Tendo como base a Constituição e o STF, juiz de São Paulo autoriza que dois homens se tornem oficialmente casados. Inédita no país, a decisão permitirá que o casal use o mesmo sobrenome e não precise comprovar a relação em caso de compartilhamento de bens
Após 5 de maio passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o dia de ontem também passou a ser considerado um marco na luta pela igualdade dos direitos homossexuais.
Um dia após a Parada Gay de São Paulo, a Justiça do estado homologou o primeiro casamento civil entre dois homens no país. Segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), nenhum casamento entre pessoas do mesmo sexo havia sido registrado até então.
O juiz Fernando Henrique Pinto, juiz da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí (SP), homologou a conversão de união estável do cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa com o comerciante Luiz André Moresi em casamento. O pedido havia passado pelo Ministério Público do estado, que concedeu parecer favorável, e chegou às mãos do juiz na semana passada. O magistrado afirma que usou os preceitos de igualdade da Constituição Federal (CF) — os mesmos usados pelo STF —, e que não havia motivos jurídicos para impedir o casamento. “(O Supremo) declarou que pode haver união estável entre pessoas do mesmo sexo e essa união, inclusive, é conhecida como entidade familiar”. Com a decisão, ambos passarão a assinar o sobrenome Sousa Moresi.
Para o presidente da ABGLT, Toni Reis, a decisão é considerada um presente pelo Dia Internacional da Dignidade Homossexual, comemorado hoje. “A gente viu que ele realmente está exercendo a decisão do STF e a Constituição, que fala que a Justiça fará a conversão de união estável em casamento”, afirma.
Reis acredita que essa será a porta de entrada para outros casamentos homoafetivos. “Recomendamos que todos entrem com a mesma ação e, se um juiz for homofóbico, que recorram ao Supremo novamente. A maioria dos votos (dos ministros) considerou que devemos ter direitos iguais.”
Na comunidade jurídica, a decisão de Fernando Henrique Pinto é recebida com diferentes opiniões. Para a advogada Regina Beatriz Tavares Silva, presidente da Comissão de Direito da Família do Instituto de Advogados de São Paulo, a homologação precisaria ser amparada por lei, como já ocorreu em outros países. “A decisão do STF confere aos companheiros ou às companheiras os mesmos direitos de uma união estável. Essa decisão não confere o direito de contraírem casamento civil”, argumenta.
Segundo o diretor-presidente da Escola Superior da Magistratura da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Roberto Barcelar, o juiz foi à frente do Supremo. “O casamento ainda continua, pela Constituição, entre homem e mulher. Ele está fazendo uma interpretação conforme a Constituição e parte das premissas dela, como fez o STF, mas está indo muito além do que o Supremo foi”, afirma. De acordo com Barcelar, apesar do casamento não estar previsto na decisão do STF, a medida do juiz não foi equivocada. “É uma tendência que vai precisar de muita discussão até que seja redefinida a palavra casamento, que até hoje está vinculada a pessoas de sexo diferente”, diz.
Protesto histórico
Instituída em 28 de junho de 1969, a data remete ao episódio que ficou conhecido como Distúrbio de Stonewall, um bar de Nova York que servia de ponto de encontros entre gays e lésbicas. Os frequentadores rebelaram-se, na noite de 27 de junho de 1969, contra as repreensões de autoridades locais. A manifestação terminou com gays e lésbicas presos ou feridos. O protesto é tido como marco do início das paradas gays.
“Recomendamos que todos entrem com a mesma ação e, se um juiz for homofóbico, que recorram ao Supremo novamente. A maioria dos votos (dos ministros) considerou que devemos ter direitos iguais”
Toni Reis,
presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros