O Congresso Nacional dos Jornalistas, que aconteceu em Porto Alegre, de 18 a 22 de agosto, propiciou debates bastante ricos sobre a profissão, embora a platéia, naqueles momentos, fosse bastante esvaziada. Mas, quem ficou para a discussão, conseguiu aprofundar um pouco mais os temas que, depois, seriam disputados acirradamente nas plenárias. Conjuntura, exigência de diploma, regulamentação, formação, experiências alternativas, estas foram as questões que permearam as mesas de debate, ajudando a pensar o futuro do jornalismo no Brasil.
Na mesa de conjuntura, que abriu o congresso, a polêmica já apareceu no primeiro palestrante. Sérgio Murilo, presidente da Fenaj, avaliou que a conjuntura brasileira está muito rica e que há uma consolidação da democracia, embora a mídia não se mostre à altura destes acontecimentos. Segundo ele, há uma incapacidade por parte do mercado em responder positivamente diante destas “imensas possibilidades colocadas pela democracia”. Disse que, hoje, a mídia confunde muito o jornalismo com o entretenimento e que esta é uma aposta equivocada dos donos dos meios. “Eu acabei de fazer um roteiro pelo país junto com o Schröder e vi que as redações não têm as condições mínimas para o exercício do jornalismo. Os empresários não têm noção de para onde vai o mercado, não têm capacidade gerencial de perceber o avanço da concentração dos meios”. Por conta disso, afirmou, é necessário que os jornalistas ofereçam uma nova forma de fazer jornalismo.
Sérgio Murilo foi bastante criticado por esta análise uma vez que não explicou sobre qual democracia falava. A democracia liberal? A financeira? Se forem estas duas, sim, ele tem razão. Estão firmemente consolidadas, mas isso não é bom. Também foi questionado no que diz respeito a sua visão dos empresários. A delegação de Santa Catarina argumentou que não há nenhum equívoco na conduta dos patrões. “É da natureza do capitalismo agir assim, os empresários têm muita noção de para onde está indo o mercado e o estão gerindo muito bem. Assim é no capitalismo. Acreditar que os empresários estão equivocados e que é preciso ensiná-los no seu negócio não deve papel da Fenaj”.
O diretor do Jornal Já, de Porto Alegre, Elmar Borges, disse que os jornalistas mais velhos foram praticamente expulsos das redações, o que diminui a visão crítica, e compartilha da idéia de que há uma democracia consolidada e que as empresas se recusam a ver a realidade. Um dos criadores da idéia do Coojornal, cooperativa que brilhou durante a ditadura militar, ele acredita que hoje o que se precisa é fazer a luta tanto dentro dos jornalões e grandes mídias, como fora deles.
O representante da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), Gustavo Granero, disse que o que importa para o sistema mundial é o dinheiro e a concentração de riqueza, daí a necessidade de que tenha menos jornalismo, menos informação. “É por isso que eles apostam no lixo do entretenimento”. Segundo ele, por conta desta conjuntura é preciso que os jornalistas tenham claro sobre qual é o alvo da luta. “O jornalismo mundial está em crise, não há diversidade de fontes. Pelo menos em 40% das notícias que se lê não se consegue identificar quem está falando. Além disso, no México, na Colômbia, em Honduras, estão matando os jornalistas que falam. Na África não tem internet, não tem telefone, o povo está tratando de sobreviver. Na América Latina ainda temos de caminhar para encontrar um perfil próprio”.
Transformar o imaginário
O professor da Famecos, Juremir Machado, trouxe uma contribuição provocativa, apontando a servidão voluntária como um dos grandes problemas no jornalismo, seja por parte dos jornalistas ou dos patrões na relação com o empresariado. “Por isso a mídia é tão conservadora”, avaliou. Para ele, um dos grandes problemas da categoria na atualidade é a consolidação de um imaginário no qual as “pessoas boas” são aquelas que se apresentam como moderadas. E “as pessoas más” são os radicais. Esses não aparecem na mídia. “Mas, quem pode apostar que os ditos moderados sejam os portadores da verdade?”
Para Juremir o grande desafio é transforma esse imaginário que toma conta dos jornalistas na sociedade do espetáculo, na qual só aparecem as coisas que os jornalistas consideram “boas”. Se não aparecem os conflitos sociais, por exemplo, é porque os envolvidos são “maus”. Essa é a lógica. “No caso da América Latina o que a gente ouve? Que estes presidentes de esquerda são fanáticos, são perigosos. Mas, se pensarmos bem, quem pode ser mais perigoso que um José Sarney? Esse aí não seria um radical?” Provocativo e polêmico, Juremir nem abriu debate, estava atrasado para o seu programa de rádio. Ainda assim, não tergiversou: os jornalistas precisam transformar o imaginário.
A decisão do STF
O advogado Antônio Carlos Porto afirmou que o STF julgou a questão do diploma com base num conceito de liberdade típico do século 19. Segundo ele, o tempo de hoje é o da produção industrial de notícias, onde não cabe a concepção do indivíduo, tal qual entendem os ministros. “A questão da liberdade de expressão não está no campo individual, do jornalista, mas deve ser debatida na relação com o direito de propriedade. Afinal, qualquer pessoa pode ter um blog, mas só um empresário da comunicação pode produzir em escala ”.
O professor Manoel Chaparro, da USP, chamou a atenção para o fato de que os jornalistas brasileiros ainda não aprenderam a fazer jornalismo na liberdade e muito menos sabem qual a razão de ser do jornalismo. “O princípio básico do jornalismo é ser independente. Mas essa não é uma coisa fácil nem mesmo em relação a nós mesmos. Às vezes fracassamos, mas temos de seguir defendendo isso”. Chaparro lembrou que, antes, eram os jornalistas que andavam em busca das notícias num mundo que era silencioso. Hoje não, elas chegam aos borbotões. O mundo é falante. “Então a gente vê que os jornalistas trabalham com conceitos velhos. Não incorporaram os novos tempos”.
Contrário a exigência do diploma, ele disse que como bem lembrava Darcy Ribeiro, os avanços civilizatórios se dão por revoluções tecnológicas e não pela luta de classe. “Isso é duro, mas precisa ser levado em conta. Os jornalistas precisam passar um olhar humilde sobre o cenário em que trabalham. O direito de informação deixou de pertencer aos jornalistas, e hoje todos podem exercê-lo”. Chaparro alertou para o fato de que os sujeitos sociais da atualidade aprenderam a ver a notícia como parte do acontecimento. Há uma revolução das fontes. Elas se dizem sem precisar do jornalista. Elas comandam as agendas”. Na verdade o professor da USP deixou de lado o paradoxo que esta situação apresenta. Se, de fato, existe hoje um mundo falante, nada garante que este mundo possa de fato se expressar, afinal, a concentração dos meios é cada dia maior. Nesse sentido, o limite da fala é sempre dado pelos donos das empresas. Da mesma forma, o diploma. Se é fato que a informação saiu do controle do jornalista, isso não significa que o trabalhador, explorado nos meios de comunicação de massa possa ficar sem a proteção legal. Hoje, defender o diploma é fazer sim uma luta corporativa, mas isso não deveria envergonhar o trabalhador. Muito pelo contrário. É uma luta legítima diante da exploração promovida pelos donos dos meios.
Foi aí que o procurador de Santa Catarina, João dos Passos não deixou dúvidas: a decisão do STF carece de fundamentos jurídicos. Segundo ele, o decreto que foi colocado em questão não tem nada de inconstitucional, pois não há na Constituição Federal nenhuma norma que trate da regulamentação de profissões. “O STF judicializou um assunto que pertence ao terreno da política, do Congresso Nacional. Está muito claro na Constituição que é o legislador quem tem a competência para decidir sobre o exercício profissional. O STF aparentemente usurpou as funções legislativas interpretando de maneira tendenciosa. Seria como dizer que não precisa diploma para um advogado porque ele prejudicaria o direito a ampla defesa do contraditório, ou como se a Carteira de Motorista impedisse o direito de ir e vir”.
O deputado Ibsen Pinheiro também reforçou a idéia de que é o Congresso quem define em lei sobre a regulamentação das profissões, e o judiciário deveria se limitar a isso, ao cumprimento da lei, sem querer ser protagonista no campo da política. Ibsen também discorreu sobre o conceito de liberdade de expressão lembrando que este não é um direito absoluto. “Uma pessoa não pode gritar `fogo´ num teatro lotado se não houver fogo. O direito de expressão deve ser interpretado na convivência com os respectivos limites. E isso não é censura”. Sobre a PEC em tramitação no Congresso ele acredita que tem grandes chances de ser aprovada, embora venha a abrir uma exceção na lei. “Até hoje não se constitucionalizou a regulamentação das profissões”. Ele acredita que o processo não será tão rápido quanto acreditam algumas lideranças da Fenaj.
A defesa da profissão e o futuro do jornalismo
A mesa que discutiu o futuro da profissão trouxe o debate sobre a formação. Sérgio Gadini, do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo contou que existem hoje 1.300 escolas de jornalismo que lançam no mercado mais de 400 novos profissionais por ano. O desafio, depois da decisão do STF, é definir por que se formar. Segundo ele houve um golpe na identidade e agora os alunos estão se perguntando as razões para a diplomação. Para ele, mais do que nunca os cursos deveriam fortalecer o olhar sobre a demanda social de informação, deixando de vê-la como mercadoria.
O repórter da Globo, Marcelo Canellas, reforçou esta posição lembrando que quando era estudante esteve metido no Centro Acadêmico, foi à Brasília lutar pelo diploma, se envolveu com o aspecto social da profissão. Hoje, como repórter, ele procurar “enfiar o pé na lama” para sempre encontrar boas histórias que desvelem as contradições da sociedade. “O jornalismo é uma forma específica de conhecimento, precisa de formação”. Canellas criticou a universidade por estar distante destes debates, e sem conexão com os sindicatos. “Longe da vida real, não é possível formar bons profissionais”. Lembrou ainda que, hoje, é o jornalismo que determina quais acontecimentos estarão na agenda do público e o jornalista tem obrigação de interferir nessa agenda. “Para isso o jornalista tem de ter posição sobre as coisas e também as ferramentas teóricas para bancá-las”.
O professor Antônio Holfeldt, da PUC/RG salientou a necessidade de a universidade formar um jornalista que tenha olho crítico, que seja humanista e tenha conhecimento dos grandes textos do jornalismo. Durante o debate foi levantado como argumento a incapacidade da universidade de trabalhar com o pensamento novo. Os jovens que hoje saem da universidade saem preparados tecnicamente, mas não sabem pensar. Há um afastamento dos professores do mundo real e das lutas sindicais. O povo passa a ser objeto de pesquisa, passível de vampirismo intelectual, enquanto suas demandas ficam silenciadas pelos profissionais que deveriam ser críticos. Foi lembrada a teoria de Adelmo Genro Filho sobre o jornalismo, que poucos professores conhecem, e os que a conhecem, no mais das vezes a esterilizam, esquecendo de que ela é uma teoria marxista, portanto, tendo como foco principal o desvelamento da realidade.
De todas as mesas, com debates de alta qualidade, ficou a certeza de que o profissional do jornalismo precisa encontrar tempo para estudar, conhecer as novas teorias, ser capaz de pensar o novo, de olhar criticamente para a realidade e narrá-la. Além disso, como bem lembrou Manoel Chaparro, o papel do jornalismo é fazer os conflitos aflorarem. Sem isso, os profissionais serão meros porta-vozes, e não encontrarão amparo na sociedade.