Vira, vira, vira mídia!

ARede nº61, agosto 2010 – Com mais de dez premiações nacionais e internacionais no currículo, a ONG Viração, baseada em São Paulo, acaba de conquistar mais um troféu para a sua coleção: em junho, recebeu o Prêmio Internacional de Educomunicação da União Internacional de Imprensa Católica, com sede em Genebra, na Suíça. Em sete anos de existência, a Viração ganhou quase um prêmio por ano, entre eles o Ponto de Mídia Livre, do Ministério da Cultura (MinC); o Don Mario Pasini Comunicatore, da instituição de caridade italiana Cuore Amico; o prêmio do Programa de Ação Cultural (PAC) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, em 2007; e o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í do Brasil.

Todo esse reconhecimento se deve à abrangência do projeto, que já capacitou centenas de jovens e adolescentes em cursos e oficinas de comunicação popular para produzir conteúdos audiovisuais, jornais, revistas e sites de internet. Por meio da Viração, que desde 2003 utiliza as Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs) para educar e mobilizar a juventude, os jovens participam da construção de um modelo de comunicação independente e democrático, que busca legitimar e fortalecer a representatividade da juventude. “Quando oferecemos ao jovem os mecanismos de participação nos meios de comunicação, efetivamos um direito humano”, enfatiza Paulo Lima, jornalista e coordenador geral do projeto. A Viração tem o apoio institucional do Fundo Nacional das Nações Unidas (Unicef), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), da Universidade de São Paulo (USP) e da ONG Ashoka Empreendedores Sociais.

O projeto nasceu em março de 2003, quando jornalistas independentes criaram a Revista Viração para ser um projeto social impresso. O objetivo foi unir jovens e adolescentes do Brasil em torno de princípios como a defesa dos direitos humanos, a educação para a paz, a solidariedade entre os povos e a pluralidade étnica e racial. A revista é mensal, está na 65º edição, tem tiragem de 10 mil exemplares e tem um portal na internet. “A ideia foi preencher uma lacuna no mercado editorial infanto-juvenil”, explica Lima. “Por exemplo: as escolas utilizam em sala de aula revistas com linguagem adulta e visão distorcida da realidade brasileira”, diz. Segundo ele, havia uma demanda da juventude por informação de qualidade produzida por jovens, para eles e que levasse em conta a diversidade social e cultural.

Para atender a esses objetivos e alcançar a juventude em escala nacional, a Revista Viração apostou em um modelo de trabalho colaborativo e participativo: o conteúdo é produzido a partir de conselhos editoriais compostos apenas por jovens – ou virajovens – em 22 estados. Os conselhos têm em média 15 a 20 integrantes, vindos de centros culturais, escolas públicas e particulares, movimentos sociais e ONGs. O acolhimento dos conselhos em cada estado é feito por instituições parceiras, que cedem espaço para atividades e oferecem um “mobilizador de virajovens”, geralmente um educador ou um estudante de Comunicação. Capacitados em oficinas de texto, de inclusão digital e de formação em comunicação, os virajovens realizam coberturas jornalísticas sobre temas da atualidade, da região onde moram e principalmente da juventude.

Autonomia

Na revista, os virajovens têm carta branca para escolher os assuntos e o enfoque das matérias e produções audiovisuais. As pautas são discutidas por meio de um chat nacional que acontece uma vez por mês pela web. E às vezes são desenvolvidas por mais de um participante, de diferentes regiões do país. O resultado aparece na diversidade cultural e social da revista, muito diferente da maioria das publicações voltadas ao público infanto-juvenil, que privilegiam padrões de estética e comportamento. Rones Maciel, 25 anos, do Conselho Virajovem de Fortaleza, no Ceará, concorda: “Posso expressar meu ponto de vista de acordo com a realidade da qual faço parte. Aqui na minha região, ainda falta espaço para o jovem construir uma comunicação local”.

Os textos, fotos e vídeos produzidos pelos virajovens são editados por uma equipe fixa de redação em São Paulo, composta por jornalistas e estudantes de comunicação. Cada conselho contribui com a realização de uma reportagem ou seção da revista. O conteúdo, depois que é editado e diagramado em São Paulo, volta em arquivo PDF para os virajovens aprovarem. Até as capas das revistas são discutidas nacionalmente. A regra é não deixar ninguém de fora; por isso, a troca de informações dessa grande equipe de reportagem inclui todos os meios possíveis, do telefone ao Skype, do e-mail ao chat e às listas de discussão pela internet.

Formatar esse cruzamento de olhares diferentes em um produto final é um dos desafios de Ana Paula Marques, 29, responsável pela diagramação do portal e da revista. “No início me assustei com tantas pessoas opinando ao mesmo tempo sobre meu trabalho”, brinca. Ela revela que está preparando um novo projeto gráfico para o portal, previamente discutido com a turma, que deve sair do forno em setembro. A proposta é tornar o portal mais interativo, dar mais visibilidade às produções dos conselhos editoriais e integrar as redes sociais.

Os virajovens também participam de formações para aprofundar temas e organizar mobilizações. Um desses momentos foi a preparação de jovens para participar do processo da 1ª Conferência Nacional da Comunicação (Confecom), realizada em Brasília no ano passado. A articulação foi promovida pela Rede de Jovens e Adolescentes Comunicadoras e Comunicadores, iniciativa que está sendo desenhada desde 2008 pela Viração. “Os conselhos não produzem apenas conteúdo mas também: mobilização social e política”, ressalta Vivian Ragazzi, jornalista da ONG. A também coordenadora do Movimento Virajovem, outra mobilização que está em construção, avisa que em outubro haverá um encontro nacional em Brasília, que decidirá novos passos e contornos para essa história.

Ações multiplicadas

A receita da Viração ainda rendeu muitos outros projetos de inclusão digital e social. Em 2009, por exemplo, a ONG capacitou 126 adolescentes da periferia de São Paulo para atuarem na Plataforma dos Centros Urbanos (PCU). O projeto, promovido pelo Unicef, utiliza ferramentas de educomunicação para melhorar a qualidade de vida e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes que vivem nas grandes cidades.
Em 2008, junto com o Unicef de Brasília e o de Nova York, a Viração lançou no Brasil o projeto Stop Exploitation, uma plataforma virtual que une jovens do mundo inteiro no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes (ver página 41). Com a TV USP, a Viração montou o programa de televisão Quarto Mundo, que vai ao ar pelo Canal Universitário e o IPTV USP. Na telinha e nos bastidores, jovens de 14 a 18 anos fazem a própria programação e aprendem, na prática, como se faz televisão. Eles passaram por oficinas de apresentação, áudio, iluminação, operação de câmeras, pesquisa, produção, reportagem e roteiro. A teoria também foi contemplada com palestras sobre a história da TV, o papel das TVs públicas e comerciais, e análise crítica de conteúdos das emissoras.

Adolescentes e jovens vivendo com HIV é o tema de outra ação em parceria com o Unicef, que veio para derrubar preconceitos. O projeto Comunicação para a Vida, criado em 2007, originou a revista Escuta Soh!. A publicação, que também tem conteúdo web, é produzida anualmente por uma equipe de jovens todo o Brasil. Em 2009, a revista foi para a terceira edição com tiragem de 5 mil exemplares nos idiomas espanhol, inglês e português. “A ideia não é falar sobre HIV e Aids, mas mostrar que os jovens nessa situação podem levar uma vida comum”, aponta Rafael Stemberg, 23, jornalista da ONG e editor da Escuta Soh!.

Além disso, desde 2005, a ONG toca a Agência Jovem de Notícias, que funciona durante eventos específicos como o Fórum Social Mundial (FSM). O conteúdo (textos, rádio-web, vídeo, fotos) é publicado em tempo real em um site que se renova a cada evento. O veículo surgiu em meio à efervescência política e cultural do 5º FSM, realizado em 2005, em Porto Alegre. É que a revista, em parceria com o Projeto Agente Jovem, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), realizou a cobertura do FSM. “Até mesmo na mídia alternativa, a fala é só do adulto”, acredita Lima. “Faltava contar a história do fórum pela visão dos jovens.”

A partir daí, a agência passou a cobrir outros eventos, como a 1ª Conferência Nacional da Juventude de 2008, em Brasília, e os Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Chamada de PapoPan, a cobertura reuniu jovens e adolescentes da Cidade de Deus e da Favela da Maré, bairros pobres do Rio, capacitados em oficinas de educomunicação. Moradores desses locais também participam do Conselho Virajovem do Rio. “Dialogamos com outras comunidades para incentivar a comunicação comunitária”, diz a virajovem Gizele Martins, que também edita o jornal O Cidadão, veículo comunitário da Maré.

Por meio do projeto Jornal Mural na Escola, a Viração capacitou, desde 2007, mais de 500 estudantes e professores de 170 escolas públicas estaduais da capital paulista que oferecem ensino médio. O intuito foi incentivar os alunos a criar seus próprios meios de comunicação para divulgar ações das comunidades onde vivem. Os murais têm periodicidade quinzenal e um público de aproximadamente 255 mil pessoas, segundo estimativas da ONG.

Para o futuro, o plano é dar caráter permanente à agência de notícias e incorporar a metodologia do modelo virajovem em todos os projetos, inclusive nas escolas, conta Lima: “A meta é implantar núcleos de virajovens nas escolas do ensino médio do país para que os estudantes produzam conteúdo para a agência de notícias”.

No momento, a Viração alça voos internacionais: está atuando na Itália, em parceria com a Associação Jangada, de Trento, que vai contribuir com a viabilização da Agência Jovem de Notícias em São Paulo. Além disso, a ONG iniciou atividades de formação e consultoria em educomunicação para educadores sociais e lideranças juvenis do Unicef Itália, e promove intercâmbio entre jovens da Itália e do Brasil que têm objetivos em comum com os projetos da Viração.

www.revistaviracao.org.br
www.revistaviracao.org.br/agencia
http://viracao.org/escutasoh
http://movimentovirajovem.blogspot.com
http://quartomundotvusp.blogspot.com

Plataforma vira comunidade

Em 2008, durante o 3º Congresso Mundial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro, a Viração criou, juntamente com o Unicef de Brasília e o de Nova York, uma plataforma virtual que, desde então, serve como ponto de encontro preparatório de jovens do mundo inteiro que participaram do evento. Na ocasião, a ONG brasileira organizou oficinas de educomunicação para os participantes do congresso que, junto com os virajovens, produziram conteúdos em tempo real.
Um exemplo foi a entrevista com Marie Pierre Poirier, do Unicef no Brasil: o áudio é em paortuguês e, ao lado, um breve texto em inglês, também produzido por jovens participantes, descreve o conteúdo do vídeo. Outro exemplo é o artigo sobre segurança na internet, escrito pela própria coordenadora do Movimento Virajovem, Vivian Ragazzi, e traduzido para o inglês no site do StopX. Mais um exemplo: uma deliciosa reflexão de um virajovem, que se assina apenas Massao e descreve a cena comovente de uma participante do evento que viu o mar pela primeira vez.

Esses conteúdos ainda estão disponíveis online (links abaixo), mas o blog em português criado na época, contendo a cobertura do congresso pelos virajovens, já não está no ar. Hoje, o espaço criado pela Viração na época do congresso virou uma comunidade permanente, que continua sendo um ponto de encontro virtual dos jovens interessados no problema do abuso sexual de crianças e adolescentes. Mas está todo em inglês, como se o problema não existisse nos países que não falam inglês – como o Brasil. Uma pena, considerando a qualidade do material produzido originalmente em português e que ainda está lá, mas traduzido.
www.stopx.org/stopx-network/youth-articles/interview-with-marie-pierre-poirier-unicef-representative-brazil
www.stopx.org/stopx-network/youth-articles/web-of-people
www.stopx.org/stopx-network/youth-articles/i%e2%80%99m-going-to-record-the-sea-sound-for-my-father

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