Gabriela: “Estava louca para te perguntar, há um tempo. Veio uma coisa toda hipócrita brasileira, proibiram uma campanha de cerveja dizendo que, enfim, não sei de onde partiu, uma queixa ao Ministério Público, virou briga de agências…Lembrei de uma campanha que fiz, anos atrás, com o Jô Soares, os dois com um copo de cerveja e ele dizia: “loira gostosa”. E eu: “JÔ!!! E ele; A cerveja, Gabi…”. Cerveja sempre foi associada a mulher gostosa. Por que, de repente, em um país que me parece tem muita coisa devassa, existe uma grita…
Antropólogo Roberto Da Matta: ”Você já respondeu, o país tem uma capacidade de se auto-enganar violenta, é mais um episódio dentro de um oceano de hipocrisia. Absurdo”
(…) Gabriela: “Continuo não entendendo, porque ainda no caso, durante anos aquilo corre como uma unanimidade, e de repente, um dia, saído do nada, faz tuiiim, alguém se irrita e faz um movimento…
Antropólogo: Não, acontece um episódio de repente que coagula alguma coisa, um contraste de valores, alguém reclama da cena da novela e cria um debate…
Este foi um pequeno trecho da entrevista que assisti domingo à noite pelo SBT. E como há pouco havia assistido a um debate e postado aqui um vídeo sobre o controle da imagem da mulher na mídia, fiquei muitíssimo impressionada.
Primeiro, não entendi a que propaganda a apresentadora se referia, pois ela nao explicou, em meio a frases entrecortadas. Mas não faz mal, o cerne da coisa era a suposta “hipocrisia” brasileira em relação ao uso da imagem da mulher gostosa e loura associado à cerveja, que tem sido objeto, sim, de muita briga e discussão de movimentos de cidadania.
Marília Gabriela ficou conhecida por sua apresentação do pioneiro TV Mulher, nos anos 80, na Globo, o primeiro programa a apresentar a mulher de outra forma que não apenas na cozinha e nas artes de coser etc. Tinha a excelente jornalista Rose Nogueira como criadora e responsável.
Estou certa de que, há 30 anos, MG não daria essa opinião no TV Mulher porque havia mais gente nos bastidores que pensava e era séria.
Passadas três décadas, a jornalista tornou-se famosa, virou atriz e cantora e hoje protagoniza programas em três emissoras, uma aberta, uma a cabo e a TV Cultura. Além disso, é uma grande vedete do mercado publicitário.
Como? Uma jornalista colocar à venda seu prestígio anunciando desde o segmento imobiliário (11/04/2008 -A atriz e apresentadora Marília Gabriela é a nova garota-propaganda do segmento imobiliário. Apostando no carisma e na imagem de credibilidade transmitida por ela, a agência Eugenio Marketing Imobiliário desenvolveu a campanha para o lançamento de um empreendimento inédito em São Paulo: o Paulistano – Bairro Privativo, que já começou a ser divulgado na TV em filme estrelado por Gabi) até o software de gestão empresarial (31/07/2009- a TOTVS lança campanha para consolidação de sua nova marca. Para abrilhantar este lançamento, a empresa escolheu como porta voz da campanha a jornalista e apresentadora Marília Gabriela.) entre inúmeros produtos?
Estes foram alguns que pesquisei na rede, mas o mais recente já havia me chamado bastante a atenção. A publicidade da Margarina Becel Pro Activ (Unilever), que se autoproclama um alimento funcional que baixa os níveis de colesterol devido aos fitoesteróis que contém. Misturando a campanha Ame seu Coração com as maravilhas de tal produto, Gabriela contracena até com seu filho Cristiano.
Anos atrás, editando uma revista de uma entidade de defesa do consumidor, fizemos uma matéria sobre a mesma margarina, cuja publicidade havia juntado um grupo de idosos declarando como seus níveis de colesterol haviam diminuído com a Becel, aliás, produto bem caro. Solicitamos à agencia de publicidade entrevista com aquelas pessoas, perguntando se eram atores ou “pessoas reais”. Jamais conseguimos, alegaram segredo. É para rir? Leio na mesma revista agora que a tal margarina, tão saudável, continha, até recentemente, as condenadas gorduras Trans, mas agora está isenta. Não está isenta entretanto , e muito menos pela agência reguladora competente, de fazer publicidade desse tipo.
Em tempos de geléia geral, de pretensos formadores de opinião, do jornalismo à antropologia, ainda me assusto com tanto preconceito apresentado como sabedoria. A apresentadora não pode ser qualificada como jornalista, muito menos isenta e competente, se vende sua imagem a qualquer produto, seja duvidoso ou não.
Uma jornalista competente e com tantos anos de carreira não pode dizer que “deu um tuiiimmmm”, e, do nada, alguém começa a reclamar das campanhas de cerveja. Não, MG, não dá um “tuiim “assim de repente, é só estudar a Historia e seus movimentos. Nem vou me estender, a melhor resposta está no vídeo aqui postado e referido acima.
Mas, para arrematar o assunto, o antropólogo afirma, talvez caindo em si um pouco: “ O problema é você ter a liberdade ou não de discutir isso, e a possibilidade chamar pessoas representativas envolvidas ou não que queiram e possam falar”. Seria, aliás, uma ótima pauta para o programa da apresentadora, pois essas discussões somente são vistas, eventualmente, em canais alternativos.
Não vi mais do que esse trecho e desisti. Pesquisando, leio que o antropólogo chamou o presidente Lula de analfabeto, dizendo que ele é “o drama brasileiro em pessoa”, porque representa a culpa… Que os EUA são um país igualitário e outras análises rasteiras. Mas ele não é um PHD que mantém colunas em O Globo e no Estadão, conforme informou? Encontrei aqui uma boa análise de alguém que também viu o programa e até apreciava, anteriormente, o antropólogo.
E aqui um estudante de Natal (RN) faz uma excelente análise sobre o desaparecimento dos limites entre jornalismo e publicidade: O discurso (in) competente do jornalismo, 13/7/2010, por Fagner Torres de França, que escreve:
“A bonita loira é uma das vedetes do mercado de anúncios. Por quê? Porque as pessoas confiam na sua palavra por intermédio de um pseudo-discurso jornalístico comprometido com a veracidade da informação. Sua imagem funciona da seguinte forma: ao emitir uma mensagem sobre determinado assunto, o público a associa a alguém cuja fala é verdadeira, pois oriunda de um campo onde todos necessariamente falam a verdade, no caso, o jornalismo. Nada mais falso.
Outro dia a vi estrelando uma propaganda de telefonia móvel e serviços de banda larga. Nele, Marília Gabriela falava em um tom professoral, jornalístico, sério. E diz: “Eu sou Marília Gabriela, jornalista.” O texto denuncia uma clara interferência de discursos. No caso, fala uma jornalista, mas que há muito tempo abandonou a profissão.
Hoje ela é uma boa atriz. E como boa atriz que é, desempenhou perfeitamente o papel para o qual foi chamada a desempenhar: o de jornalista.
Atualmente, Gabriela é talvez a única jornalista-atriz no Brasil de renome que aceita atuar como jornalista para o explícito ganho econômico dela e das empresas. Por isso é tão requisitada.”
Será o terma debatido nas faculdades de Comunicação? Talvez em
algumas, mas parece que, também na academia, jornalismo e publicidade estão juntos, e às vezes até são um curso único.
Na geléia geral comunicacional, assim como em tantos outros setores, está tudo de pernas para o ar. O que é ético? O que é correto? O que é justo?