A jornalista Natália Viana vê o WikiLeaks como uma ferramenta com força para democratizar a informação por meio da internet. A representante no Brasil da organização que divulga documentos confidenciais e sigilosos do governo dos Estados Unidos explica, em entrevista à Rede Brasil Atual, os critérios para publicação e os detalhes sobre os trabalhos.
“No Brasil, em um momento em que se discute um novo marco regulatório para a mídia, é muito importante ficar atento a isso”, sustenta. “Não é só o vazamento, não só os segredos das embaixadas, não só que o Julian foi preso. É uma nova fronteira de democratização da comunicação usando a internet como meio”, pontua.
Segundo Natália, Julian Assange, fundador do WikiLeaks, empenhou-se pessoalmente para que o Brasil tivesse uma divulgação privilegiada do material. Além de haver 3 mil telegramas a respeito do país no lote de 250 mil divulgado neste mês, o fim do governo Lula favoreceu a decisão de buscar parcerias com jornais locais para a divulgação do material. Segundo ela, outros países do continente ainda aguardam acordos com publicações.
Sobre os motivos por que O Globo e a Folha de S.Paulo foram os escolhidos, a jornalista explica que a escolha da organização teve o objetivo de garantir a melhor divulgação possível. Ela lembra ainda que o uso do WikiLeaks garante que todos tenham acesso à informação e produzam diferentes leituras. “Os dois veículos estão sendo muito respeitosos, cobrindo muito bem”, elogia. “A repercussão está ótima (…). É o único (país) em que o presidente apoiou o Julian quando ele foi preso”, comemora.
A alusão é às declarações de Luiz Inácio Lula da Silva na última semana a respeito da prisão de Assange, acusado de crimes sexuais na Suécia. Lula disse que a defesa do ativista tem relação com a garantia de liberdade de expressão, já que o material é de interesse público.
Até agora, conforme descreve Natália, o critério de divulgação foi o do WikiLeaks, que privilegia temas de relevância internacional. Porém, como os jornais já têm acesso aos dados na íntegra, podem passar a tratar de temas de alcance apenas doméstico.
Confira os principais trechos da entrevista:
Pergunta – Qual a sua avaliação sobre o alcance dos documentos vazados no Brasil?
Natália Viana – A repercussão está ótima. O Brasil, tirando os países centrais, é o que está mais engajado na discussão. É o único em que o presidente apoiou o Julian quando ele foi preso. Isso é fruto do trabalho que estamos desenvolvendo. Quando me convidaram para fazer a divulgação no Brasil, já pensando que há muitos apoiadores do site e que o público e o número de internautas é grande, é também um país símbolo no software livre e da cultura digital. O Brasil está sendo privilegiado por acompanhar em primeira mão. Os países da África e da América Central e do Sul vão demorar para receber os dados, porque estão ainda negociando com veículos locais. O Brasil saiu na frente, o que me deixa muito feliz, por permitir que o Brasil tenha relação mais forte com o que acontece de vanguarda em termos de jornalismo investigativo internacional.
P – Houve alguma definição de critérios para divulgar antes este ou aquele documento?
NV – Naquela primeira semana de divulgação, a estratégia da organização foi começar a tratar de temas com relevância internacional. O WikiLeaks é um site internacional e as matérias em português eu também estou traduzindo para o inglês. Por exemplo, temas específicos sobre encontros da oposição com embaixador, ou como a embaixada relatou o escândalo do mensalão, não interessam para o site, enquanto produtor de notícias. Até hoje, o que predomina na pauta são os temas internacionais, porque quem está pautando é o site. Agora, como O Globo e a Folha estão com os documentos, eles vão elaborar sua própria pauta do dia. Tudo o que saiu até agora tem relevância internacional.
P – Qual o grau de autonomia dos jornais que recebem o material com antecedência?
NV – A divulgação é a critério dos jornais. Até recebi “queixas” no blogue de que os documentos não estariam suficientemente críticos ao governo Lula. Mas são duas grandes organizações de veículos impressos que têm os documentos e podem publicar por seus critérios. Não tem nada de critério político, mas de relevância da notícia. O único que usamos até agora era ter relevância internacional. Agora, depende dos jornais, mas pode começar a ter questões mais internas. O site do WikiLeaks vai continuar publicando reportagens com relevância internacional. Não cabe ao site expor que tem um político que é informante da embaixada ou que foi fazer fofoca do outro. A não ser que tenha relevância internacional e regional, como foi o caso de o ministro Nelson Jobim falar sobre a saúde de outro chefe de Estado. Tem um critério editorial também.
P – Por que o Brasil tem dois jornais envolvidos, enquanto no resto do mundo apenas cinco veículos recebiam o material? Quais foram os motivos da escolha?
NV – O Brasil está sendo privilegiado. O WikiLeaks tinha acordo com cinco veículos no mundo, cinco grandes jornais. O Brasil só entrou porque fui convidada e porque topei. E, considerando que o governo Lula estava para acabar, a avaliação é de que seria interessante a divulgação agora. O Julian em pessoa se empenhou no projeto para que saísse no Brasil. Se é um em cada país ou não, isso depende dos acordos. Aqui, não quiseram garantir exclusividade. Isto é que tem de ficar claro: o objetivo é garantir que seja divulgado do melhor jeito possível. Os dois veículos estão sendo muito respeitosos, cobrindo muito bem. São dois grandes jornalistas fazendo isso, a Tatiana Farah, de O Globo, e o Fernando Rodrigues (da Folha).
P – Como é a relação com o Julian Assange e outras pessoas do WikiLeaks?
NV – O WikiLeaks é tocado por um grupo de pessoas. Tanto que o Julian está preso, mas a organização segue do mesmo jeito. Esse grupo inclui jornalistas, que são particularmente com quem eu lido mais. Sou uma colaboradora para este lançamento, mas discuto a questão editorial, que matérias vão sair, quais não vão. Não tem número um, número dois. Ele é o mais proeminente porque é o fundador e é uma figura carismática. Minha relação é de trabalho, mas bem próxima. Temos nos falado o tempo inteiro, concentrados em continuar um trabalho que está sendo benfeito.
P – Faltam muitos documentos para serem divulgados?
NV- O total de documentos é grande, cerca de 3 mil. A quantidade lançada até agora é pequena, perto de cem. Os documentos são classificados de certa maneira. A maioria não são classificados, tem os confidenciais e os secretos. Embora tenha uma grande quantidade, eu poderia dizer que metade deles não rende reportagem, porque é a embaixada comentando o noticiário do dia. Documentos relevantes, tem muito mais para sair. As pessoas querem saber se tem mais furo, mais escândalos… Tem várias histórias bem interessantes, coisas que acontecem no nosso país e que a gente não sabe. A de hoje (segunda-feira, 13), por exemplo, sobre como os americanos se interessaram pelo pré-sal para fazer lobby, o embaixador se encontrando com representantes da indústria petroleira, é uma história super-relevante que ninguém tinha publicado antes em detalhes.
P – Qual o impacto do WikiLeaks sobre a cobertura da imprensa?
NV – No Brasil, acontece uma coisa muito interessante. Todos os dias, tem a matéria de O Globo, da Folha, mas também tem a do WikiLeaks. O WikiLeaks é um representante de uma nova mídia espontânea, que trabalha voluntariamente – que sou eu – e se pode ver os diferentes ângulos e as diferentes maneiras de a notícia se propagar. O elemento novo trazido é que a acessibilidade à informação muda de perspectiva. Apesar de os jornais terem acesso aos documentos, todos eles vão para a web, estão na web. Estamos com problemas técnicos e estamos conseguindo fazer o upload um pouco mais tarde, mas qualquer pessoa, qualquer pesquisador, qualquer jornalista pode fazer sua própria leitura. Isso é extremamente democratizante, algo que só uma organização como o WikiLeaks traz. Embora tenha os parceiros, também se aposta em um novo tipo de comunicação. No Brasil, em um momento em que se discute um novo marco regulatório para a mídia, é muito importante ficar atento a isso. Não é só o vazamento, não só os segredos das embaixadas, não só que o Julian foi preso. É uma nova fronteira de democratização da comunicação usando a internet como meio.
P – Ter um blogue é uma decisão sua ou em outros países isso também ocorre?
NV – É uma decisão minha, mas tenho total liberdade para isso. Em outros países, os jornalistas escrevem em seus blogues, dão entrevistas, escrevem artigos. Optei por isso, porque a informação sobre o Brasil é muita e a repercussão também. E eu só posso publicar no WikiLeaks um número limitado, também em inglês. No blogue, posso pôr vídeo, teve a entrevista com o Julian, coisas que não caberiam no WikiLeaks, é um trabalho pessoal.