Foi como se tivéssemos recebido uma bofetada no rosto. O Supremo Tribunal Federal, ao acatar a ladainha antidiploma tantas vezes entoada pelos patrões — os senhores da mídia — e por fim materializada em ação judicial por um desinformado procurador da República, deixou-nos atordoados ao decretar a morte de nossa profissão.
“Obrigatoriedade de curso superior? Jamais!”, repetiram os ministros do STF, competindo uns com os outros na excentricidade das alegações com que procuraram justificar sua absoluta ignorância do assunto, a ponto de confundir e igualar a liberdade de expressão e o exercício profissional do jornalismo.
Nem mesmo o direito à regulamentação profissional teremos mais, se depender do acórdão do STF, que não só derruba o inciso V do artigo 4º do Decreto-Lei 972 de 1969 (que previa a obrigatoriedade do diploma), mas atinge por inteiro esse instrumento legal que até então definia as características do jornalismo. A identidade da nossa categoria foi reduzida a pó.
A paulada do STF nas costas dos jornalistas não foi um raio em céu azul. Seguiu-se às muitas derrotas que temos sofrido nas últimas décadas, como a perda da aposentadoria especial aos 25 anos de trabalho; a extensão “informal” da jornada para 10 e até 12 horas diárias; a disseminação nas redações de variadas formas de precarização e fraude na relação trabalhista — os “frilas fixos”, as “cooperativas”, a “pejotização” (transformação fraudulenta do jornalista assalariado em pessoa jurídica) e a farta utilização de “estagiários”.
Como reagir a esse cenário de terra arrasada? Como reconquistar nossa identidade profissional, diante do fogo cerrado do patronato, disposto a nos desmobilizar e enfraquecer? Como reagrupar e aglutinar uma categoria tão fragmentada, dispersa por ambientes de trabalho tão díspares? E que papel cabe à Federação Nacional dos Jornalistas nas batalhas futuras?
Mudar a Fenaj!
Nós da chapa LutaFenaj! estamos convencidos de que o primeiro passo é mudar a Fenaj, para que ela retome seu papel de liderança do movimento dos jornalistas brasileiros. Renovar a direção da entidade, oxigená-la, pois de tanto revezar-se no seu comando, em diversas gestões consecutivas, o grupo dirigente atual vem incorrendo em práticas viciadas, que a afastaram dos sindicatos e das bases da categoria.
Em vários sindicatos há um pipocar de insatisfações com o autoritarismo praticado na cúpula da Fenaj. Algumas diretorias dividiram-se, como reação à reprodução, no plano local, dos métodos centralizadores típicos da gestão atual da entidade nacional. Portanto, democratizar a Fenaj é parte do esforço para unificar nacionalmente os jornalistas.
O segundo passo é ampliar a luta pela regulamentação profissional, de modo não só a retomar os pontos suprimidos pela decisão do STF (como a qualificação superior e a definição das funções jornalísticas), mas também a avançar na garantia das condições adequadas para a produção de um jornalismo de qualidade.
Na campanha pela regulamentação, a prioridade máxima é dirigir, orientar e reforçar a luta para reconquistar a obrigatoriedade do diploma em jornalismo, cuja principal tarefa imediata é a mobilização pela aprovação das Propostas de Emenda Constitucional 33/09 e 386/09, que instituem novamente a exigência da formação específica. Essa prioridade exige muita clareza sobre, de um lado, quem são nossos inimigos, e de outro lado quem são nossos amigos e aliados.
Quem são nossos inimigos?
Os maiores interessados na derrubada do diploma e da regulamentação sempre foram e continuam sendo os senhores da mídia, os donos dos grandes jornais diários e emissoras de rádio e TV. Esses patrões atuaram sem descanso para que fôssemos derrotados no STF. O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) foi parte no processo: foi um recurso conjunto seu e do procurador federal, contra uma decisão de segunda instância favorável ao diploma, que provocou a fatídica manifestação do Supremo. Folha de S. Paulo, Rede Globo e Editora Abril comemoraram a decisão do STF.
Apesar dessas gritantes evidências, a atual gestão da Fenaj sempre poupou os patrões na disputa ideológica travada em torno da obrigatoriedade do diploma. No Congresso Nacional dos Jornalistas, em 2008, chegou a colocar na mesa do evento os representantes patronais, confiante nas “negociações de alto nível” relacionadas à participação patronal na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realizaria no ano seguinte.
Da nossa parte, não temos dúvida de que é preciso denunciar à sociedade, incansavelmente, os interesses escusos do setor oligárquico do patronato na derrubada do diploma e na desmoralização do curso superior de jornalismo. Querem destroçar nossa profissão para manipular o noticiário a seu bel prazer.
Por outro lado, é fundamental dialogar com os setores do movimento social e das universidades que, embora nossos aliados em inúmeras outras questões, fazem restrições à obrigatoriedade do diploma para a prática do jornalismo. Devemos procurar convencê-los no debate fraterno, sem hostilizá-los (como, infelizmente, tem sido a prática da atual gestão da Fenaj). Nossos inimigos são outros: são os barões da mídia!
Ao mesmo tempo, a Fenaj precisa colocar-se na linha de frente da luta por maior qualidade dos cursos de jornalismo, exigindo do MEC uma fiscalização efetiva das instituições que os oferecem, o que se traduz por garantir currículos consistentes, corpo docente qualificado e laboratórios equipados.
Atividades e funções
A Fenaj deve lutar também pela retomada dos outros pontos necessários à regulamentação da nossa profissão. Isso implica ou bem retomar a luta pela aprovação definitiva do PL 79/2004, ou bem reformulá-lo e apresentar uma nova proposta. O PL 79/2004, que redefinia as atividades e as funções envolvidas no exercício do jornalismo, foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2006, mas vetado pelo Presidente da República.
Uma alternativa é pressionar o Congresso para que derrube o veto de Lula. Outra é apresentar um novo projeto, procurando eliminar os pontos de atrito com outras profissões do setor da comunicação, como radialistas e relações-públicas.
A definição das funções jornalísticas por meio de lei tornará possível cobrar do MTE a comprovação do exercício profissional como critério para a concessão dos registros.
A nova regulamentação deve ser vista, ainda, como oportunidade de conquistar novas garantias para o bom exercício do jornalismo. Entre elas está a instituição de um código de ética, cujo teor deve se basear no código aprovado pela Fenaj no Congresso Extraordinário de 2007. O respeito ao código deve ser assegurado por medidas e instâncias que garantam a proteção dos profissionais, frente a violações praticadas por patrões ou superiores hierárquicos.
Sindicalização já!
A importância da luta pelo diploma e pela regulamentação não pode nos fazer esquecer das outras frentes de luta da Fenaj. Nossas chances de vitória nessa disputa desigual contra o patronato e o STF estão diretamente relacionadas à “musculatura” adquirida pelos sindicatos que constituem a federação. Cabe à Fenaj, por exemplo, organizar e liderar uma campanha nacional de filiação dos e das jornalistas aos seus sindicatos, com a finalidade de aumentar a força e a representatividade destes.
Atualmente, a maior parte dos jornalistas empregados nas redações, assessorias e portais encontra-se fora dos sindicatos. Este é um enorme desafio para os sindicatos e para a Fenaj: sindicalizar esses colegas, incorporá-los ao movimento, fazer com que participem da luta por melhores condições de trabalho e pela regulamentação profissional.
O Estatuto da Fenaj é bem claro em suas recomendações: “Trabalhar em conjunto com os sindicatos filiados, buscando também fortificá-los e ajudá-los a lutar junto às suas bases por estes objetivos, sempre resguardando em primeiro lugar os interesses da categoria” (artigo 2º). Há muito que fazer nessa direção: coordenação nacional das campanhas salariais; assistência jurídica, técnica, material; coordenação dos esforços de unificação dos trabalhadores do setor de comunicação etc.
Nós da chapa Luta,Fenaj! queremos uma entidade nacional combativa, solidária com os sindicatos no seu choque com o patronato, e presente, sempre que possível, no cotidiano dos jornalistas. Em meio ao aumento da jornada, deterioração das condições de trabalho, intransigência patronal, assédio moral, não é possível que a direção da Fenaj recuse-se a “sujar as mãos” com estes problemas que denotam um crescente grau de espoliação dos jornalistas pelos senhores da mídia. Vale lembrar: somos jornalistas, somos trabalhadores!
Que mídia queremos?
O conteúdo e a dinâmica da comunicação social praticada hoje no Brasil atendem quase exclusivamente aos interesses do oligopólio midiático e do grande capital, com repercussões profundamente negativas para a sociedade brasileira. E que nos afetam enquanto categoria que exerce um papel central na mídia.
Trabalharemos para que a Fenaj atue como protagonista ativa na luta pela democratização da comunicação social, o que implica reafirmar os princípios do sindicalismo combativo: independência perante governos e patrões, autonomia (frente a partidos e outras organizações), democracia, respeito às bases.
Nossos parceiros prioritários serão as outras categorias de trabalhadores do setor e, certamente, os diversos movimentos sociais interessados em mudanças efetivas na comunicação social.
Durante a 1ª Confecom, a direção atual da federação, no afã de garantir a qualquer custo a participação do segmento empresarial, tomou decisões sem ouvir as bases. Isso é algo inaceitável e que não pode se repetir.
Somos contra a divisão dos brasileiros entre um minúsculo grupo que tem o direito de falar e uma maioria que só pode ouvir. Por isso, lutaremos pela pluralidade e diversidade nos meios de comunicação e pela limitação do oligopólio e fortalecimento da comunicação pública, comunitária e livre — medidas aprovadas na 1ª Confecom. Vamos cobrar o respeito aos direitos humanos e à promoção da produção regional e independente, pois repudiamos a visão do Brasil sustentada pelo oligopólio, que é elitista e preconceituosa. Defendemos, ainda, a universalização da Internet e o livre acesso às novas tecnologias e ao conhecimento.