Foto de Leonardo Melgarejo, de Porto Alegre/RS
Caros amigos e amigas do MST,
O MST esteve em Mali, na África, como parte de uma delegação de 12 representantes de movimentos camponeses e entidades ambientalistas brasileiras, somando-se aos mais de 600 dirigentes de todos os continentes, além de cientistas, ambientalistas, militantes do movimento de mulheres e de diversas outras organizações e entidades, para debater os problemas relacionados à defesa da soberania alimentar em cada país.
Aprofundou-se no Fórum Mundial Pela Soberania Alimentar o debate sobre a necessidade de os movimentos sociais em todo o mundo priorizarem a luta em defesa da produção de alimentos e da soberania alimentar de cada povo. Essa luta envolve também um combate amplo à ofensiva do capital internacional sobre o campo, principalmente na questão do controle dos agro-combustíveis.
Isso porque há uma aliança que unificou os interesses de três grandes setores do capital internacional: a) as empresas petroleiras; b) as corporações transnacionais que controlam o comércio agrícola e as sementes transgênicas c) e as empresas automobilísticas. O único objetivo é manter o atual padrão de consumo do primeiro mundo e as altas taxas de lucro de suas empresas transnacionais.
1. Objetivo das transnacionais e do presidente Bush:
Convencer os governos do hemisfério sul a utilizarem seu território na produção de energia, a partir de produtos agrícolas, com o objetivo de manter o padrão de consumo do “american way of life” no primeiro mundo. A energia vegetal que está dentro dos grãos, na forma de óleo, ou de árvores, é na verdade uma metamorfose agro-química da energia solar. Depois, através do óleo vegetal ou do álcool, se transforma em combustível.
Por isso eles precisam dos países do sul, de maior incidência anual da energia solar e que ainda possuem áreas de terra agricultáveis disponíveis para produção de vegetais oleaginosos como girassol, milho, soja, amendoim, feijão-manso, palma africana ou dendê, ou para produção de álcool a partir da cana-de-açúcar, do milho e de árvores.
Por outro lado, querem impor a produção em monocultivo e, no caso da soja e milho, combinar com sementes transgênicas, o que lhes garantiria um mercado de sementes, de agrotóxicos e ainda a cobrança de royalties para suas empresas transnacionais.
Eles querem apenas lucro e não se importam com a situação do meio ambiente, o aquecimento global e com a vida dos trabalhadores rurais. Resolveram fazer essa ofensiva na produção de energia renovável, para se livrar da dependência de importar petróleo de países agora com governos nacionalistas, como Venezuela e Irã.
Além disso, existe hoje uma enorme instabilidade política na Nigéria, Angola e Arábia Saudita que também são fornecedores dos Estados Unidos e da Europa. Sem falar do fracasso da invasão do Iraque, que também é fornecedor desse combustível.
2. Posição dos movimentos camponeses em todo mundo:
Não podemos chamar esse programa de biocombustível e muito menos de biodiesel. A expressão “bio” que relaciona energia à vida, de forma genérica, é uma clara manipulação de um conceito que não existe. Devemos adotar sim, em todos os idiomas, o conceito de agro-combustíveis. Ou seja, energia gerada a partir de produtos vegetais oriundos da produção agrícola. Embora reconheçamos que o prefixo agro, ainda é muito genérico, e nossos cientistas estão estudando um novo conceito mais preciso.
Concordamos que o uso de agro-combustível é mais adequado para o meio ambiente do que o petróleo. No entanto, ele não afeta a essência do problema da humanidade, que é a atual matriz energética e de transporte, baseado no uso de veículos individuais. Defendemos a substituição radical da atual forma consumista e poluente de transporte individual, pelo transporte coletivo, através de trens, metros, bicicletas, etc.
Não aceitamos que esse plano use produtos agrícolas destinados atualmente à alimentação humana, como milho, soja, girassol, etc., para transformá-los em energia para automóvel.
Mesmo no caso da produção necessário do agro-combustível, devemos produzi-lo de uma forma sustentável. Ou seja, combatemos o atual modelo neoliberal de produção em grandes fazendas e na forma de monocultivo desses produtos. O monocultivo em grande escala é prejudicial ao meio ambiente e expulsa mão-de-obra do campo.
A monocultura afeta o aquecimento do planeta, pois destrói a biodiversidade e impede que a água e a umidade das chuvas se mantenham em equilíbrio com a produção agrícola. Além disso, faz uso intenso de agrotóxicos e máquinas.
Podemos produzir energia, combustível, a partir de produtos agrícolas, porém cultivados de forma sustentável, em pequenas e médias dimensões, que não desequilibrem o meio ambiente e que representem uma maior autonomia dos camponeses no controle da energia e no abastecimento das cidades.
Condenamos veementemente a iniciativa do governo de George W. Bush, que nos próximos dias visita os governos do Brasil, Colômbia, Guatemala para cooptá-los e seduzi-los a multiplicarem a produção de álcool para exportarem aos Estados Unidos.
Em troca, os capitalistas estadunidenses dos três grandes setores do capital exigem o direito de comprar e/ou instalar dezenas de novas usinas de álcool em todo o continente, sendo que propuseram a construção de 100 novas usinas apenas no Brasil.
Para viabilizar esse plano, o governo Bush propõe que se crie uma nova mercadoria internacional, uma “commoditie energética” do álcool, que não seria considerada agrícola para fugir das atuais normas da Organização Mundial do Comercio (OMC).
A Casa Branca propõe também que Brasil, Índia e África do Sul, entre outros, negociem um novo padrão tecnológico comum, para o etanol, seja de milho, de cana ou de árvores. Assim, haveria uma fórmula aceita internacionalmente, formando uma nova Opep de energia agrícola para controlar o comércio mundial.
Um possível sucesso desse plano estadunidense seria uma tragédia para agricultura tropical, transformaria grandes extensões de nossas melhores terras em imensos monocultivos, eliminaria ainda mais a biodiversidade e a produção de alimentos, apenas para abastecer seus carros. Expulsaria milhões de trabalhadores do campo em todo mundo, que se amontoariam ainda mais nas favelas das metrópoles.
O debate e a luta estão apenas iniciando. Esperamos que as organizações sociais possam reagir e que os meios de comunicação possam informar sobre essas questões, que são fundamentais para o futuro de nossos povos.
Por isso, durante as atividades do dia 08 de Março, as mulheres trabalhadoras do campo e da cidade levantam a bandeira da “Luta por Soberania Alimentar, Contra o Agronegócio”, contra as transnacionais que atuam no campo e em defesa dos trabalhadores e da biodiversidade. Soma-se a pauta, o fato de o representante maior do imperialismo, o senhor George W. Bush, desembarcar em território brasileiro nos próximos dias, fomentando ainda mais a luta contra o neoliberalismo.
Secretaria Nacional do MST