Carta aos brasileiros sobre um Antonio estrangeiro

Foto: Rio Ribeira de Iguape

Sinopse: Grande empresário quer aumentar a sua produção industrial, visando exportação e é claro, lucro pessoal. E acha que por ser muito rico, pode ser dono de qualquer área, retirando pessoas e matas do local. Pouco se lixa para o que os donos da terra pensam ou querem… A história é comum na nossa injusta História. O desfecho é que pode ser diferente.

Local: Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo. Personagem principal: o Rio Ribeira de Iguape, o último rio paulista sem barragem. Os donos do rio e da terra: comunidades indígenas, quilombolas, caiçaras e caipiras, ribeirinhas centenárias. O elemento estranho: Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) do Grupo Votorantim. O dono do grupo: Antônio Ermírio de Moraes.

Histórico: Esta é uma luta que já dura mais de 20 anos. Desde 1987 a população do Vale do Ribeira vem conseguindo impedir que a CBA avance no projeto de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto no Rio Ribeira de Iguape, um rio federal. A barragem está prevista para ser elevada entre os municípios de Adrianópolis (PR) e Ribeira (SP). Neste tempo, surgiu o Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB) – com sede em Eldorado (SP) – e que se transformou num símbolo de resistência das comunidades quilombolas e ribeirinhas em defesa do Rio Ribeira de Iguape. Também foi criada a Campanha contra Barragens no Ribeira, fórum que reúne diversas entidades do Vale do Ribeira, entre elas: MOAB, o Instituto Socioambiental (ISA), a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), o Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania do Vale do Ribeira (IDESC), a Fundação S.O.S. Mata Atlântica, o Coletivo Educador do Lagamar, o Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (CEDEA), entre outras.

Projeto: Por ser um rio que atravessa dois estados – Paraná e São Paulo – o projeto desta UHE, com o seu respectivo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), está no IBAMA aguardando o licenciamento ambiental. No momento (03 de maio) estamos nos organizando para as audiências públicas, que devem ocorrer até o fim deste mês. No dia 24 de março deste ano, mais de 2.500 pessoas realizaram uma grande manifestação na BR-116 (Rodovia Régis Bittencourt), trecho entre Cajati e Jacupiranga, sul do estado de São Paulo, onde há um intenso tráfego. Ao final, os manifestantes – de mais de 10 cidades – fecharam a rodovia por quase meia-hora, num grande ato pacífico apoiado por boa parte dos motoristas. No dia 29 de março também foi realizado um ato público na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), onde o MOAB e cerca de 150 quilombolas e indígenas pediram o apoio dos parlamentares paulistas para a titulação de suas terras e para o tombamento do Ribeira. Entre os que apoiaram: Simão Pedro (PT), Raul Marcelo e Carlos Gianazzi (PSOL). Outras manifestações acontecerão.

A UHE Tijuco Alto tem como objetivo gerar energia elétrica para a indústria da empresa, na cidade da região de Sorocaba que perdeu o seu nome antigo – Mairinque – por causa da fábrica. O nome atual do município: Alumínio, óbvio. Isto tem acontecido em diversos lugares do Brasil: cidade ganha nome da empresa. É o cúmulo da apropriação capitalista. Esta usina seria a primeira das 4 barragens necessárias para abastecer sua exigente indústria, que beneficia a bauxita e produz matéria prima – alumínio – para exportação. A CBA é ligada ao Grupo Votorantim, do empresário Antônio Ermírio de Moraes, um dos homens mais ricos do Brasil. Este grupo empresarial também é responsável pela expulsão de diversos pequenos agricultores familiares no Rio Grande do Sul, para a plantação monocultora de eucalipto, que fornece celulose para a sua indústria de papel. O nome da empresa: Votorantim Celulose e Papel. Além deste problema das perdas econômica e cultural, há o problema ambiental: a monocultura do eucalipto retira uma grande quantidade de água do solo, transformando estas áreas em desertos verdes, de difícil recuperação.

Mitos: No Vale do Ribeira, declarado Patrimônio Natural da Humanidade em 1999 pela UNESCO não seria diferente. Numa época em que águas e matas com elevada biodiversidade são raridade, e que a falta delas contribui para o aquecimento global, a CBA desmataria e alagaria uma área de Mata Atlântica, além de interceptar e desviar o Rio Ribeira de Iguape, um rio que tem uma bela história e uma profunda riqueza. Não é o que os empreendedores vêem. No lugar da diversidade de etnias, povos, tradições, rios, riachos, rochas, matas, cavernas, cachoeiras, manguezais, praias, montanhas e costões rochosos, aos olhos da Votorantim só se vê $$$. E ainda usam o argumento de que a usina trará desenvolvimento econômico e controle de cheias. Mitos.

Quanto ao primeiro argumento, sabe-se que a grande maioria dos empregos gerados na região seria temporária, com mão-de-obra barata apenas para a construção da barragem nos municípios próximos à hidrelétrica (Ribeira-SP e Adrianópolis-PR). Os 1.400 técnicos realmente empregados seriam da região de Sorocaba e São Paulo, fora do Vale do Ribeira, mão-de-obra qualificada. Fica claro que esta é uma barganha desvantajosa a toda população ribeirinha do Vale do Ribeira, que terá comprometido seu modo de vida e sobrevivência, com prejuízo ambiental, cultural e econômico. O segundo argumento é outra falácia: a melhor forma de controlar as cheias é conservar e recuperar a mata ciliar com suas populações, que pouco impacto trazem e que contribuem para a prevenção deste alagamento. Margens com matas contribuem para uma maior absorção das águas (efeito esponja), o que aumenta o reservatório dos mananciais. É…como a Votorantim é boazinha, fazendo um grande empreendimento para controle de cheias do Ribeira: comovente.

Verdades escondidas: Além dos impactos diretos rio acima, pouco se tem falado dos impactos diretos rio abaixo. No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto, em nenhum momento é citada a influência que a hidrelétrica traria à sua rica foz, o Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, declarado Reserva da Biosfera da Mata Atlântica em 1991, também pela UNESCO. Os 4 municípios do estuário do estado de São Paulo (Iguape, Ilha Comprida, Pariquera-Açu e Cananéia) recebem uma quantidade colossal de sedimentos e nutrientes dos diversos rios da região, o maior deles o Rio Ribeira de Iguape. Este material é responsável pela vida e história de um imenso manguezal conservado, paisagem rara na região sudeste. Uma pequena alteração neste fluxo, mesmo que temporário, pode trazer um grande impacto na pesca, visto que boa parte das espécies de importância pesqueira depende do rico aporte de matéria orgânica vindas do Alto Ribeira. Se há um impacto negativo na pesca, a economia caiçara, baseada nela, fica comprometida. E com isto, a rica cultura deste lagamar se esvai. Já vimos isto na Foz do Rio São Francisco, história esta, contada na música Sobradinho, de Sá e Guarabira.

Com tudo isto acontecendo, chega a ser de uma tristeza hilária ver este senhor que tem o complexo de dono do mundo se colocando como “defensor do meio ambiente” no generoso espaço cedido pelos jornalões – parafraseando nossa Marilene Felinto – principalmente da Folha de São Paulo. Pior ainda é ver nos intervalos da TV e nos demais espaços publicitários, a CBA se autopropagar como responsável socioambiental.

O Vale do Ribeira, incluindo o lado paranaense, está se unindo para evitar que esta velha história se repita. Mas para que impeçamos esta tragédia socioambiental, precisamos de espaço na imprensa e de apoio técnico, jurídico e mobilizador de todo o Brasil e do exterior também. Venham para cá, conhecer a realidade e os mitos. Entrevistem as pessoas que vivem nesta rica região. Gostaríamos de poder dizer para todo o Brasil o que pensamos. E daqui a alguns anos queremos gritar que aqui no Rio Ribeira de Iguape, a história foi diferente.

Coletivo Educador do Lagamar

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