado por suspeitas de corrupção – somente fatos político-midiáticos não bastam. Ou se constrói um consenso mínimo a partir das categorias e movimentos populares mobilizados, ou assistiremos a acumulação de capital político volátil a ser mal gasto e pessimamente empregado nas eleições de 2010.

E quanto ao empréstimo junto ao Banco Mundial, nenhuma palavra de força alguma. Por que será?

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