Dois debates, organizados nos dias 18 e 23 de outubro, confrontaram opiniões sobre a relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a concentração da mídia no Brasil. Ambos fizeram parte da IV Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, organizada em São Paulo, por diversas entidades, meios alternativos e ONGs. Mais informações sobre o evento, inclusive sobre os acontecimentos em outras cidades, são encontradas no endereço: www.ciranda.net/sedeco.
O Núcleo Bartolomeu, localizado no bairro da Lapa, serviu de palco para o primeiro deles. “Mídia e eleições” foi o tema para Bernardo Kucinski, editor da Agência Carta Maior, Renato Rovai, editor da revista Fórum e Marina Amaral, editora executiva da revista Caros Amigos.
O professor da USP, Bernardo Kucinski acredita que o governo Lula é culpado pela degradação do jornalismo brasileiro, e a cobertura das eleições é apenas um exemplo disso. A vitória em 2002, para ele, possibilitava melhores condições na direção de uma hegemonia popular, “mas com o desacerto do governo Lula, nós não só não conseguimos isso, como permitimos a construção de uma hegemonia reacionária no Brasil hoje”. Segundo Kucinski, ex-assessor do presidente Lula, essa foi uma contribuição negativa, de caráter estratégico, que o governo deu.
A segunda mesa, denominada “Políticas de comunicação e o governo Lula”, foi composta por José Arbex Jr, editor especial da Caros Amigos e professor da PUC-SP, onde foi realizado o debate; Rodrigo Mendes, coordenador geral da ENECOS (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social); Guto Camargo, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e Diogo Moyses do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social).
A profundidade do problema é maior para José Arbex Jr., que coloca a culpa na própria natureza do governo Lula. “É um governo de compromisso com a burguesia e com a grande imprensa”, afirmou. O jornalista fez um resgate histórico, desde o nascimento da Rede Globo em 1965 até os dias de hoje. O foco dessa recapitulação foi a problemática da fusão do espaço privado com o público, e a construção do imaginário de “nação brasileira” criado e sustentado pela emissora, encomendado, em princípio, pela Ditadura Militar.
Arbex analisa a mídia como centro de articulação ideológica; um partido do neoliberalismo. Para o professor, “quando o governo Lula se recusa a romper com a mídia, e se recusa assumir um lugar de ruptura ao neoliberalismo, na verdade, o que ele está fazendo, é perpetuar um sistema no qual ele próprio se coloca como refém. Este governo teve uma postura absolutamente servil, e capacho desse partido que, em última instância, prolonga uma dominação que há 500 anos nos torna vítima da opressão nesse país.”
O estudante Rodrigo Mendes, critica a aliança do governo Lula com a Rede Globo, através da nomeação do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB). A missão dele, para Mendes, “era instaurar o padrão japonês de televisão digital para a Globo, que tem como objetivo manter a estrutura da comunicação no país, exatamente como é hoje.”
A ligação da escolha com a Rede Globo, segundo Diogo Moyses, se dá pelas empresas NEC do Brasil, que era da Globo; Toshiba, por ser financiadora da dívida da emissora, e a pela Sony ser sua grande fornecedora de equipamentos.
Na mesma linha crítica, Moyses cita alguns projetos levantados inicialmente e, em seguida, esquecidos pelo governo. Mas, ele os considera periféricos, e critica que “tudo que era bom, mesmo experimental, foi piorado durante o governo. Nada que foi positivamente experimentado foi adotado pelo governo como uma política pública real”.
Golpe
Nos dois eventos, os debatedores fizeram ligações da relação entre a mídia e poder no Brasil, com o golpe midiático instaurado na Venezuela, contra o presidente Hugo Chávez. Entretanto, foram expressas opiniões diversas sobre o caso brasileiro. Renato Rovai, da revista Fórum – publicação que declarou apoio ao candidato Lula nos dois turnos da eleição – acredita que o presidente rompeu com a grande mídia e, portanto, houve um golpe semelhante contra o petista.
Em uma separação simplista, Mendes e Arbex estariam no campo daqueles que acreditam que não houve ruptura. Moyses tem dúvidas do tipo de acordo feito entre o governo e Rede Globo, já que, na sua opinião, a emissora impediu a vitória de Lula no primeiro turno da eleição.
Nas palavras de Arbex, “a Globo é o agente de construção de um poder de Estado. Não existe Estado sem Rede Globo, e não existe Rede Globo sem Estado, no Brasil hoje. A Globo está acima do governo. A partir do momento que o governo Lula começa deixar de ser necessário para gerir o Estado brasileiro, a Globo vai procurar outro governo que seja mais competente. Como fez com a Ditadura e com o Collor. Porque a Rede Globo é o Estado. E quando o governo Lula não rompe com a Globo, serve de coluna de sustentação desse Estado.”
Segundo mandato
Nenhum dos jornalistas crê em mudanças no segundo mandato de Lula. Em análise a partir da vantagem do petista nas pesquisas – já que a Semana aconteceu antes da eleição – Rovai considera muito difícil algum avanço no sentido da democratização da comunicação, pois mesmo no primeiro mandato tentou-se muito pouco. Kucisnki disse que fez algumas propostas para o próximo governo, como o recadastramento de todas as concessões de rádio e TV, por exemplo, mas é cético ao afirmar que “não vai dar em nada. Coloquei só para provocar.”
Por detectar um período de “enfrentamentos duros”, Mendes alerta para a necessidade dos movimentos sociais se organizarem. As empresas de mídia detentoras do poder, segundo Moyses, colocarão em pauta a regulação da comunicação – assunto sempre considerado como autoritário e controlador quando proposto pela esquerda política. Mas, completa ele, como “eles têm a estrada inteira para eles, a tendência é que a situação piore.” Além disso, “as forças de esquerda do governo se diluíram, a direita tomou conta, o Congresso está pior. Tudo isso junto aponta para um cenário tenebroso no próximo período.”
Principais críticas ao governo Lula nas políticas de comunicação:
– Repressão recorde às rádios comunitárias (fechamento de rádios aumentou 200% em comparação ao governo FHC).
– Escolha do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), ex-funcionário da Rede Globo.
– Escolha do padrão japonês de televisão digital, e aumento de 6mhz para as emissoras existentes.
– Escolha do padrão norte-americano de rádio digital, o que pode acabar com as rádios comunitárias.
– Manteve a propriedade cruzada (uma mesma pessoa pode ser dona de jornais impressos, emissoras de televisão e rádio, portais de internet, editoras, etc.)
– Manteve as concessões de políticos, além de fazer alianças com grandes coronéis da comunicação como Sarney e Collor.
– Utilizou verbas publicitárias em grandes meios de comunicação.
– Não incentivou um sistema público de comunicação.
OUÇA
Entrevista de Lula, em 1998, para uma rádio comunitária. O debate na PUC, dia 23/10/2006, iniciou com essa gravação sonora.
“Eu sou um eterno defensor das rádios comunitárias até porque sou defensor da liberdade de comunicação neste país. Eu, a vida inteira briguei para que no Brasil nós tivéssemos total liberdade nos meios de comunicação. O Brasil não pode, não pode de jeito nenhum, continuar tendo nove famílias controlando praticamente 90% de todos os meios de comunicação no Brasil. É por isso que eu acho que as rádios comunitárias significam efetivamente a possibilidade de nós termos um espaço mais democrático da comunidade poder falar, da universidade poder falar, dos sindicatos poderem falar, das pessoas mais pobres da favela poderem falar, das pessoas mais pobres no campo poderem falar. Eu sou defensor, e é por isso que o meu partido, lá em Brasília, brigou para que nós tivéssemos uma regulamentação que garanta o direito de funcionamento de tantas quantas rádios comunitárias for necessárias.”
(A Matéria Democratização da comunicação sem esperança com reeleição de Lula foi originalmente escrita para o Contraponto, jornal laboratorial da PUC-SP)
*fabio_nassif@yahoo.com.br