Foto: acervo Tupinambá – TI Tupinambá de Belmonte – ritual Poranci
O desaparecimento do indígena Deivid Charle dos Santos – Tupinambá de Belmonte – atinge seu 30º dia. A família está abalada, mas continua com esperanças de encontrá-lo vivo. A Polícia Civil baiana intensificou suas investigações e diligências.
Foto: acervo Tupinambá – Indígena Devid Charle dos Santos
Hoje o desaparecimento completa um mês. Na última segunda-feira (18 de fevereiro) investigadores da 1ª Delegacia Territorial de Eunápolis fizeram buscas numa mata perto da rede de luz no bairro Juca Rosa, zona Norte de Eunápolis. Segundo a Polícia testemunhas teriam visto uma pessoa parecida com Deivid passando de moto sem capacete na região, no dia 22 de fevereiro – dia do seu desaparecimento. Há suspeitas de que Deivid tenha sido morto no local, mas lá não foram encontrados indícios deste fato. O delegado titular 1ª Delegacia Territorial de Eunápolis Dr. Bernardo Marques Pacheco informou que as diligências continuam.
As lideranças indígenas baianas acompanham a situação com preocupação. Destacam a ligação do caso com a Cacica Cátia – de quem Deivid é enteado – e o conflito fundiário existente no Território Indígena Tupinambá de Belmonte.
Entenda o caso da Cacica Cátia
http://www.ciranda.net/Terra-Indigena-Tupinamba-de?lang=pt_br
Segundo o Cacique Aruã, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT), “a situação é bastante complexa e preocupante. Ela é desdobramento da questão territorial e do conflito fundiário existente no Território Indígena Tupinambá de Belmonte. A Federação tem articulado a acompanhando o caso. Em relação ao sumiço do indígena Deivid, enteado da Cacica, a FINPAT está acionando as autoridades do Estado para acelerar as investigações de modo que se chegue a um desfecho da situação”.
“a FINPAT está acionando as autoridades do Estado para acelerar as investigações de modo que se chegue a um desfecho da situação”
Cacique Aruã – FINPAT
O coordenador do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Kahu Pataxo ressalta que o movimento acompanha a situação“(…) conversamos com a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHS) do estado da Bahia sobre a situação. Estamos dialogando na busca de soluções para o caso. E esperamos engajamento e respostas dos órgãos responsáveis! O caso preocupa-nos muito porque não é primeiro. Ao contrário, casos semelhantes se multiplicam e precisam de esclarecimentos”.
“ Estamos dialogando na busca de soluções para o caso. E esperamos engajamento e respostas dos órgãos responsáveis!”
Kahu Pataxo – coordenador MUPOIBA
O Movimento Indígena da Bahia (MIBA) também segue o caso. O Cacique Zeca Pataxo entrou em contato com o coordenador da Polícia Civil na Região – Dr. Moises – e também com a 1ª Delegacia Territorial de Eunapólis. Ele pediu às autoridades maior agilidade e respostas mais rápidas para que todos possam ter ciência do que está acontecendo. Segundo o Cacique Zeca Pataxo:“É muito estranho! E com a situação da Cacica Cátia – que vem sofrendo várias ameaças – estamos preocupados com a possibilidade de que esta situação esteja relacionada às ameaças sofridas pela Cacica”.
“estamos preocupados com a possibilidade de que esta situação esteja relacionada às ameaças sofridas pela Cacica”
Cacique Zeca Patacho – MIBA
Ontem (20/03/2019), na Câmara Federal em Brasília, o Deputado Afonso Florence (PT-BA) foi a plenário pedir providências. Disse ele: “cobramos a apuração do desaparecimento do jovem David, Indígena Tupinambá, e a proteção do Cacique Babau e seu familiares que estão sendo ameaçados.”
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Federal na Bahia sobre a situação. O MPF respondeu que:“”As informações que temos são as divulgadas pela imprensa. O caso está sob investigação da polícia civil, que busca confirmar, inclusive, sua identidade indígena. No decorrer das investigações, a polícia pode contatar o MPF, caso entenda ser pertinente; ou algum cidadão pode procurar o MPF para fazer uma representação. Porém, até o momento, não há procedimentos sobre o assunto no MPF.“”
A confirmação da identidade indígena, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT) em sua convenção 169 sobre povos indígenas e tribais, do qual o Brasil é signatário, assegura a autodeclaração como fator preponderante no que se refere ao reconhecimento étnico. Já a Funai destaca que os critérios de definição de indígena são a “auto-declaração e a consciência de sua identidade indígena” e “ o reconhecimento dessa identidade por parte do grupo de origem”.
texto da convenção 169
sobre Critérios de Definição de identidade indígena
http://www.funai.gov.br/index.php/todos-ouvidoria/23-perguntas-frequentes/97-pergunta-3
A Associação dos Advogados/as (AAPIBA) comenta que acompanha “o caso desde 2018, a fim de fortalecer a resistência dos Tupinambás de Belmonte, já que, apesar da vocação constitucional do MPF para defender os direitos indígenas, em 2016 o MPF de Eunápolis se manifestou a favor da reintegração de posse contrária aos Tupinambas e em 2018 manteve-se silente na “nova ação possessória”. E destaca que “justamente por acompanharmos de perto a situação, estamos muito preocupados com a possibilidade do sumiço de Deivid ter relação com o conflito fundiário. Este cenário político de 2019, com forças antiindigenas ocupando o governo federal, nos deixa ainda mais alerta.”
sobre o caso ->http://www.ciranda.net/Tupinamba-de-Belmonte-obtem-nova]
Segundo o pai de Deivid, o indígena Tupinambá Carlos Alberto Santos de Almeida, “Deivid se identifica como indígena com orgulho. Participa dos rituais”. Ele destaca que o filho sempre foi bastante ativo na comunidade, tendo sido agente comunitário da Saúde no TI Tupinambá de Belmonte, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Belmonte na época em que essa ação era realizada diretamente por servidores públicos.
“Deivid se identifica como indígena com orgulho. Participa dos rituais”
Tupinambá Carlos Alberto Santos de Almeida, pai de Deivid
Foto: acervo Tupinambá de Belmonte: Indígenas participando do ritual chamado “Poranci”, onde entram em contato com sua espiritualidade. Deivid Tupinambá participa da roda.
A Cacica Cátia destaca que “o pai está muito abalado. É uma situação difícil. Deivid era o filho do meio de oito irmãos, muito querido”. A família está na expectativa de respostas. E destaca que estão sendo apoiados pelos movimentos indígenas da Bahia, pelos parentes indígenas, pela SJDHDS e pela Funai – destacando que o órgão Federal tem sido muito prestativo com a situação.
O Ministério Público Estadual, por meio da coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos, Dra. Márcia Teixeira, informou que “estamos aguardando as investigações, e nos colocamos à disposição caso algum cidadão ou cidadã, ou movimentos sociais vinculando-se ao tema deseje encaminhar representação”. O Conselho Nacional de Direitos Humanos realizará missão emergencial na região entre os dias 14 a 16 de abril de 2019.
Entenda o caso:
http://www.ciranda.net/Tupinamba-desaparecido-no-Sul-da
O indígena Deivid Charle dos Santos tem 32 anos e é morador da Aldeia Patiburi no Território Indígena Tupinambá de Belmonte – sul da Bahia. Ele havia recém-chegado de São Paulo, onde passou uma temporada trabalhando. No retorno, visitou a mãe em Eunapólis, onde passou quatro dias, e desapareceu quando voltava para casa na Aldeia Patiburi em Belmonte, dia 22 de fevereiro de 2019. Três dias depois, familiares registraram o seu desaparecimento na 1ª Delegacia Territorial de Eunápolis (Boletim de Ocorrência nº 19-0118). Mas por temor relacionado aos conflitos fundiários existentes na região, no momento do registro do desaparecimento não foi informado que Deivid é indígena.
Foto: acervo Tupinambá – residência de Deivid na Aldeia Patiburi – TI Tupinambá de Belmonte – Sul da Bahia
O desaparecimento de Deivid não é um fato isolado na Aldeia Patiburi. Em março de 2005 houve também o desaparecimento de Adenilton Reis Ramos, 19 anos (a época), que segundo a comunidade ainda não foi esclarecido.
Os conflitos em Belmonte motivaram a AAPIBA e a OAB – Bahia realizarem, em conjunto, audiência pública em agosto do ano passado sobre “Violação dos direitos humanos dos povos indígenas na Bahia”. Nela participaram membros da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA (o presidente da comissão de direitos humanos e a secretária-geral adjunta, Jerônimo Mesquita e Erica Uderman), representante da AAPIBA (Dr Marcelo Bloizi), representantes do Poder Legislativo – Deputado Federal Afonso Florence (PT-BA), o Vereador de Salvador Silvio Humberto (PSB) entre outros, ; lideranças do movimento indígena da Bahia do MUPOIBA (Kahu Pataxo – coordenador), bem como os caciques Pascoal Tupinambá, Tupinambá Cleildon, Cacique Ramon do Território Indígena Tupinamba de Olivença, o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Kléber Karipuna, entre outros. Além deles, estavam o prof. Marcelo Pinto, coordenador do Centro de Estudos dos Povos Afro-índio americanos (CEPAIA) da Universidade Estadual da Bahia, o ex-deputado estadual Yulo – antigo militante da causa indígena, entre outros. O evento foi realizado na sede da OAB-BA, pela Comissão de Direitos Humanos da seccional. O Secretário Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia foi alertado sobre a situação e encaminhou o caso à coordenação indígena da secretaria.
sobre a audiência pública “Violação dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas na Bahia”;
A situação de violações aos direitos humanos do povo Tupinambá foi pauta da última reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), no dia 6 de fevereiro de 2019. Na sua 44ª plenária foram discutidas as denúncias de ameaça às vidas do Cacique Babau – da Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro – e da Cacica Cátia, da Comunidade Indígena Tupinambá de Belmonte; bem como as violações aos direitos humanos do povo Tupinambá. Os relatos de perseguição, ameaças de violência e de morte, bem como o boicote econômico aos produtos produzidos pelas comunidades foram pauta da reunião. Foi decidido que o CNDH fará missão emergencial na região em abril.
sobre a 44ª plenária do Conselho Nacional de Direitos Humanos CNDH :
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Atualização 14h
A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado da Bahia informou à Ciranda que continua acompanhando a situação e está “realizando articulações com os órgãos de segurança pública, competentes e responsáveis por investigações policiais, solicitando a imediata abertura de inquérito e apuração.”.
Nota da SJDHDS – dia 21/3/2019