A IV Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, de 18 a 25 de outubro, tem o objetivo de sensibilizar a população sobre o direito à comunicação. Organizada por várias entidades, com inúmeros encontros por todo o país, a discussão principal é o fato das principais empresas e meios de comunicação do país estar sob o controle de apenas nove famílias que “falam o que querem e como querem para 175 milhões de pessoas que escutam, caladas”.
As entidades defendem que o controle sobre as informações é radicalmente contrário aos interesses da sociedade. A “mídia de poucos” viola diariamente os direitos humanos, constrói valores que servem a interesses privados em detrimento do público e influencia diretamente a formação da opinião pública.
A expectativa é de que a semana amplie a pauta e o número de pessoas em contato com o debate. “Espero que os setores progressistas que se juntaram para organizar a semana consigam avançar na formulação de um projeto de comunicação, porque o setor reacionário da sociedade tem o seu projeto de comunicação que é o que está em vigor e funciona que é uma beleza”, aponta Rodrigo Mendes, da coordenação geral da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos).
Para Michele Prazeres, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a quebra do monopólio e a construção de uma comunicação democrática, “plural em conteúdo e diversa em meios”, é fundamental. “Queremos que todos tenham voz na sociedade que é mediada pelos meios de comunicação”, endossa.
Entre os exemplos de países que rumam um caminho mais democrático está a Inglaterra, que possui mídia pública, a BBC. Em Portugal, existe o direito de antena. “Organizações da sociedade civil e movimentos organizados têm direito a horário gratuito, assim como os partidos têm no Brasil”, revela Michele.
Ela diz que, embora não haja um sistema público de comunicação modelo no mundo, há elementos de outros sistemas que poderiam ser trabalhados e trazidos para o Brasil. Michele conta que no país não há regulação que trate da convergência das mídias. “O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962 e a legislação no governo Fernando Henrique separou telecomunicações de teledifusão para que as teles pudessem ser privatizadas. Nossa legislação é esquizofrênica em relação ao andamento, à evolução da sociedade para a convergência das mídias”, explica.
Michele defende a discussão e a criação de um sistema público que organize uma comunicação democrática, a exemplo do Sistema Único de Saúde. Esse sistema de comunicação serviria para reger não só o sistema público, mas a TV pública, as mídias públicas, as centrais de comunicação, a gestão democrática dos meios de comunicação, a leitura crítica da mídia etc. “Seria um sistema para gerir tanto o sistema privado como o estatal. Hoje, temos um privado muito forte e um estatal fraco, embora atuante por meio da TV Senado, da TV Câmara, ainda que, contraditoriamente, as pessoas só tenham acesso a esses canais por TV a cabo”, lamenta.
Para Rodrigo é fundamental questionar como a informação é produzida hoje. Segundo ele, o país segue a lógica mundial de tratar a comunicação como mercadoria. “Faz parte do ciclo capitalista em que vivemos aumentar cada vez mais o escopo do que é negociável e do que é mercadoria. Vivemos em um mundo onde terra é mercadoria, comunicação é mercadoria, assim como educação e saúde. Tratar comunicação como mercadoria acarreta problemas nefastos para a vida das pessoas”, aponta.
Para o integrante da coordenação da Enecos, pensar em democratização da comunicação significa pensar em transformação social, para além do direito individual. Ele compara a estrutura de comunicação brasileira, concentrada nas mãos de poucas pessoas, com a concentração de terras no país. “Historicamente, a terra foi associada ao poder. A partir do momento que se transforma a forma como a comunicação é feita no Brasil, se transforma a forma como a sociedade se organiza e se vê. Reivindicar a democratização da comunicação é reivindicar a pluralidade de pensamento.”
Segundo Rodrigo, a esquerda nunca parou para pensar seriamente a comunicação. “Quando fez, foi para encará-la de forma puramente instrumental – como faço o jornal, o panfleto -, reproduzindo a lógica de produção da comunicação do status quo”, diz.
Ele acredita que é fundamental construir comunicação alternativa e democrática de fato. Para ele, iniciativas como fazer jornal e panfletos e distribuí-los no bairro são importantes, mas se isso não ocorre em diálogo com outras iniciativas, com um projeto de comunicação mais amplo, se perde no vazio. “Temos que pensar a produção de comunicação independente, comunicação alternativa, ligada ao projeto de comunicação”, diz.
Entre outros pontos de discussão está a digitalização da rádio e da TV e a forma como foi conduzida, bem como o balanço das políticas de comunicação nos governo Lula e FHC e a criminalização dos movimentos sociais por parte da mídia. Mas o debate sobre a democratização vai além da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação.
Existem vários espaços nos quais o tema é debatido como o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação, que funciona em todo Brasil, e a Frente Nacional por um Sistema Nacional de TV e Rádio Digital. Ainda há a Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação – Cris Brasil, que reúne mais de 40 entidades em todo o país, entre outros exemplos.
“O primeiro passo para um direito se tornar direito são as pessoas reivindicarem ele e o Estado reconhecê-lo, efetivá-lo e garanti-lo. Mas as pessoas ainda não têm noção da comunicação como direito. Geralmente, entendem comunicação como instrumento. Por isso, conseguem resistir somente no conteúdo. Não entendem a mídia como um espaço mais amplo de disputa de valores onde todo mundo tem direito de incidir”, finaliza Michele.