Jornalistas são pagos para mentir?

Utilizando o próprio veneno da “presunção de culpa” e partindo dos fatos irrefutáveis
relatados abaixo e das análises consistentes dos livros citados, fica a pergunta: Os
jornalistas brasileiros, principalmente da reduzida panela dos articulistas e dos ancoras
da televisão, também são pagos para mentir?

Fato 1: Em 8 de setembro passado, o jornal /Miami Herald/ reconheceu oficialmente que o
governo dos EUA pagou milhares de dólares a pelo menos dez jornalistas para que
fabricassem matérias mentirosas sobre Cuba. O objetivo da corrupção oficial foi “minar o
governo comunista de Fidel Castro e promover a democracia em Cuba”. Os três jornalistas
que receberam as somas mais elevadas trabalhavam para o /El Nuevo Herald/, jornal de
língua espanhola editado pela mesma empresa do /Miami Herald/. Pablo Alfonso recebeu US$
175 mil, Wilfredo Cancio ganhou US$ 15 mil e Olga Connor embolsou US$ 75 mil. Os três
foram demitidos e o assunto foi encerrado na “pátria da democracia” e do facínora George
W. Bush.

Fato 2: Em 4 de outubro, o presidente Evo Morales enviou carta à Sociedade
Interamericana de Imprensa (SIP), controlada pelo Opus Dei, perguntando porque ela não
criticava os jornalistas “que me chamam de ignorante e louco”. Nas conclusões de sua 62ª
Assembléia Anual, a SIP acusou o presidente boliviano de desrespeitar “a imprensa e os
jornalistas”. Evo Morales tem sofrido brutal cerco da mídia, em especial de alguns
comentaristas da televisão. Em setembro passado, ele já havia denunciado os
latifundiários, “donos dos grupos privados de comunicação”, e o preconceito dos inúmeros
jornalistas venais. Para se contrapor a esta ofensiva, o governo boliviano já inaugurou
mais de 30 rádios comunitárias.

Fato 3: Ciente do ódio da mídia e dos “jornalistas bajuladores dos poderosos”, o
presidente Hugo Chávez continua inaugurando rádios e TVs comunitárias na Venezuela, que
são geridas por entidades populares. No seu programa semanal aos domingos, “Alô
presidente”, não vacila em espinafrar a mídia hegemônica. Desde o fracassado golpe de
abril de 2002, Chávez se convenceu que era preciso democratizar a mídia e incentivar
meios alternativos. “Foi um golpe midiático”, concluiu o presidente. Consciente também da
urgência da integração latino-americana, como única forma de barrar o imperialismo
estadunidense, o governo venezuelano criou a Telesul, que visa “se contrapor às mentiras
da CNN”, explicou Chávez.

Fato 4: O Observatório Brasileiro de Mídia divulgou nesta terça-feira (10) um relatório
com o balanço da cobertura da imprensa sobre as eleições presidenciais nas duas últimas
semanas. Entre as revistas, Lula é citado negativamente em 62,5% das reportagens, Alckmin
teve apenas 16,7% de menções negativas. Já entre os jornais, Lula foi citado
negativamente em 65,5% das matérias, enquanto Alckmin teve 35,3% de menções negativas.
Dois dias antes da votação do primeiro turno, repórteres de três jornais, uma emissora de
rádio e da /TV Globo/ gravaram a fala do delegado Pereira Bruno no momento em que ele
entregou, de forma criminosa e ilegal, as fotos do dinheiro apreendido na PF no caso das
sanguessugas. Na gravação, o delegado diz: “Tá aqui. Agora vamos f… o governo e o PT”.
A mídia simplesmente escondeu a gravação!

A corrupção na mídia brasileira

Para responder à pergunta do título, vale a pena ler dois excelentes livros lançados
recentemente. No livro *”O jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão
ética*”, o professor de jornalismo da USP, Bernardo Kucinski, mostra que sempre houve
imprensa “marrom” no Brasil, feita de matérias compradas e de deturpações grosseiras para
beneficiar vários grupos econômicos e políticos. “A corrupção é prática sedutora na
indústria de comunicação pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar
politicamente a opinião pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa
característica. É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua proximidade no
jogo de influência dos poderosos”.

Para ele, entretanto, a prática da corrupção adquiriu novos e sutis contornos na era do
jornalismo on-line e do predomínio da ditadura financeira. “O projeto neoliberal
implantou-se no país comprando votos no Congresso e vendendo grandes empresas públicas a
consórcios formados por meio de acordos secretos que contaram com recursos dos bancos
oficiais e dos fundos de pensão, obtidos às vezes com apoio de subornos. O neoliberalismo
consagrou a corrupção como padrão de negócios e da política. A própria ideologia
neoliberal, fundada no individualismo exacerbado, em sua versão latino-americana,
alimentou a corrupção”. Na sua avaliação, o governo FHC institucionalizou de vez a
adulteração da mídia no Brasil.

Merchandising, prêmios e jabaculês

Kucinski aponta as práticas mais comuns de cooptação de jornalistas usadas por políticos
e empresas. Uma delas é o merchandising – propaganda camuflada em programas de
entretenimento. “O exemplo mais notável e mais conhecido foi o da organização de uma
falsa ONG, chamada Brasil-2000, pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros,
para pagar jornalistas que pudessem fazer merchandising das privatizações e, por tabela,
da candidatura de FHC”. Hebe Camargo e Ratinho, entre outros apresentadores de TV, sempre
estiveram metidos neste esquema. De maneira cínica, ambos vivem esbravejando contra a
corrupção.

Outra “forma sutil de cooptação por setores empresariais é a instituição dos ‘prêmios
jornalísticos’… Esses prêmios são fortes indutores da pauta jornalística e determinam a
ocupação dos espaços a partir de interesses dos empresários”. Ele critica ainda os
famosos “jabaculês”, os presentes dados regularmente por empresas a jornalistas de
projeção. Como que advertido para os riscos presentes nas batalhas eleitorais, ele
informa que nestes períodos “a compra de matérias se torna mais intensa… Em três
campanhas presidenciais pós-ditadura, as de 1989, 1994 e 1998, houve venda de capas e
matérias especiais por grandes somas”.

Escândalos políticos midiáticos

Já o livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”, do jornalista Venício Lima,
pós-doutor em comunicação pela University of Illinois e professor aposentado da
Universidade de Brasília, descreve como a imprensa manipula a cobertura política e
apresenta uma detalhada radiografia do monopólio privado da mídia no país. Com base em
vários estudos, ele demonstra que “muitas das mais importantes crises políticas do mundo
contemporâneo, desde a metade do século passado, têm como origem um *escândalo político
midiático (EPM).* Isso é verdade no Japão, na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos,
na Argentina e também no Brasil. Nosso exemplo mais significativo talvez seja o EPM que
levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954”.

Para ele, a atual crise política no país “se enquadra nas características identificadas
como constituidoras de um EPM”. Segundo argumenta, “antes mesmo da revelação pública de
cenas de corrupção nos Correios, em maio de 2005, o ‘enquadramento’ da cobertura que a
grande mídia fez, tanto do governo Lula como do PT e dos seus membros, expressava uma
‘presunção de culpa’ que, ao longo dos meses seguintes, foi se consolidando por meio de
uma narrativa própria e pela omissão e/ou pela saliência de fatos importantes”. Ele
lembra que antes mesmo de qualquer conclusão da Justiça, uma pesquisa realizada em agosto
de 2005 já havia revelado que 92% dos 400 jornalistas ouvidos consideravam o presidente
Lula culpado.

A “presunção de culpa”

A chamada presunção de culpa se contrapõe a um principio da Constituição de 1988, que diz
no seu artigo 5º que “ninguém será considerado culpado até o trânsito julgado de sentença
penal condenatória”. “A obediência a este princípio, portanto, é dever elementar de
qualquer jornalista, independentemente das informações que obtenha e de sua convicção
pessoal”. Para ele, porém, boa parte dos articulistas da imprensa nativa não respeita
este princípio e se coloca acima do bem e do mal; acima da própria Constituição. Venício
cita alguns casos grotescos de manipulação que reforçaram a presunção de culpa, como a
conexão das FARC com o PT ou a coluna de Clóvis Rossi acusando as “digitais do PT” na
morte do brasileiro Jean Charles, em Londres.

Utilizando o próprio veneno da “presunção de culpa” e partindo dos fatos irrefutáveis
citados acima e das análises consistentes dos livros citados, fica a pergunta: Os
jornalistas brasileiros, principalmente da reduzida panela dos articulistas e dos âncoras
da televisão, também são pagos para mentir?

2 thoughts on “Jornalistas são pagos para mentir?

  1. Jornalistas são pagos para mentir?
    Claro que sim, no meu pais (Argentina) também ocorre. A unica diferencia é que lá o poder é heterogeneo e está composto de varios grupos diferentes, que muitas vezes acabam tendo interesses contrarios. Isso provoca que os jornalistas denunciem os atos dos grupos rivais, e entre toda essa sujeira você pode pegar alguma parte da verdade. Aquí no Brasil, a midia tem só uma voz e a informação é uma só: Chavez-Ditadura, Argentina-Enemigo, Bush-Louco-mas-possivel-bom-socio, Evo-Indio-ignorante.
    Sinceramente, a imprensa brasileira da nojo, e pior de tudo, a classe-meia-alta lê a revista Veja e fica achando que é dona da verdade, que é uma livre-pensadora e que está por acima da “envergonhante” classe que vota a Lula.

    1. Jornalistas são pagos para mentir?
      Concordo com você, primeiro todos os jonalistas deveriam ter caráter mas infelismente existem muitos jornalistas mentirosos. Dá vergonha vermos noticias mentirosas em nosso país. Os jornalistas deveriam ser mais sérios á respeito do que se ocorre no país e não nos esconder a verdade, afinal o papel deles é esse, o de nos informar a respeito de fatos escandalosos ou não, que ocorrem em nosso país. Os jornalistas também poderiam denuciar as pessoas que tentam suborna-los, para que todos nós possamos ver o caráter dessa pessoa. Enfim, o papel do jornalista é muito importante para o cidadão, mas se não houver seriedade em seu trabalho, de nada irá adiantar.

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