Foto de Valter Campanato/ABr – Representantes da CNBB, dom Guilherme Antônio; da Assembléia Popular, Rosilene Wansetto; do MST, Valdir Misnerovicz; e da Intersindical, Edson Carneiro Índio
Dez anos depois da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, 94,5% dos 3,7 milhões de brasileiros que participaram do plebiscito sobre a venda votaram contra a venda da empresa para a iniciativa privada. O resultado foi divulgado ontem (8) pelo Comitê Nacional da campanha A Vale é Nossa, organizador da consulta popular e formado por 64 entidades e organizações da sociedade civil.
Os movimentos, que realizaram a pesquisa em 3.157 municípios do país, lutam pela anulação da venda da companhia por meio da reabertura das ações que tramitam nos tribunais. Segundo o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no comitê, Julio Turra ressalta que o plebiscito foi a primeira de uma série de ações para pressionar a Justiça e o Congresso.
Na quarta-feira (10), os movimentos se reúnem com o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Os movimentos também pediram uma audiência no Palácio do Planalto. Ainda sem resposta, eles pretendem ao menos protocolar a entrega do resultado da consulta no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As entidades alegam que o destino da companhia é uma questão de soberania nacional. “A Vale é estratégica para o desenvolvimento do país, para a extração de recursos minerais e para a logística de ferrovias e portos”, afirma o índio Edson Carneiro, representante da organização Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora (Intersindical).
Os participantes do plebiscito, que ocorreu entre 1º e 9 de setembro, tiveram de responder à seguinte pergunta: “Em 1997, a companhia Vale do Rio Doce – patrimônio construído pelo povo brasileiro – foi gradualmente privatizada, ação que o governo e o poder judiciário podem anular. A Vale deve continuar nas mãos do capital privado?”
Segundo os organizadores da consulta, a falta de neutralidade da pergunta foi intencional. “Por ser uma iniciativa popular, tem que ter um direcionamento. Não pode ser neutra”, explica o bispo Guilherme Antonio Werlang, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Caso contrário, não estaríamos colocando a cara à mostra.”
Para o sociólogo e cientista político Eduardo Graeff – secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso e filiado ao PSDB – , a pesquisa “é mais um abaixo assinado” do que um plebiscito porque “não foi neutro e induz a opinião dos consultados”.
A declaração do presidente Lula de que o governo não pretende rever a venda da Vale, apesar do apoio do PT ao plebiscito, provocou surpresa nos movimentos sociais. “O posicionamento do presidente Lula foi uma reação que não esperávamos”, diz Julio Turra, da CUT. “No último congresso da CUT, em 2006, Lula foi explícito ao adotar uma resolução pela anulação do leilão da Vale”, rebate o sindicalista.
A privatização da companhia é questionada por 107 ações de pessoas físicas na Justiça, das quais 62 foram reabertas em 2005. A Vale foi vendida por R$ 3,3 bilhões, mas segundo o comitê da campanha, foi avaliada na época em mais de US$ 100 bilhões. Outra irregularidade seria a participação do Banco Bradesco, um dos compradores da companhia, do consórcio que avaliou a empresa e elaborou o edital do leilão. A prática, segundo os movimentos sociais, é proibida pela Lei de Licitações.
O comitê também questiona o empréstimo feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos compradores. Outro procedimento ilegal teria sido a sonegação de documentos em língua inglesa.
Maior produtora mundial de ferro, presente nos cinco continentes, a Vale atua em 14 estados e opera 9 mil quilômetros de estrada de ferro e dez portos. Mais de 50% da empresa está nas mãos do consórcio vencedor do leilão. Desse total, 21% pertencem ao Bradesco, 18%, a um grupo japonês, e pouco mais de 11%, ao BNDES. O restante são ações negociadas nas bolsas de valores.