Debate sobre o PL 529/2020 ultrapassa o Estado de São Paulo, é de interesse de todo o País

Conflitos vividos hoje pela sociedade revelam visões distintas sobre valores sociais e formas de gerenciar recursos públicos. Conflitos e divergências são partes essenciais da convivência democrática. No entanto, os termos dessa convivência supõem que as diferentes visões sejam debatidas, que os argumentos sejam trazidos à luz, de forma clara e transparente. Não há por que temer o debate que enriquece.

Mas a ausência do debate é o que assistimos hoje com a iniciativa do Governo do Estado de São Paulo de enviar à Assembleia Legislativa, em regime de urgência, o Projeto de Lei 529/2020. Dada a abrangência e as implicações do projeto – extinção de empresas públicas que atuam em áreas sociais, mudanças fiscais, demissões e cortes substanciais nos recursos das universidades paulistas e da Fapesp – não se concebe que seja conduzido sem o aprofundamento da discussão com as partes envolvidas. Rigidez nas despesas públicas é consenso de todos os nós que, ao longo de nossa história recente, temos enfrentado tantos desafios, em especial, aqueles que mostram diretrizes para a construção de um país socialmente mais justo, com educação de qualidade em todos os níveis, ciência e tecnologia de vanguarda, essenciais para inovações incrementais e radicais, capazes de gerar riqueza e bens sociais ao Brasil de hoje.

É de se supor que os responsáveis pela elaboração e condução do PL 529/2020 tenham avaliado custos e benefícios da legislação que enviaram à Assembleia. Se for assim, não há porque os argumentos que sustentam essa avaliação não serem apresentados de forma transparente e que possam ser amplamente discutidos, o que a urgência do PL não permite.

Os especialistas encontrarão no texto, sem dúvida, centenas de itens a serem discutidos, dada a amplitude do documento. Mas dois aspectos da legislação proposta saltam à vista quando se considera seus efeitos sobre a Universidade e o desenvolvimento do país. Dentro do corpo da produção científica da Universidade, projetos específicos em áreas como saúde, meio ambiente, biodiversidade, agricultura e pecuária, estudos sobre políticas públicas, entre outros, têm impacto direto na qualidade de vida da população, independente da camada social em que se encontrem. Centenas de projetos nessas áreas estão em andamento e demandam financiamento continuado. Eliminá-los ou reduzi-los significa prejudicar a qualidade de vida das populações nos próximos anos. Em contrapartida o Estado de São Paulo reduzirá alguns poucos pontos percentuais no total da dívida que acumulou.

Podemos imaginar que os gestores responsáveis pela elaboração do Projeto tenham comparado a perda de parte desses benefícios com os ganhos obtidos na redução do montante da dívida do Estado. A análise é importante para que o debate tenha transparência, mas a perda de conhecimento, ciência e tecnologia que o PL acarretará será mais grave para o Estado mais dinâmico e economicamente importante, especialmente nos anos pós-pandemia.

Um segundo aspecto tem relevância particular. Unesp, Unicamp, USP e Fapesp são instituições cujo raio de atuação vai muito além das fronteiras do Estado de São Paulo. Durante as últimas décadas, as três Universidades e Agência de fomento estabeleceram redes de relacionamento com instituições de outros Estados e de outros países; com centros de pesquisa públicos e privados, desempenhando papel de âmbito nacional e reconhecimento internacional. Esse papel de âmbito nacional é, sobretudo, valioso no campo da formação de novos quadros educacionais e para CT&I. Isso quer dizer que a perda de capacidade de financiamento de pesquisa não se refletiria somente em São Paulo. É impossível não se levar em conta tal fator quando se avalia os benefícios frente aos “ganhos” da redução da dívida do Estado!

Os gestores responsáveis pelo PL 529/2020 precisam considerar ainda outros fatores. A pujança exibida pelo Estado de São Paulo nas tecnologias de ponta, biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação, novos materiais, energia, agroindústria, resulta, com raras exceções, de empresas que nasceram nas incubadoras tecnológicas atreladas às Universidades ou de projetos de pesquisa desenvolvidos nessas instituições. Na quase totalidade está presente o selo da Fapesp como financiadora de projetos regulares de pesquisa e os de grande aporte financeiro de longa duração, ou como responsável pela concessão de bolsas em todas as modalidades para estudantes ou pesquisadores seniores. O efeito que essas empresas provocam na economia não está apenas nos números de seus faturamentos, mas também na sinergia que provocam com produtos e serviços de valor agregado.

Trata-se, portanto, de um debate que não está restrito ao Estado de São Paulo ou a grupos corporativos específicos. O debate que queremos ressonância é a percepção de todos os seguimentos sociais no que diz respeito ao risco que traz o PL 529/2020 para as Universidades Estaduais, Fapesp e especialmente para a sociedade e para a economia do País.

Diretoria ACIESP

Profa. Vanderlan Bolzani (Professora Titular IQAr UNESP, Conselheira SBPC, Presidente)

Prof. Paulo Artaxo (Professor Titular IF, USP, São Paulo, Capital, Vice-Presidente)

Prof. Adriano Andricopulo (Professor Titular IFSC, USP, São Carlos, SP, Diretor)

Jornal da Ciência

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