Foto: Lucas Lacaz Ruiz
O que tem se mostrado a opção preferencial das companhias diante da crise financeira global – o corte de pessoal – está longe de ser a melhor receita para o seu enfrentamento. Além disso, para a FNE, as demissões não deveriam ser alternativa a um país que pretende continuar na rota do crescimento sustentável e com inclusão social – caminho defendido pela federação em seu projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado em 2006. Face a cortes recentes em setores estratégicos, Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente dessa organização, pondera: “É inegável que companhias cuja receita provém em sua maior parte do mercado externo são mais impactadas pela situação. No entanto, não é aceitável, até por sua importância, que ponham na rua milhares de trabalhadores de uma hora para outra. É preciso que reflitam sobre seu compromisso com a sociedade e que se discutam as dispensas já anunciadas, buscando-se formas de reverter o quadro que se configura desastroso.”
Ainda mais quando as dispensas atingem os chamados quadros qualificados, tendênciaque deve se manter, segundo análise divulgada recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Conforme explica o seu presidente, Marcio Pochmann, “dadas as ações já tomadas pelo Governo Federal de certo apoio à base da pirâmide social, via elevação do salário mínimo, ampliação do bolsa-família, possivelmente os trabalhadores melhor remunerados sejam os mais afetados do ponto de vista relativo, não absoluto”. E complementa: “Parte do quadro qualificado que conforma o núcleo duro da empresa não será afetada, a menos que o impacto seja muito intenso. Agora, aqueles que estavam em fase de transição para essa situação provavelmente o serão, pela própria rotatividade, que faz com que a empresa possa demitir trabalhadores que estão com maior remuneração para serem trocados, mantido o posto de trabalho, por outros com menor.”
Recentemente, duas gigantes deram sua contribuição para engrossar as estatísticas dos dispensados no período: Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), em São José dos Campos, Interior paulista, e o grupo Usiminas (Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais), em locais como Baixada Santista, também no Estado de São Paulo, e Ipatinga, em Minas Gerais. Na primeira, 20% do seu efetivo foi colocado na rua, totalizando 4.200 trabalhadores, dos quais 230 engenheiros – de 5 mil de alta qualificação. Na segunda, foram demitidos desde janeiro mais de mil funcionários, segundo informações do Sindipa (Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga). De acordo com o seu presidente, Luiz Carlos de Miranda, a crise não é justificativa plausível. “Não dá para acreditar nesse pretexto, uma vez que somente em 2008 a Usiminas teve lucro líquido de R$ 3,2 bilhões. Sua nova diretoria, que assumiu em julho de 2008, está acabando com a memória técnica da empresa e dispensando inclusive engenheiros para contratar outros com salários menores.”
Como consequência, tem havido a partir de setembro um incremento da denominada classe média emergente, classificada como C, e redução dos extratos sociais. A avaliação é do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, que justifica, em estudo sobre os efeitos da crise junto à classe média: “Pessoas que estavam mais no topo da distribuição estão caindo ou deixando de crescer, mas o movimento de ascensão à classe C não foi interrompido. O que acontece é uma agregação a esse de pessoas vindas da classe AB (cuja renda domiciliar é a partir de R$ 4.807,00, conforme a própria pesquisa).” Em outras palavras, a situação é mais instável para quem ganha mais, geralmente quadros mais qualificados. Os engenheiros estão nesse rol. Inclusive porque, como atesta Pochmann, até o momento, o maior impacto da crise se verifica sobre a atividade industrial. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em 12 de março confirmam: o emprego nesse setor recuou 1,3% de dezembro de 2008 a janeiro último, acumulando queda de 3,9% desde setembro do ano passado.
Alternativas
No geral, nos últimos cinco meses, segundo o movimento sindical, foram postos na rua cerca de 800 mil trabalhadores. Destinar a fatura da crise a essa parcela da sociedade é, para Pochmann, a medida mais fácil. Todavia, não é a saída adequada. Na sua ótica, uma das alternativas para conter seus efeitos no País diz respeito a atrelar o acesso aos recursos públicos à preservação da mão de obra. “Os beneficiários do bolsa-família, por exemplo, têm uma série de condicionalidades para o seu uso. Já as empresas que estão recebendo subsídios fiscais, empréstimos com taxas de juros vantajosas, que são decisões públicas, não têm o mesmo compromisso, responsabilidade que poderiam vir a ter, do ponto de vista do enfrentamento da crise.” Ademais, na sua concepção, é fundamental um grande entendimento nacional entre trabalhadores, empresários, as três esferas de governo, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário para que o País saia dessa melhor do que entrou. O que é bem provável, uma vez que esta é uma das nações que, como reforça Pochmann, talvez tenha melhores condições de enfrentar a crise. “Tanto que nosso debate aqui não é em torno da recessão, mas da redução da atividade econômica.”
O consultor sindical da FNE, João Guilherme Vargas Netto, aponta a ideia de congraçamento, “formando-se uma unidade produtivista”, para se lidar com essa situação. O movimento sindical tem dado mostras de que esse é o caminho. Realizou, juntamente com outras organizações sociais, em 30 de março, atos unificados contra a crise e as demissões em diversos estados brasileiros. Com palavras de ordem pelo corte nos juros, por investimentos públicos e em defesa da redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários, as diversas iniciativas reuniram milhares de pessoas.