O debate dos presidenciáveis no país do futebol
Quinta feira 13 de agosto de 2010, da Vila Setembrina dos Farrapos pelas costas apunhalados por latifundiários escravagistas, Bruno Lima Rocha, cientista político
Na 5ª feira dia 05 de agosto do corrente ano o país pôde assistir ao primeiro debate entre os quatro mais destacados candidatos à Presidência da República. Como se sabe, é da “tradição” democrático-liberal brasileira que a Rede Bandeirantes inaugure a rodada de embates verbais entre os concorrentes ao Executivo da União e dos estados. Simultaneamente a exibição do embate televisivo, a Rede Globo, ainda emissora líder, transmitia um jogo de futebol de grande relevância, a partida de volta da semifinal da Copa “Santander” Libertadores, entre o São Paulo F.C. e o Internacional S.C. Alegrias futebolísticas à parte, era a crônica do desastre anunciado.
É de praxe afirmar ser o Brasil o país do futebol, haja vista o número de horas de programação dedicadas quase exclusivamente para este esporte que movimenta recursos astronômicos. No miolo do fenômeno do descolamento de preços, com a alta de salários e cotas de patrocínio, a TV ocupa a base de sustentação dessa indústria do entretenimento desportivo, pagando (e em via de regras de forma antecipada), as cotas de direitos de exibição. O senso comum também noz faz ouvir que os brasileiros não se interessam pela política em nenhum aspecto. Infelizmente, os números de medição de audiência instantânea, organizados pelo Instituto Ibope (o mais contestado em termos de pesquisas eleitorais) em domicílios da Grande São Paulo, dão a prova material dos ditados populares. Para termos uma idéia de proporção, para cada ponto contabilizado pelo Ibope temos a equivalência de 60 mil domicílios na capital paulista e sua região metropolitana. Os números indicam que o primeiro debate da corrida presidencial oscilou entre 2,5 e 5 pontos; enquanto a partida teve média de 29,5 atingindo um pico de 33,8 pontos. Nada de novo no front.
Podemos também realizar uma ilação do fracasso devido ao debate ser insosso. Plasticamente limpo e vazio de conteúdo estratégico. Isto é, ninguém debate a fundo a chave do cofre, não se aponta a única saída prevista para atender todas as demandas do povo brasileiro. Em contrapartida, a produção audiovisual é de alta qualidade. Até onde se sabe, os candidatos são assessorados por competentes profissionais. Receberam treinamento para a mídia (os gringos chamam de media training), de postura diante do vídeo (como um diretor de palco), realizaram sabatina prévia de perguntas (através de memorizações e jogos de mnemotecnia) e passam por algum preparo em oratória e dicção. Enfim, estavam tecnicamente preparados para suas performances. O problema pode estar aí. Mesmo que exista uma discórdia de conceitos e idéias-guia, não há muita desavença na forma. Para a maioria do eleitorado, distante da política por três anos e meio e convocado a decidir sobre temas complexos encarnados nas candidaturas, a relação é muito desigual.
Ao mesmo tempo, dentro das quatro linhas dos gramados, o interesse e a familiaridade são proporcionalmente inversos. No caso, nós brasileiros prestamos muita atenção e estamos familiarizados com temáticas de alguma complexidade. Desafio um oponente do futebol a provar que se trata de atividade desprovida de inteligência. Em geral, uso este exemplo em sala de aula. Uma parte considerável dos brasileiros, para além de paixões torcedoras ou ódios contra cartolas e dirigentes, entende e muito a respeito de temas complexos. Cidadãos comuns, quando familiarizados com um jargão apropriado e participando de uma cultura própria, conseguem emitir opinião a respeito de estratégia, tática, desempenho dos indivíduos, ambiente coletivo, qualidade das lideranças, investimentos em contratações oportunas ou equivocadas e assuntos do gênero. As variáveis de possibilidades e as tramas diretas e indiretas são muitas, exigindo no mínimo uma mente treinada e um olhar aplicado.
Na política poderia acontecer o mesmo, se e caso camadas mais abrangentes do povo brasileiro fizessem a prática política ao longo do ano. Acontece que o “excesso de participação” é visto como algo “perigoso”, pois aumenta o poder de grupos de pressão que não são naturalizados como sendo os únicos legítimos para isso. O fosso está justamente na agenda discreta, ou quase indecifrável. Poucos sabem que o PIB brasileiro está em torno de R$ 3,143 trilhões, dos quais cerca da metade passa pelo caixa da União. No orçamento executado em 2009, segundo dados do SIAFI, o Brasil gastou 2,8% de sua receita com Educação e “apenas” 35,57% da dívida pública (isso sem contabilizar o refinanciamento). A totalização dos gastos com os credores financeiros, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), atinge a absurdos 48% do projeto de orçamento que foi previsto para 2009. Portanto, é falsa a polêmica do aumento de despesa da máquina pública como causadora de déficit. O rombo está na forma de financiamento do Estado brasileiro, e por tabela, do conjunto das políticas que punem ou beneficiem agentes econômicos e sociais. Esses são os segredos de Estado, e é isto que deveria ser a prioridade de qualquer debate político.
Se fossem compreensíveis estes números e estivesse em jogo o modelo de sustentar a sociedade brasileira, não estaríamos lamuriando a pouca audiência de um debate de presidenciáveis. Enquanto isso não ocorrer, teremos o paradoxo brasileiro de ver a política como sazonal e o futebol como permanente. Uma “democracia” assim tende a pasmaceira ou exasperação. Quem planta colhe.
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